Luis Roberto Barroso, com sua habitual clareza, ensina que “sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar” (Interpretação e aplicação da Constituição, Saraiva, pgs. 204/205).
Mas, de uma ou de outra forma, o fato é que o Direito parece encaminhar-se mais para a consagração de teorias do que para soluções com foco na realidade. A doutrina, a partir de trabalhos acadêmicos, a lei e, por fim, a jurisprudência, vão adotando o dever ser em prejuízo do ser. A discussão de teses é mais sedutora do que a de fatos. Vejamos.
O Código de Defesa do Consumidor, que representou um louvável e significativo avanço nas relações de consumo, mudando para melhor a realidade brasileira, permite ao autor ingressar em juízo individualmente (art. 81). Por sua vez a Lei 9.099/95, que trata dos Juizados Especiais, faculta ao autor ingressar com a ação no seu domicílio e sem o pagamento de custas ou outras despesas, como honorários advocatícios (arts. 4º, inc. III e 54).
Pois bem, se uma pessoa mal intencionada propõe no Juizado Especial Cível do Oiapoque (AP) uma ação, contra uma empresa do Chuí (RS), esta, para defender-se, terá que deslocar-se da fronteira do Uruguai para a da Guiana Francesa. E, se ganhar a ação, resta-lhe, se conseguir provar a má-fé, ver o autor ser condenado nas custas (art. 55, I). Sem outra sanção de qualquer espécie.
Este exemplo não é fruto de uma mente criativa. Ao contrário, vem ocorrendo cada vez com mais frequência e pelos mais diversos motivos. E os Autores, vencidos, certamente se divertem com a fragilidade do sistema, que não lhes impõe nenhum tipo de sanção. A falta de bom senso não passaria despercebida à Tia Anastácia, imortal personagem de Monteiro Lobato no Sítio do Picapau Amarelo.
Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, criados em 1995, foram decisivamente um dos maiores passos dados na efetividade da Justiça. Informais, céleres, neles se busca sempre a conciliação (art. 2º). Só que, mesmo se reconhecendo que são destinados a pequenas causas (nome depois abandonado em homenagem ao “princípio da sofisticação”), admitem recurso ao Supremo Tribunal Federal. Interposto perante o Coordenador da Turma Recursal, mesmo que denegado ou não conhecido, atrasará a execução por longo tempo. Se o recurso extraordinário for contra decisão criminal, a prescrição pela pena aplicada estará praticamente assegurada, já que as penas são sempre pequenas.
As ações populares e as de improbidade administrativa também merecem referência. A antiga Lei 4.717/65 foi uma inovação sábia ao permitir que qualquer cidadão pudesse pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União e das demais pessoas jurídicas de Direito Público, bem como de empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas e serviços sociais autônomos. Da mesma forma as ações civis públicas relacionadas com atos de improbidade administrativa, reguladas pela Lei 8.429/92. A lei é ótima, óbvio. Nada mais lógico do que os agentes públicos serem responsabilizados por enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.
O problema está no fato de que estas ações, depois de propostas, não terminam antes de muitos anos se passarem. E no caso das ações populares, um percentual elevado é fruto de vinganças políticas. No caso das ações civis públicas por improbidade administrativa, uma simples e subjetiva conclusão do agente do Ministério Público, no sentido de que houve ofensa a um dos princípios do art. 37 da Constituição (p. ex., princípio da eficiência), pode lançar um agente público à condição infamante de ímprobo por 8, 10 ou 12 anos. Por vezes com seus bens indisponíveis.
O que se está a dizer não é que estas ações sejam cerceadas, mas sim que: a) devem passar por rigorosa análise judicial antes de serem recebidas, face às consequências que delas se irradiam; b) as ações propostas com má-fé, com irresponsabilidade, devem sujeitar seus autores à responsabilidade pessoal pelos danos causados. Na falta de bom senso é preciso algum tipo de sanção a quem agir de forma irresponsável.
Enquanto tais dificuldades se sucedem, a PEC 513/10, da deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), procura incluir no art. 6º da Constituição o direito à busca da felicidade como objetivo fundamental da República. Como se trata de uma iniciativa baseada em precedentes já existentes (p. ex., a Declaração de Direitos da Virgínia, EUA, 1776), seria interessante sabermos se naquele estado norte-americano as pessoas se tornaram mais felizes. De minha parte, penso que o tempo dos congressistas seria mais bem empregado se, ao invés de preocupar-se com a busca da felicidade, simplesmente se esforçassem para que fosse cumprido o art. 144 da Carta Magna, que afirma ser a segurança pública direito de todos os brasileiros.
Em suma, a singeleza da frase “Direito é bom senso”, aplicada em sentido amplo com real intenção de resolver impasses jurídicos, parece-me que auxiliaria em muito na solução dos problemas jurídicos. Um pouco mais da clareza de pensamento da Tia Anastácia talvez produzisse melhores resultados do que os intrincados raciocínios dos jus-filósofos europeus do momento.