Justiça Tributária

O sistema da insegurança absoluta ainda não vigora

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

27 de fevereiro de 2012, 12h30

Spacca
Raul Haidar - Spacca [Spacca]

No ano passado, a Receita Federal bateu seu recorde de autuações, com um crescimento de 21,5% em relação a 2010. Foram feitos lançamentos de R$ 109,3 bilhões, sendo R$ 30,9 bilhões contra indústrias e R$ 11,6 bilhões em relação ao setor financeiro.

Ocorreram 382 mil autuações contra pessoas físicas, cujo total atingiu cerca de R$ 6 bilhões. Teria havido um aumento médio de cerca de 50% no valor das autuações nesse segmento.

O anúncio desses números foi feito às vésperas do carnaval e aparentemente as autoridades estavam muito felizes com o resultado, como se os números pudessem se relacionar com suposta eficiência do serviço de fiscalização. Depois do anúncio, devem ter vestido a fantasia.

Ninguém duvida da eficiência do Fisco brasileiro. Temos de fato uma máquina arrecadadora e fiscalizadora muito bem estruturada, com um quadro de funcionários muito bem remunerados.

Exatamente por isso é que não se pode aceitar os abusos, as falhas e mesmo a negligência dessa máquina. E pior: não merece ela nenhum reconhecimento de legitimidade presumida do que fazem. Erram e erram muito, e quando erram, armam-se da soberba e da arrogância própria dos medíocres, para não reconhecerem seus erros. Afinal, imaginam-se nossos senhores, não servidores.

O lançamento tributário ex officio é antes de mais nada ato de injustiça. O fisco ignora o artigo 196 do Código Tributário Nacional e nunca estabelece prazo para concluir seu trabalho. Imagina o fiscal que o contribuinte é seu empregado e que está à sua disposição o tempo todo. Uma vez lavrado o auto de infração, para o contribuinte (e só para este) existe um prazo fatal de 30 dias para a defesa, embora haja alguns procedimentos com prazo menor. Em 30 dias (corridos, inclusive domingos e feriados) o contribuinte quem que fazer a defesa, juntar documentos e mesmo produzir provas. São dois pesos e suas medidas, com o contribuinte em óbvia desvantagem.

O julgamento administrativo vem se tornando uma farsa. Os órgãos julgadores são cada vez mais simples departamentos de homologação de autuações. Além disso, não existe um prazo para a decisão, pois o artigo 24 da Lei 11.457/2007 é ignorado por todos os órgãos de julgamento. Tal norma ordena que a decisão não pode demorar mais que um ano, em cumprimento ao artigo 5º da Constituição Federal.

Mas tem coisa pior: a insegurança dos julgados. Basta que se divulgue decisão de um tribunal qualquer, ainda que administrativo, para que corram as chefias e diretorias do Fisco para criar uma portaria, ou mesmo uma súmula onde mudam o sentido do que foi julgado.

Por isso mesmo parece-nos que não é possível ignorar ou flexibilizar a súmula do STF, que determina que ninguém pode ser processado por crime de sonegação fiscal enquanto não terminar o processo administrativo. Não existe fundamento em suposta constatação de que em certo caso a sonegação estaria evidente, clara, visível, com o que se dispensaria o julgamento administrativo.

A história recente das autuações fiscais é repleta de casos em que supostas sonegações foram anuladas pelo Fisco. Num desses casos, com repercussão na mídia, uma procuradora já havia desfrutado dos seus cinco minutos de fama ao anunciar que o empresário teria seus bens bloqueados. O julgamento de primeira instância deu razão ao contribuinte e foi mantido no reexame. Não houve sonegação alguma. Houve, sim, uma enorme quantidade de erros grosseiros dos agentes do Fisco.

Pretender que uma sonegação esteja de tal forma evidente que dispensa um julgamento administrativo, ficando assim viabilizado o procedimento criminal, significa revogar as normas do CTN e mesmo esquecer o artigo 5º da Constituição.

Vivemos numa era de incerteza e insegurança. Mas uma súmula do STF deve ser algo sério. Afinal, ela só surge para dar segurança jurídica aos cidadãos. Se existe insegurança jurídica, isso deve ficar apenas nas instâncias inferiores. O sistema da insegurança absoluta ainda não vigora.

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    é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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