Resgate da profissão

Ensino jurídico é destaque na obra “Grandes Advogados”

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23 de fevereiro de 2012, 7h59

Igualmente indispensável como a biografia de Steve Jobs de Walter Isaacson, que comentei aqui, na Consultor Jurídico, em 16 de novembro de 2011, é o livro Grandes Advogados (351 páginas), organizado pelo advogado Pierre Moreau e publicado pela Casa da Palavra (Casa do Saber) em setembro do ano passado. É um livro que deveria ser adotado obrigatoriamente por todos os cursos de Direito no país. Eu, pelo menos, a partir de agora, vou recomendá-lo sempre aos meus alunos como leitura obrigatória, indispensável.

O livro contém boas surpresas e uma riqueza fantástica que é trazida aos leitores por conta de algo que não se consegue aprender ordinariamente em faculdades (muito menos na grande maioria das atuais, que se transformaram em “cursinhos preparatórios para OAB e/ou concursos públicos[1]) — “as referências de experiência, sabedoria e vida”. Um mapa para os jovens, especialmente a complicada geração “Y”, que destrói a construção jurídica de séculos, com posições doutrinárias absurdas e pouco inteligentes. Como a renovação dos grandes juristas do passado está cada vez mais difícil, a decadência vai tomando conta também do Direito no Brasil. Um trabalho como esse é uma esperança. Ou, como dizia um velho professor, uma notícia muito alvissareira. Neste breve texto, vou tentar mostrar um pouquinho da riqueza deste trabalho, como se fosse, ironicamente, um artigo de vulgarização científica (diante do medo que as 351 páginas parece incutir nos alunos). Precisamos convencer a geração “Y” a comprar e ler o livro o mais rápido possível, antes que seja tarde.

O legendário Aldous Leonard Huxley, da obra prima Admirável Mundo Novo, é lembrado logo no início por Márcio Thomaz Bastos, com o ensaio Do What You Will, de 1929 (e com edição em Português em 1968, com o título “Visionários e precursores” — um livro de capa verde com um enorme olho). Bastos diz aquilo que eu sempre escuto de todos os meus amigos de sua geração[2]: “Naquele tempo, a escola pública era muito boa. Tive um curso excelente, melhor do que na faculdade de Direito.”

A verdade é que a escola no Brasil foi destruída, desde o ensino fundamental, médio e agora, mais recentemente, a decadência atinge o ensino superior com todas as suas forças. Os salários dos professores universitários são ridículos e cada vez mais próximos da realidade que atingiu os docentes dos estágios anteriores. Ouvi dizer que em 1950, um professor ganhava a mesma quantia que um auditor fiscal da Receita Federal. Hoje, o salário médio de um professor é de R$ 1,2 mil. Em Ribeirão Preto (SP), naquela época, como exemplo, o Colégio Estadual Otoniel Mota era um dos melhores do país. De lá saíram grandes profissionais. Tudo o que era necessário para a vida e possível de ser ensinado em uma escola era transmitido aos alunos por excelentes docentes, dignamente remunerados e respeitados pela sociedade (e pelos alunos). Imaginem vocês que vários desses meus amigos (ex-alunos dos bons tempos da escola pública brasileira) já tinham ouvido falar de Georg Wilhelm Friedrich Hegel no ensino médio.

O professor Dr. Sérgio Mascarenhas, do Instituto de Física da USP de São Carlos, certa vez, disse em encontro de que participei na USP em Ribeirão Preto, que não precisamos no Brasil de operários treinados. Precisamos de trabalhadores pensantes, inovadores. Precisamos de mudanças culturais. Lembrou o grande professor que o Brasil, apesar de ter a mesma idade dos Estados Unidos, se diferencia dele de uma maneira significativa. Harvard foi fundada em 1636. A primeira universidade brasileira, que é a USP, foi fundada em 1934. Praticamente 300 (trezentos) anos depois! Eis um dos grandes motivos pelos quais a história de progresso do Brasil é diferente da dos Estados Unidos. Por isso é que nós somos colonizados tecnologicamente. “(…) Queremos uma cultura nova. Não apenas a cultura do carnaval e do futebol, que são razoáveis. O Brasil é muito fraco em ciência, tecnologia e inovação. O grande cientista Miguel Nicolelis falou da necessidade de criarmos com orgulho e autoconfiança uma nova ‘cultura tropical’. (…) Mecanismos para isso: ciência, tecnologia e inovação. Se continuarmos no caminho do blá, blá, blá, do futebol e do carnaval, não teremos uma inserção virtuosa no mundo globalizado. Temos que pensar sistematicamente em ciência e tecnologia como convergentes. Impossível separar um do outro. O nosso século XXI é caracterizado por essa convergência. E os elementos básicos para a educação são facilmente compreendidos pelo ‘Triângulo de Sabato’ (Jorge Alberto Sabato), quando diz que para um país progredir, ter desenvolvimento, precisa da interação entre EMPRESA, GOVERNO E UNIVERSIDADE. A interação da Universidade com as empresas no Brasil é péssima.” Algumas figuras que gravitam e que gravitaram ao redor do INEP, MEC, CNPQ & Cia. Ltda, parecem de outro planeta. Estão completamente fora da realidade.

Márcio Thomaz Bastos ressalta ainda que ao ler um livro de Direito, conhecemos a vida por fora. Mas é a leitura de romances que torna possível conhecer a vida por dentro. Diz mais e com absoluta precisão: “Existem muitas escolas no Brasil, com essa história de massificação do ensino superior jurídico, que são um verdadeiro estelionato educacional. (…) De modo que faço um juízo melancólico do atual nível do ensino jurídico no Brasil.” Triste verdade.

Outro momento fantástico é quando Bastos lembra Montesquieu, que dizia que “você não consegue construir uma sociedade em cima da virtude dos homens, mas sim em cima da solidez das instituições”. Que o Brasil, na realidade, não vive uma crise normativa, mas uma série crise institucional. E outra grande verdade: “o que diminui a criminalidade – isso o Beccaria já dizia há duzentos anos – não é o tamanho da pena, mas sim a certeza da punição.” E que os juízes não devem se preocupar com bagatelas (referenciando o moderno princípio da insignificância). A propósito, lembro-me de memorável palestra de Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, realizada pela AASP em recente Simpósio em Ribeirão Preto, quando destacou a questão da criminalização excessiva, que está descaracterizando o Direito Penal Brasileiro. Fruto do discurso do medo e da insegurança, potencializados pela grande mídia e por profissionais do Direito da nova geração “Y”. Impõe-se hoje um clima exclusivamente repressivo, uma verdadeira cultura repressiva no país. Todos querem criminalização, leis penais mais agressivas, sem qualquer dedicação ao estudo do combate do crime por suas causas. Em minha área de Direito e Tecnologia, surgem jovens profissionais do Direito, com potentes assessorias de imprensa, querendo criminalizar tudo o que se vê pela frente. Acabam sendo ouvidos pela mídia e que, consequentemente, reproduz essa imbecilidade.

O ângulo de visão é sempre pelos efeitos. Essa é a verdade. A malvadez está se transformando em verdadeira patologia e a sociedade permanece inerte, pregando apenas punição, severidade, prisão, desprestigiando o garantismo penal.

Veja o recente caso envolvendo a jovem advogada Ana Lúcia Assad, que sofreu uma série de insultos da população e de alguns jornalistas por defender o seu cliente, além de ter recebido da imprensa um estranho tratamento em relação ao episódio ocorrido no plenário do Júri com a juíza e a promotora. Segundo reportagem do UOL[3], a advogada teria dito: “em nome do princípio da verdade real, eu quero ouvir a testemunha de novo”. Oportunidade em que a juíza teria dito: “esse princípio não existe ou não tem esse nome”. Aí sim, a advogada também teria dito: “então a senhora precisa voltar a estudar”, e prossegue a matéria: “antes que a juíza pudesse responder a ofensa, a promotora interveio e disse que Assad poderia responder por desacato se fizesse comentários como esse. Ao fim, a magistrada permitiu que as novas questões fossem feitas.” Se foi exatamente assim o ocorrido, a OAB deveria ter saído em defesa da advogada imediatamente. Não existe hierarquia nem subordinação entre advogados, juízes e promotores. Todos devem se tratar com respeito. O juiz exerce a função presidencialista (de direção dos trabalhos) no processo, daí essa impressão aos leigos de superioridade hierárquica entre um juiz e um advogado. Todos são indispensáveis para a administração da Justiça. A imprensa faz questão de “ver e propagar” apenas a ofensa que a advogada teria feito. E o suposto comentário da juíza, ensejador da resposta, que pareceu uma admoestação de um professor para um aluno, publicamente, no plenário? Como fica? É preciso apurar com cuidado esse episódio.


O que se vê? Como diz Mariz de Oliveira: uma preocupação muito grande em comentar crimes, no sensacionalismo fabricado, na teatralização, em sensacionalizar o crime. Não há qualquer preocupação com o aumento do nível cultural e civilizatório da população. A mídia descobriu no crime um rentável entretenimento, um espetáculo. Ao invés de extrair lições que o crime nos dá, de levar em consideração que o crime é um fato humano, de explorar profundamente as suas causas, e ajudar efetivamente a combatê-lo antes que ele ocorra. A grande mídia das massas prefere o show. O crime é uma tragédia, não é um espetáculo, não é uma novela. Princípios e garantias penais são transformados em perfumaria. Lembra José Carlos Dias (no livro) Direito Penal de outdoor, ou seja, aquele Direito Penal do inimigo, extremamente forte e que, supostamente, vai fazer com que a paz retorne.

A sociedade brasileira, há muitos anos, é uma sociedade que tolera de forma frouxa[4] a corrupção, a safadeza que está instalada no Estado brasileiro em todas as esferas: federal, estadual e municipal. Há uma grande festa com o dinheiro público acontecendo desde a época do descobrimento do país. Veja o que ocorre no Congresso Nacional, por exemplo. Basta uma visita para notar a chapelaria, o lustrador de sapatos, a montanha infinita de funcionários, serviçais e assessores com salários incríveis e que são pagos com o nosso dinheiro para fazer funcionar a luxuosa, bilionária e deslumbrada máquina do Estado.

Mariz de Oliveira lembra que a corrupção tem o seu nascedouro nesta sociedade brasileira egoísta, consumista e que cultiva a cultura de "levar vantagem", a cultura da esperteza, a malandragem, uma sociedade que ensina seus filhos desde pequenos a passar rasteira em seus coleguinhas para que tirem proveito de algo. São esses desvios de conduta que estão construindo o Brasil há anos. Encara-se o bem público como bem próprio, confunde-se o bem público com o bem privado. É exatamente a lição que está sedimentada no seio da sociedade. Ao invés de discutir as causas do crime, profundamente e com grande seriedade, responsabilidade e ações efetivas, prefere o discurso do terror, da punição, ignorando completamente o resto. Lembra ainda Mariz de Oliveira que 75% dos indivíduos que estão atualmente presos já estiveram na prisão anteriormente. O Estado só investe na prisão. O Estado não investe na liberdade. Gasta fortunas com presídios, mas muito pouco com a liberdade, com a educação.

A população[5] acha bonito flexibilizar os direitos e as garantias individuais, cultuando o repressivo Direito Penal norte-americano como modelo de excelência, sem ter ideia da grave consequência, já que, em regra, a sociedade brasileira é inculta em relação ao sistema jurídico, uma sociedade que perdeu a crítica, que acredita em tudo o que vê na TV, no jornal, no Twitter, na Internet, nas apostilas dos cursinhos preparatórios em que se transformaram a grande maioria das faculdades de Direito. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem aproximadamente 2,5 milhões de presos.

O saudoso e grande jornalista Paulo Francis disse certa vez ao também grande jornalista Geneton Moraes Neto: “o Brasil tem um dever consigo próprio, de eliminar as necessidades básicas do ser humano, e ele não cumpre isso. O governo não cumpre isso. A nossa sociedade não cumpre isso.” No mesmo sentido, Thomaz Bastos afirma: “eu diria que não é só a educação. São necessárias medidas sociais, lato sensu: educação, saneamento básico, casa própria, rua asfaltada. Um mínimo de bem-estar. Isso diminui a criminalidade, concentra e segrega a criminalidade naqueles núcleos de crime organizado, contra o qual [aí sim] a repressão é mesmo o que funciona.”

Para Bastos, a única solução para combater o tráfico de drogas é radical: legalizar as drogas — assim como já foi feito no passado com a bebida alcóolica. Sobre a atuação como advogado criminalista, destacou um ângulo fundamental: o fato de que o réu enfrenta uma luta muito desigual, ele sozinho versus o aparato repressivo do Estado, Polícia Federal, Poder Judiciário, peritos. “Tem um grande advogado americano, Edward Williams, que defendia todo mundo. Ele tinha uma máxima, algo como: ‘defendo meus clientes da culpa legal. Julgamentos morais eu deixo para a majestosa [em inglês, magestic] vingança de Deus’”.

A advogada Priscila Corrêa da Fonseca traz novidades de sua área de atuação, o Direito de Família. Lembrou o fato de que não se permite escritura pública de separação de corpos, como, por igual, a do simples divórcio sem que no mesmo ato sejam disciplinadas as questões atinentes à regulamentação das visitas, à guarda e aos alimentos. Segundo ela, o grande desafio atual do Direito de Família é a questão da precipitação da partilha, até por meio de tutela antecipada. A possibilidade de dissipação de bens também foi apontada como outro grave problema.

“Não preciso dizer que, fora os meios nada ortodoxos, absolutamente não ortodoxos — constituição de off shores, remessas de dinheiro para conta numerada etc. —, há outros mecanismos para fraudar a partilha, como por exemplo a cessão de bens para testas de ferro. Ademais, quando um dos cônjuges é sócio de uma sociedade limitada ou acionista de uma sociedade anônima, é muito comum haver alterações de contrato social visando evitar o ingresso de um deles na sociedade ou mesmo aumentos de capital por meio dos quais se diluem ficticiamente a participação do sócio-cônjuge no capital social, ou ainda a dissipação dos bens do ativo da sociedade em que são sócios os separandos etc. (…) Vocês sabem que, pelo princípio da boa-fé objetiva, passa-se a exigir dos contratantes, de modo geral e até mesmo daqueles que pactuam uma partilha ou uma separação — os separandos também são contratantes — um comportamento baseado em confiança, em lealdade. E a lealdade impõe o dever de informar, de esclarecer a contraparte. O Judiciário não pode mais compactuar com a desfaçatez, com a má-fé etc. A violação da boa-fé objetiva, nesses casos, hoje configura abuso de direito e, por consequência, ato ilícito.” Lembra ainda que “a jurisprudência tem, com bastante frequência, proclamado que a infração aos deveres do casamento nem sempre se converte em dinheiro.”

Outro ponto muito interessante da entrevista da Priscila Corrêa da Fonseca é quando comenta alguns aspectos psicológicos da atuação, e o fato de que o casamento “é sem dúvida, um projeto que envolve muitas expectativas, conscientes e inconscientes e, como todo projeto, tem seu lado oculto, que só vai se desvendar no momento em que for se desenvolvendo.” E que a grande maioria das separações ocorrem por conta da insuportabilidade da vida em comum.

Sobre a união estável, lembra que “após a regulamentação da união estável, a única forma de proteger totalmente o patrimônio de uma indesejada comunicabilidade era o casamento celebrado sob o regime da separação total de bens. O atual Código Civil tornou o cônjuge casado no regime da separação convencional em herdeiro do consorte falecido. (…) Há o recurso de fazer um testamento deixando o patrimônio disponível para os filhos, por exemplo. (…) Ainda pelo testamento, se o casal tiver filhos menores, poderia se pensar em tirar o usufruto legal do cônjuge, para evitar que ele venha a administrar um patrimônio sobre o qual dele não se quer a ingerência.”

Em relação ao namoro, sugere que seja feito um contrato para disciplinar o relacionamento amoroso havido, sob o regime de total separação. Lembrou ainda da recente lei que estabelece a presunção da paternidade para aquele que se recusa a fazer o DNA e ao abordar a questão da guarda compartilhada, critica o fato de que não havia necessidade de uma lei para isso, pois “o próprio Código Civil já preconizava que, com a separação, o genitor não guardião só perde a guarda, mas não perde — como está claramente exposto no art. 1.962 — os demais direitos inerentes ao pátrio poder. A nova lei acabou por relegar àquele que não tem a guarda compartida o direito de apenas supervisionar a criação e educação dos filhos, colocando-o em uma situação inferior à que tinha antes. (…) E há mais um absurdo nessa lei porque ela determina que o juiz, na falta de consenso dos cônjuges quanto à guarda, decida pela guarda compartilhada. (…) Diante desse problema, o que se deve fazer? Quando se ajusta a guarda exclusiva de um dos cônjuges, deve-se definir, em uma cláusula subsequente, o seguinte: não obstante, àquele que não tiver a custódia continuam deferidos todos os direitos inerentes ao pátrio poder, etc.”


Outro tema interessante e muito importante abordado por Priscila Corrêa da Fonseca é a respeito da alienação parental e dos perigos das gravações entre cônjuges. Outros pontos igualmente imperdíveis: diz que há um lema em seu escritório: “quando a questão envolve criança, não importa quem seja o cliente, nosso cliente é sempre a criança.” Fantástico!

Gostei muito de sua expressão “O destino é a vontade”. Lembrou ainda que hoje em dia “a outorga da guarda a um determinado cônjuge independe se ele é culpado ou não pelo fim do relacionamento.” Destacando que em uma situação em que o marido não tenha cumprido seu papel durante anos, mesmo no caso de separação total de bens, caberia uma ação de indenização por danos morais e outra de alimentos para a ex-esposa.

Em relação à adoção feita por casais homossexuais, mencionou o fato de que o Poder Judiciário privilegia a relação de afeto. “Se esta criança é amada, podemos ter a certeza de que ela vai estar bem abrigada por qualquer casal: heterossexual ou não.” Também comentou de uma hipótese de destituição do pátrio poder, e da questão da mulher separada, que recebe pensão, quando começa a se relacionar com outra pessoa: “se ela casar, perde a pensão. E, se passa a viver em regime de união estável, perde também. (…) E se trabalhar, caso sua renda seja suficiente para prover o próprio sustento, idem.”

No tocante às provas de adultério, comentou sobre os e-mails, ligações de celular etc. Sobre a pensão vitalícia, lembrou que ela não existe. “A princípio, digo que não existe. Só existe nos elementos compensatórios, é a única hipótese de pensão vitalícia. Os alimentos compensatórios são devidos ou podem ser acordados quando, por exemplo, uma das partes recebe um valor muito superior do patrimônio, fica com toda a parte rentável e, então, dá uma compensação financeira para o outro em forma de alimentos. Nesse caso, os alimentos são compensatórios, mas é preciso declará-los como tais e estabelecer que são vitalícios e irrevogáveis.”

Estas são algumas entre outras questões interessantes do Direito de Família.

Já Modesto Carvalhosa[6], a exemplo de Márcio Thomaz Bastos, destaca a qualidade do ensino de outrora. Para ele, decorar é uma prática intelectual extraordinária e indispensável. “Sem essa imposição e rigor pedagógicos, que leva sempre à curiosidade por novos conhecimentos, é muito difícil gostar de estudar. A capacidade intelectual é sempre fruto da formação pedagógica. Sou, portanto, o produto mal-acabado da velha escola pedagógica que incutia nos alunos conhecimentos úteis para toda a vida. (…) As escolas públicas, no meu tempo, eram primorosas. Estudava-se latim, francês, inglês, geometria, trigonometria, física, química, literatura portuguesa etc.” Verdade.

Sobre a vida em comum, uma excelente receita: “com uma companheira, sempre é preciso dar limites ao que se fala, ao que se faz, aos gestos. É necessário dar limites até para a preguiça. Com o tempo, aprendemos a olhar melhor para a pessoa com quem convivemos.” 

Outra passagem interessante sobre a vida profissional: “a maior dificuldade foi romper com a área de conforto. (…) Quando você sente que tem capacidade para fazer uma coisa sua, deve tentar.” Ou ainda, uma lição aprendida com os norte-americanos: “sempre posicionar-se sobre as questões.”

Em relação à fragmentação do conhecimento jurídico, entende que o viés da sociedade moderna, voltada inteiramente para os valores de consumo, e o individualismo e a irresponsabilidade social, comprometem a função do advogado.

Pierre Moreau lembra que várias universidades atualmente sofrem com o êxodo de seus professores da área humanista. O mercado demanda uma formação cada vez mais utilitarista.

“Fala-se que o jovem tem um raciocínio muito plutocrático do Direito, no sentido de realizar as normas para a manutenção do atual establishment e não atuar com uma cabeça transformadora ou propor qualquer revolução ou mudança.” Modesto Carvalhosa destaca com precisão o que venho dizendo há muito sobre a geração “Y”: são competitivos, não se agregam e não se solidarizam, além de não conhecerem, em regra, a diferença entre ética e moral.

“O que vale é a competitividade, é o cliente de cada um, numa alarmante falta de senso do coletivo. Esses novos advogados não têm sonhos, utopias de melhorar o mundo. Eles são absolutamente utilitaristas.”

Sobre os funcionários públicos, destaca que “todo funcionário público é um cidadão que deve tratar os que necessitam de seus serviços nessa mesma condição de cidadãos.” Perfeito, não?

Uma grande lição de sabedoria: “quando se fica mais velho, procura-se ser mais feliz, não se procuram glórias nem nada, a não ser que sejamos idiotas. Quando você é mais jovem, você não procura a felicidade, mas a realização de seus projetos e o reconhecimento social de seu valor profissional. (…) A nostalgia, a revisão dos erros do passado e os temores do futuro não ajudam em nada alguém que já viveu muito.”

Uma das passagens mais impressionantes: “qual é o princípio fundamental da representação parlamentar estabelecido na Inglaterra no século XIV? É que os representantes parlamentares sejam aqueles que se opõem ao rei em matéria de onerar os cidadãos. Aqui, a realidade se mostra totalmente diferente. (…) Os parlamentares brasileiros recebem benesses do orçamento pelo regime de emendas. Portanto, quanto maiores os impostos, maior será o orçamento e, assim, maior será a participação individual dos deputados e senadores na sua apropriação.”

Com a leitura do livro, ficamos sabendo detalhes sobre o início e funcionamento do famoso escritório Pinheiro Neto, e também o fato de que Pinheiro Neto era locutor em programa de rádio da BBC.

Cássio Mesquita Barros lembra que “a Justiça do Trabalho, sem dúvida, resolve um número grande de questões, mas que está extrapolando seus limites porque tem tomado decisões que são incompreensíveis no mundo de hoje, principalmente quando estimulada por um órgão que se tornou, assim, um problema na vida nacional, o Ministério Público do Trabalho. Considero que a Justiça do Trabalho está extrapolando e o país já não suporta mais esta ditadura.”

Em relação ao Direito do Trabalho: “temos quatrocentas e poucas súmulas. Hoje, não se trabalha sem um índice de súmulas, caso contrário a gente fica perdido e se vê obrigado a ler todos os normativos para saber qual deles se aplica a um determinado caso. E mesmo o índice, às vezes, ainda é insuficiente.”

Já Celso Cintra Mori inicia a entrevista destacando importante característica de sua personalidade: “Acredito que minha maior vantagem competitiva na advocacia seja pulsação baixa. É difícil haver um caso que eleve minha pulsação, porque sempre consigo pensar racionalmente naquilo que estou fazendo.” Sem dúvida. Lembra ainda que “a advocacia é uma ciência de relacionamentos humanos, mas tem a ética como pressuposto. E esse fator, de certa forma, precede o Direito. (…) Claro que o comportamento das sociedades varia ao longo do tempo. Basta pegar escritos imemoriais, a própria Bíblia, para constatar que houve momentos de grande decepção e desânimo com relação ao comportamento ético. Você nunca sabe se está vivendo simplesmente uma dessas ondas ou se realmente está havendo uma degenerescência ou uma corrosão dos costumes. Hoje, passamos um pouco por isso. Principalmente na política, eu diria que nunca antes na história deste país passamos por um contexto semelhante. Se, por um lado houve grande desenvolvimento econômico, de outra parte é muito questionável o rumo que o país está tomando em termos de tolerância, ou leniência com determinadas práticas antiéticas.”


Na sequência, Celso Mori trata ainda de um tema caríssimo para mim, que me entusiasmou ainda mais em relação a esse excelente livro. A relação entre o sistema jurídico romano-germânico continental (Brasileiro) e as influências do Common Law.

“Até a crise de 1929, o Brasil era quase que exclusivamente agrícola. A partir dali começou um processo tímido de industrialização e isso se acentuou a partir da II Guerra Mundial ou mais para os anos 1950. (…) Muitas vezes, a gente foi copiando institutos jurídicos estrangeiros. Estou falando, evidentemente, da advocacia considerada empresarial, até mesmo da advocacia das relações pessoais, mas sempre no campo do Direito Privado. (…) O que eu acho mais marcante — e é uma questão interessante a ser estudada — é o seguinte: há quarenta ou cinquenta anos, era absolutamente clara a diferença entre o sistema da common law e da civil law. Os países da common law tinham determinado princípio e os países da civil law tinham outros tantos princípios. E, em muitos aspectos, isso não se misturava. Continua sendo assim em certa medida. Mas, de um modo geral, os sistemas estão se aproximando. (…) Aqui no Brasil, por exemplo, o juiz brasileiro, para decidir, se atinha, fundamentalmente, à letra da lei. O juiz era intérprete da lei com sua própria convicção. E o juiz dificilmente, a não ser um ou outro mais requintado, citava jurisprudência nas suas decisões. (…) Hoje em dia você continua tendo uma grande ancoragem na lei e nos doutrinadores que interpretam a lei, mas a jurisprudência ganhou uma força enorme. Com esta introdução da súmula vinculante ou o reconhecimento da relevância das questões que chegam ao STF, observa-se um fortalecimento da jurisprudência na metodologia da decisão.”

Lembra ainda Cintra Mori uma importante frase de Pinheiro Neto: “o difícil não é encontrar a verdade; o difícil é conviver com ela”, comentando que “sempre sabemos onde está a verdade, só que às vezes ela não nos interessa ou não temos coragem suficiente para enfrentá-la, e acabamos por camuflá-la um pouco. É preferível ficar vermelho uma vez só do que amarelo a vida inteira.” Para Cintra Mori, sucesso é aquilo que faz você contente com você mesmo. O resto é acréscimo.

“Eu entendo que é preciso ter um projeto de vida. O sucesso ocorre quando você consegue viver bem com seu projeto de vida e sentir que está realizando o que planejou. E, às vezes, sua medida de êxito pode ser completamente diferente daquelas que estão sendo usadas pelas pessoas que estão à sua volta.”

Outro trecho importantíssimo: “Em vários países ocidentais há uma promessa para a população em geral de determinados bens que não são entregues. Às vezes são bens essenciais, como saúde, segurança, e hoje se fala muito na questão da aposentadoria, que é um problema em inúmeras jurisdições. (…) Nosso Judiciário, hoje, está se transformando num serviço de massa. Da mesma forma que temos uma porção de gente que procura serviços médicos e não é atendida, nós também temos fila no Judiciário de postulantes que não são atendidos. O leigo não tem ideia do que acontece. (…) Jurisdição de massa. Por enquanto não se achou uma solução para isso. Nós estamos buscando soluções. Acredito, por exemplo, que a reorganização que está sendo feita por meio de súmulas vinculantes na questão dos casos repetitivos deverá amenizar essa situação, mas não solucionará o problema inteiramente. (…) Acho que nossa república tem defeitos fundamentais. Em primeiro lugar, é uma república que não é república. Porque a coisa pública não é tratada como coisa pública. Ela é tratada como propriedade ou privilégio de algumas pessoas. Em segundo lugar, na república o aparato do Estado é um conjunto de serviços prestados à população. Se você fosse fazer uma colocação hierárquica, o Estado deveria estar abaixo da sociedade, porque representa um conjunto de prestadores de serviços à sociedade. Não é isso o que se vê. Ao contrário, há uma posição crescente do Estado como senhor dos privilégios. Num processo contra o Estado, por exemplo, ele tem todos os privilégios. A questão do precatório é um absurdo completo. É o maior desprestígio em termos de relações entre poderes. Como podem ser poderes iguais e independentes se, quando um juiz diz ‘pague’ para uma autoridade do executivo, este pode responder ‘pagarei quando quiser’? A posição do Estado hoje é completamente deformada. (…) A sociedade deve disparar os movimentos indutores, como foi o caso da mobilização Diretas Já, por exemplo.”

Em relação aos bastidores e o funcionamento do grande escritório Pinheiro Neto: “a norma é que o sujeito precisa considerar a sociedade [de advogados] como um bem maior. E pensar nos benefícios pessoais que ele vai ter como ganhos que virão por meio da sociedade. Nada pode ser almejado como benefício pessoal que não venha por meio da sociedade. É preciso pensar numa sociedade que cresce para o indivíduo crescer. Esse é o espírito do plano de carreira. (…) Você tem uma remuneração proporcional ao capital que detém na sociedade. A outra é proporcional ao trabalho que você desenvolve. Não está relacionada aos clientes que traz ou indica. Não há essa questão. O trabalho que você e seu grupo desenvolvem é medido por critérios objetivos. E aí o sócio tem uma remuneração variável proporcional a esses resultados que ele gera. O terceiro critério é que todos os sócios têm uma remuneração fixa mensal igual.”

Sobre o processo virtual: “o processo virtual cria uma série de facilidades e elimina algumas barreiras que o Judiciário acabou criando para não conhecer o processo. Hoje, se você apresentar uma petição ao STJ, e o carimbo do protocolo estiver borrado, seu recurso não é reconhecido, como se você tivesse obrigação de ir lá fiscalizar a qualidade da tinta que o protocolo do tribunal está usando. Essas pegadinhas que o Judiciário inventou para diminuir o volume de serviço são, em grande parte, amenizadas no processo virtual.”

Sobre a vida acadêmica, lembra a importância da convivência universitária, do “pátio de faculdade”: “acho que você fazer da faculdade só uma vida de sala de aula é empobrecer a experiência da faculdade. Essa experiência não tem preço.”[7]

Sobre os novos juízes: “na magistratura existe um fenômeno conhecido: o medo do desconhecido ou a falta de experiência gera insegurança. E isso resulta num trato social mais áspero. Tenho muito menos receio em falar com um ministro do Supremo do que de falar com um juiz de primeira instância. A probabilidade de um juiz desse último não me receber ou de adotar uma posição defensiva (e às vezes até agressiva) é muito maior.”

Já o filho do meu querido e saudoso professor Miguel Reale, Miguel Reale Jr., lembra com grande propriedade sobre o gravíssimo problema do desprezo pela doutrina.

“O grande desafio do advogado é ter um preparo doutrinário, um conhecimento da jurisprudência, que hoje, diga-se de passagem, o advogado não tem. Há um desprezo pela doutrina, até nos próprios tribunais. Mas é fundamental o domínio dos modelos dogmáticos, dos conceitos, a capacidade de interpretação. (…) É o advogado que cria o Direito, porque é quem propõe soluções inusitadas. É ele que inventa teses. (…) Os advogados criaram a tese da prescrição retroativa da ação penal, criaram a tese da não configuração do crime de estelionato no cheque sem fundo, quando ele é transmutável em promissória e pós-datado, ou seja, o advogado cria soluções. E, para isso, é preciso ter conhecimento teórico, ter capacidade de captar uma solução por via de interpretação. A maior dificuldade para o advogado é se libertar do positivismo jurídico, da dogmática da mera interpretação literal da lei. E essa dificuldade é imensa hoje, porque os advogados estão sendo formados pela cultura do manual ou das cartilhas de internet. Pululam manuais: o sujeito acabou de dar a primeira aula em qualquer das faculdades e já sai escrevendo manual, e impõe sua publicação aos alunos. Mas aquele manual, muitas vezes, é um copia-e-cola da Internet. Em todas as disciplinas existe a cultura do manual, o que faz com que os advogados deixem de ter conhecimento aprofundado sobre a Teoria e a Filosofia do Direito. A maior dificuldade do advogado é encontrar caminhos para superar o engessamento legal ou uma determinada interpretação judicial muito fechada. Esse obstáculo sempre esteve presente na carreira, mas hoje em dia é maior ainda por conta da fragilidade dos cursos de Direito e da força da cultura dos manuais.”


Sobre o legendário Prof. Miguel Reale (seu pai): “(…) A influência dele foi muito importante, especialmente na transmissão da visão humanista do Direito. (…) Com ele, aprendi que a experiência no Direito é fundamental. O Direito nasce com força de valorações que recaem sobre um determinado fato, um determinado conflito social. E, a partir daí, emitem-se várias soluções possíveis. (…) A interpretação da lei pelo juiz também é uma interpretação que está inserida em um contexto histórico. Ela expressa um momento histórico-cultural. Essa visão do Direito como história permite reconhecer que a pessoa humana como a fonte primeira a ser respeitada como valor fundamental é uma conquista de séculos de lutas. São conquistas, como o que meu pai chamava de “invariâncias axiológicas”. São valores que vão sendo incutidos no nosso modo de ser, que parecem ser inatos, mas que, na verdade, são conquistas históricas muitas vezes vivenciadas de modo imperceptível. (…) Hoje, isso soa como algo natural, mas é resultado de um longo processo histórico, pessoas morreram por causa disso.” – “O direito é um instrumento que reflete as contingências e as fragilidades humanas e que tenta superar os conflitos sociais em busca do justo.”

Sobre o ensino jurídico no Brasil atualmente: “(…) Outro dia estava conversando com um professor de uma faculdade do ABC e ele me disse que relutava em adotar Lições Preliminares do Direito (o livro mais conhecido do meu pai) – (…) porque era “muito complexo para os alunos”, que haviam manifestado dificuldades para acompanhá-lo. Por aí se vê que o quadro é trágico, que o nível dos alunos é extremamente baixo e que o dos professores não é muito diferente. (…) São mais de 50 mil advogados que sobrevivem da nomeação para fazer defesas. Em algumas cidades do interior, em torno de 90% dos advogados do município sobrevivem por conta do convênio, ganhando uma miséria por cada caso, um salário mínimo a ser pago não sei quando. Ou seja, há uma proletarização da classe e existe um despreparo muito grande mesmo dos advogados que passaram no exame da Ordem.”

O Direito recebendo fluxos do processo histórico: “(…) O Direito recebe os fluxos do processo histórico e, ao mesmo tempo, ele próprio, em um processo de reflexão, de construção, induz determinadas condutas. Esta é uma visão que tem seus primórdios ligados à pessoa mais inteligente do século XIX no Brasil, o jurista Tobias Barreto.”

Ainda nesta entrevista, Pierre Moreau lembra a visita de Michel Maffesoli (à Casa do Saber) e o fato de que ele dizia que o conhecimento hoje estava sendo muitas vezes construído fora das universidades. Porque as limitações dogmáticas dentro das universidades, de produção de trabalho acadêmico, acabam muitas vezes restringindo o saber. Miguel Reale Jr, destaca que “Coetzee, lembra que os pólos de pensamento e de produção intelectual não estão mais nas universidades, que se burocratizaram muito. (…) Ortega y Gasset dizia ser a invasão vertical dos bárbaros. O processo de massificação da cultura impede o aprofundamento, a visão crítica, da dúvida. É quase uma aceitação. Na verdade, a universidade passou a ser passiva. Uma audiência preguiçosa.” – Na sequência, comenta sobre o esvaziamento ético, do domínio absoluto da mídia.

Sobre a produção literária – “É preciso ler para produzir. Quanto mais você lê,  mais idéias vão se formando, mais apreensões de dramas humanos vão se firmando na sua cabeça. E esse é um processo de ebulição que vem naturalmente, não pode ser forjado.”

Outro ponto fantástico: “(…) O processo de formação da sentença não é um processo linear e racional. A sentença tem que estar motivada, claro, e a motivação é a demonstração para o juiz do seu processo de decisão. Ele não apenas elenca os motivos pelos quais decidiu, mas tenta convencer sobre o porquê de ter decidido daquela forma. Ele explica os motivos. A gente imagina, então, que é um processo racional, e que o juiz mostra por A mais B como começou seu raciocínio e prosseguiu com ele até determinar a sentença. Engano. A motivação é retrospectiva. Ele antes encontra a solução e depois vai em busca da motivação para dizer: ‘Olha, decidi assim por causa disso e daquilo’ – O juiz, ao decidir, realiza um processo fortemente intuitivo que lhe revela o que é o justo. Muitas vezes na primeira hora ele sente que a solução é essa. Depois, vai procurar, nas provas, elementos justificadores daquela decisão que foi emocional.”

Sobre os alunos de hoje e o de sua geração – e a “muleta do pensamento coletivo”:

“(…) Nos anos 1960, havia um interesse em cultura geral muito mais amplo, havia um processo de discussão do Direito. (…) Hoje, percebo que, entre meus alunos, 90% vão fazer concurso para cargos públicos. Eles estão preocupados não com a discussão da questão, com o fundamento do problema, mas em ter elementos que permitam responder as questões que vão cair na prova de magistratura. (…) Há uma grande indiferença política, uma indiferença com problemas éticos. Isso reflete um pouco da crise de valores que estamos vivendo, desse mundo da informação, da comunicação descartável, on-line, que acaba sendo dominante. (…) Há estudos interessantes na França que revelaram que os estudantes têm um determinado livro para estudar uma questão específica que vai cair num exame. Passada a prova, eles vendem o livro. (…) Hoje eles acionam a internet, entram no Google. (…) O processo mental é um processo coletivo, as pessoas pensam coletivamente. É curioso. (…) Não pensam por si, precisam da muleta do pensamento coletivo”.

Sobre a política, lembra a respeito do velho clientelismo, da ausência de distinção entre o público e o privado. “(…) A cooptação não se faz só pelo dinheiro, mas por promessas de empregos, promessas de participação política, ou seja, enquanto não houver efetivamente uma reforma política, não se vai resolver nada. (…) A política deixa de ser a arte da persuasão, das idéias, dos confrontos, para ser a arte da compra.”

Para Miguel Reale Jr., a revogação da lei de imprensa foi um desastre. “Um erro brutal do STF praticado com o argumento de que a lei era um entulho autoritário. (…) O Código Penal é muito mais rigoroso que a lei de imprensa. Não perceberam isso. A pena mínima para calúnia, difamação e injúria no Código Penal é a mesma da lei de imprensa. Só que o Código Penal diz o seguinte: “Se a calúnia, injúria ou difamação foi produzida por meio que facilita a divulgação, aumenta-se a pena em um terço.” (…) E em nome da liberdade de imprensa se revoga a lei de imprensa para aplicar uma lei muito mais rigorosa.”

Eros Roberto Grau menciona o fato de que, em sua opinião, o melhor jurista brasileiro vivo é o José Paulo Sepúlveda Pertence. No que, concordo plenamente. Também citou outro grande nome, infelizmente já falecido há muito tempo, Carlos Maximiliano Pereira dos Santos.

Sobre a Repercussão Geral – “(…) Sei que há o medo de súmula vinculante. De minha parte, não tenho medo algum. Temo a repercussão geral. Devemos entender o seguinte: o fenômeno jurídico tem duas dimensões: a legislativa, que é a do texto, e a dimensão normativa. Quando falamos em processo legislativo, estamos tratando de algo que acaba no momento em que a lei é sancionada. Na sequência, começa outra coisa, o processo normativo. Ou seja, o juiz vai unir texto e realidade e transformá-los em norma. Ele faz isso junto com o Ministério Público, os advogados, etc. A súmula é o resultado de um acúmulo de decisões. O tribunal não pode definir súmulas fundadas em uma decisão só. Mas tudo bem, não vamos criticar. Só que no momento em que essas normas são sintetizadas em uma súmula, ela vira texto. Então a súmula vinculante é algo que não tem nada a ver com as súmulas anteriores. Vitor Nunes Leal dizia ‘não se pode interpretar a súmula’ – Lógico, porque aquilo era mera orientação. Mas a súmula vinculante de agora é um novo texto. Na hora de aplicar, cada juiz vai dali tirar uma determinada norma. Lógico que quando ele for interpretar, considerará o texto e a realidade. (…) Acho que o grande perigo é a repercussão geral, não a súmula.”


Outra pérola: “(…) Não vejo diferença entre aplicar e interpretar. É a mesma coisa. O grande problema é o seguinte: o direito moderno é feito para permitir que a vida em sociedade se mantenha equilibradamente, para preservar a convivência harmônica entre as pessoas. (…) Os tribunais devem fazer o controle da constitucionalidade das leis, não da razoabilidade ou da proporcionalidade. (…) Quem se deixa levar pela vaidade cai no ridículo. É necessário compreender que o direito está no dia a dia da vida. (…) O que é igualdade? A igualdade consiste em tratar desigualmente os desiguais. (…) O privilégio é uma vantagem que faz exceção ao direito comum. (…) O que é privilégio? – É uma vantagem que o príncipe concede gratuitamente ou a preço, contra o direito comum. A prerrogativa não é contra o direito comum. As prerrogativas não são incompatíveis com a igualdade. No Direito Brasileiro só há privilégios excepcionalmente – os de invenção e alguns de natureza fiscal. O resto são prerrogativas.”

Sobre a qualificação dos profissionais de Direito: “(…) Começaria por colocar um curso de português, e também um pouco de lógica. Não adianta nada ter grandes idéias e não ser capaz de expressá-las. (…) E mais um agravante: essa geração atual não lê. (…) Hoje em dia, além de ninguém ter uma bagagem de leitura, também percebo uma tendência grande de busca por soluções fáceis. Os jovens muitas vezes não param para raciocinar um pouco e nem pensam em não trabalhar com coisas prontas. (…) Hoje há essa história de você saber tudo sobre nada, ou nada sobre tudo. Esse é um grande problema. Antigamente escrevíamos melhor. (…) Paul Virilio declarou certa vez ‘A imprensa é a única instituição que faz suas próprias leis.’”

Outra verdade interessantíssima: “(….) segundo o escritor Lobo Antunes, todos os três primeiros livros de qualquer autor são autobiográficos[8]. (…) O direito está no mundo, na vida. O General De Gaulle, numa entrevista nos primórdios da televisão, disse: A Constituição é um envelope. Cuidado. Não tomem ao pé da letra. Temos que saber o que o tribunal constitucional põe dentro da Constituição. (…) Acredito que o hábito dos memoriais vai cair em desuso. Aqueles memoriais maçudos vão acabar, mas, não obstante, vamos continuar a mudar as coisas. Vamos fazer com que o Direito seja contemporâneo à realidade.”[9]

Lembra ainda que “(…) Justiça hoje, no caminho de maturidade que começo a encontrar, é aquela lá de cima. A essa eu me entrego. (…) O drama da ciência é não ter a resposta da questão. O drama da prudência é que ela tem respostas demais para a mesma questão – e todas corretas. Tenho medo de quem tem certeza. (…) O que me assusta – e isso se pode chamar de ativismo – é essa coisa da proporcionalidade e a razoabilidade. Há dois momentos. Termina o processo legislativo e começa o processo normativo. Temos um problema a ser solucionado. Começamos então a interpretar. O juiz faz isso. Ele interpreta e constrói as normas. Do texto ele vai às normas. Depois de reunir todas elas, examina os fatos e toma uma decisão. Um juiz não pode usar a razoabilidade e a proporcionalidade para criar e produzir as normas. E esse é o grande problema. Hoje, o que fazem os Tribunais? Ficam trabalhando em cima de razoabilidade e proporcionalidade. E outra coisa terrível: a chamada ponderação de princípios. Isso é o subjetivismo total. (….) – Eu não posso julgar pelo que vi, mas sim pelo que está nos autos. O relato dos fatos é determinante. Vai depender de qual é a posição que cada um ocupava quando estava relatando os fatos e como é que eles me chegam.”

Lembra ainda, como todos que: “(…) atualmente, a competição é terrível. Não é preciso excluir o outro para alcançar a própria satisfação. É possível ter entendimento com o outro e buscar, com ele, a completude.”

Gostei muito de ler a passagem em que José Carlos Dias diz que sempre teve uma grande capacidade de se indignar. O inconformismo com a letargia, com a malandragem, com a politicagem rasteira. Tal comportamento é fundamental para aquele que desejar caminhar pelo Direito e pela Justiça. Tércio lembra isso muito bem:

“O Direito é um dos fenômenos mais notáveis na vida humana. Compreendê-lo é compreender uma parte de nós mesmos. É saber em parte por que obedecemos, por que mandamos, por que nos indignamos, por que aspiramos a mudar em nome de ideais, por que em nome de ideais conservamos as coisas como estão. Ser livre é estar no direito e, no entanto, o direito também nos oprime e tira-nos a liberdade. Por isso, compreender o Direito não é um empreendimento que se reduz facilmente a conceituações lógicas e racionalmente sistematizadas. O encontro com o Direito é diversificado, às vezes conflitivo e incoerente, às vezes linear e conseqüente. Estudar o Direito é, assim, uma atividade difícil, que exige não só acuidade, inteligência, preparo, mas também encantamento, intuição, espontaneidade. Para compreendê-lo, é preciso, pois, saber e amar. Só o homem que sabe pode ter-lhe o domínio. Mas só quem o ama é capaz de dominá-lo, rendendo-se a ele. Por tudo isso, o Direito é um mistério, o mistério do princípio e do fim da sociabilidade humana. As raízes do Direito estão enterradas na misteriosa “força oculta” que nos move a sentir remorso quando agimos indignamente e que se apodera de nós quando vemos alguém sofrer uma injustiça.”[10]

Um ponto fundamental lembrado por José Carlos Dias: “(…) ando muito preocupado com esse açodamento que se vê hoje em dia e com o fato de as pessoas de repente quererem tudo perpassado por uma Justiça rapidíssima, tirando assim do juiz a obrigação de deitar os olhos em um processo com profundidade. (…) E muitas vezes a gente vê um jovem advogado que possui brilho, talento, mas, quando menos se espera, ele é tomado pelo estrelismo e se perde.”

Ary Oswaldo Mattos Filho lembra que “(…) hoje, somos de longe o país com o maior número de escolas de Direito. São mais de 1.200. Só a título de comparação, cabe observar que, nos Estados Unidos, são aproximadamente trezentas.”

E sobre o início da vida profissional: “(…) Não perdíamos um coquetel em São Paulo, não deixávamos passar nenhuma oportunidade de aparecer e distribuir cartõezinhos.” – Relacionamento, meus caros.

Veja ainda, que fantástico: “(…) Eu me lembro da primeira vez que conversei com um professor de Direito Tributário em Harvard e falei: ‘Porque o fato gerador…’ – Ele perguntou: O que é isso? – Ali, me dei conta de que gastávamos um tempo incrível discutindo questões que não eram tão relevantes, como o fato gerador. Ir para os Estados foi uma espécie de raio que caiu na minha cabeça. Mudou tudo em mim.” – Confesso que estou precisando desse mesmo raio, de preferência, nos Estados Unidos.

Sobre a área de grande experiência de Mattos Filho: “(…) Hoje é extremamente difícil qualquer empresa fazer um lançamento de ações que não seja no Novo Mercado. O mercado não compra. E por que isso? Porque tem que ser tudo ação ordinária, votante, tem de ter 25% de flouting, ou seja, 25% no mínimo de ações girando no mercado secundário; tem de ter um grau de transparência muito grande. (…) Agora, precisamos mudar o mercado de renda fixa, que não tem liquidez. Esse é um mercado que precisa ser trazido para o público na medida em que nenhuma empresa pode fazer todo seu processo de busca de recursos por emissões de ações, mas através de renda fixa também. Aí, entra-se numa briga grande com os bancos, que seguram a renda fixa em seu poder.”


Sobre o sucesso, lembra que “o sucesso em qualquer profissão é como comer um saco de sal: é preciso ingerir devagar e com cuidado para não estourar o rim. (…) E na vida, você sempre tem de ter um projeto. Senão você simplesmente já morreu e não sabe.”

A guerra cambial também foi abordada por Mattos Filho: “(…) Desde 2008, nós temos, como diz o ministro Mantega, uma guerra cambial, uma guerra de moedas. Por quê? Porque os EUA, para tentar sair do buraco e fazer a economia crescer de novo, imprimem dinheiro e jogam no mercado recomprando os títulos de sua emissão.” – Não é ao acaso, que se diz que os Estados Unidos têm uma competência enorme de sair da crise e fazerem os outros pagarem por ela. – “(…) Para amenizar isso, para não deixar o dólar chegar num nível que a exportação brasileira fique inviável, o governo brasileiro tem que comprar os dólares, e daí esse superávit que nós temos, esse saldo de dólares de 300 bilhões absolutamente desnecessário nesse volume pela importação que fazemos.”

Para ele, área de futuro no Direito: Óleo e gás. Sobre IPO: “Vir a mercado não é só pegar o dinheiro e sair correndo; vir a mercado significa transparência, auditoria, responsabilidade; significa submeter-se a CVM, ou seja, dá trabalho.”

Diz ainda que “o câmbio flutuante brasileiro está bom porque, se todo mundo que tem dinheiro aqui na bolsa quiser sair, o preço do dólar vai subir; se todo mundo quiser entrar, o preço do dólar baixa. (…) Acho que o professor Mário Henrique Simonsen dizia que ‘a inflação quebra a perna; o câmbio mata.”

Um ponto importante é a questão da administração de fundos pelos norte-americanos e ingleses. “(…) O administrador de fundo, que normalmente é americano ou inglês, responde pessoalmente para seus cotistas-investidores, e o faz inclusive criminalmente. Então é um negócio sério, e a vinda do investidor estrangeiro trouxe a seriedade requerida por eles.”

Sobre o começo da carreira jurídica, Alexandre Bertoldi destaca que “(…) muito sinceramente, acho que em função de o país estar numa situação econômica melhor e dispor de muitos bons profissionais e grandes escritórios, a vida dele [de um jovem profissional em início de carreira], já logo de saída, será mais difícil do que foi a minha. Estamos diante de uma realidade muito mais competitiva. (…) Diante desse quadro, aconselho que se invista ao máximo em boa preparação, tendo em mente o fato de que é preciso ter coragem para encarar desafios e ser exigido o tempo todo. Não há tempo para ter aquelas dúvidas existenciais do tipo “vou ou não vou?”, muito menos para descansar pelo meio do caminho com argumentos como “quero dar um tempo”. O profissional é muito exigido e pode se deparar com muitas e excelentes chances na carreira, mas o caminho, sem dúvida, é mais difícil de ser trilhado em relação ao de tempos passados.”

O Alexandre Bertoldi comenta algo que para mim (como já ressaltei) é uma dos assuntos de maior importância e relevância no Direito brasileiro atualmente e, que sem sombra de qualquer dúvida, foi o ponto que me deixou mais entusiasmado com o excelente livro. É sobre a influência, em minha opinião [muito mais perniciosa do que benéfica] do “Common Law” em determinadas áreas do Direito Brasileiro (como os contratos, por exemplo), principalmente por grande parte dessa garotada da geração “Y” que não saiu das fraldas e só consegue algum destaque graças ao serviço de assessoria de imprensa.

“(…) Costumo dizer que, se um advogado daquela época, do final dos anos 1980, fosse colocado numa máquina do tempo e saísse direto daqueles dias para os de hoje, ele não conseguiria trabalhar. Acabamos por adotar – para o bem ou para o mal, talvez mais para o mal – para os documentos na área em que trabalho o modelo americano de contrato, a despeito de termos nossos próprios códigos, leis, sistema etc. Há contratos em que é preciso prever tudo o que pode dar certo, tudo o que pode dar errado, tudo o que pode acontecer. Ao final, chega-se a um documento de 300 páginas com mais de 500 páginas de anexos – um ser humano normal não consegue ler, e se ler, não vai entender. Hoje, as coisas são extremamente complexas.”

No que Pierre Moreau com absoluta precisão comenta: “O contrato chegou a um nível de complexidade tão grande que está impossibilitando seu entendimento. (…) É importante que as partes entendam os contratos.” – Continua Bertoldi: “(…) Houve um tempo em que o fluxo de negócios era majoritariamente de lá para cá. E os modelos de contrato acabaram sendo impostos pelos investidores. Predominou o modelo norte-americano. Eles não se sentiam confortáveis em ter um contrato de 30 páginas e queriam ter um de 300 páginas com o qual estavam acostumados. (…) essa questão dos contratos virou padrão, adotamos um novo standard. (…) –  Na área de fusões e aquisições, não há dúvida, o modelo é o de New York. Totalmente americano.”

Outro ponto fundamental no tema:

“(…) Escrevi um artigo para o Estado de São Paulo intitulado “Quando a frieza é fundamental” (…) sobre a necessidade de guardar algum distanciamento em operações de fusões ou de compra e venda de empresas. Em situações desse tipo há dois piores cenários. O primeiro ocorre quando um lado perde a confiança no outro porque descobriu que existe alguma má-fé – aí, dificilmente tem volta. O segundo acontece quando você está representando um grupo familiar que possui divergência de posições. Só que esse grupo supostamente deveria estar unido para negociar com o outro lado. Por exemplo, quando dois irmãos não se entendem. Isso fragiliza demais a posição do grupo, coisa que o outro lado normalmente fareja, percebe e vai para cima sem piedade. [Pierre Moreau] – Muitos empresários brasileiros, ainda ligados ao processo de criação de seus negócios, não estão prontos para passar a outro patamar, no sentido de não estarem mais ligados à operação, e sim de serem gestores de holding. Não é um desafio na cultura do empresário brasileiro assumir essa gestão de holding? – “(…) É um desafio enorme. E, talvez como parte da cultura latina, vejo o quanto é difícil para o dono se desapegar do negócio. (…) Nos Estados Unidos as coisas têm um valor, uma equivalência em dinheiro. É assim e ponto final. (…) Mas o brasileiro tem um apego e não consegue dissociar o que é a casa ou o que é o negócio. Afora isso, há ainda a questão da informalidade com que o brasileiro trata sua empresa no sentido de achar que, como proprietário, pode usar o carro, o helicóptero da empresa para sair em férias, sem separar muito o que é particular e o que é profissional. Isso raramente acontece nos outros países.”

Sabedoria de Bertoldi: “(…) Acho que o grande risco que qualquer profissional corre é quando ele começa a se achar bom demais, infalível.” – Turma “Y”, atenção nisso.

Sobre “Private Equity”: “(…) private equity funds são fundos que amealham recursos de terceiros, não são recursos próprios. Eles vão ao mercado, fazem captações, prometem um retorno alto. (…) Muitas vezes o fundo entra, compra um pedaço da empresa e permanece lá por um período de tempo. Essa empresa se beneficia da expertise dos gestores, que introduzem uma série de mudanças que torna a empresa mais eficiente, mais capitalizada e, portanto, mais rentável. (…) Eu acho que o boom dos fundos de private equity é típico de mercados como o brasileiro, em que existe um crescimento acelerado, mas acho também que é uma coisa que veio para ficar.”

Grande lição sobre a vida (maturidade e sabedoria): “(…) Eu me orgulho de poder levar meus filhos para a escola de manhã, de jantar em casa, de ter uma vida com amigos, de assistir ao futebol na TV. (…) Ligo para os meus pais todos os dias, almoço com eles uma vez por semana – faço questão de vê-los porque sei que não vão ficar aqui por muito mais tempo. Tudo é uma questão de você dosar e saber levar a vida, felizmente (pelo menos eu acho) não me perdi naquele negócio relacionado à obsessão de progredir no trabalho.”


E mais: “(…) ser administrador é um pouco complicado porque nós, advogados, temos egos grandes. As pessoas deveriam se levar menos a sério e ver as coisas boas em vez de ficar só enfatizando as ruins. Esse é um bom segredo. Leve-se menos a sério, admita que as coisas podem dar errado de vez em quando. (…) Quando é preciso trabalhar, faço de bom grado. Mas, se há uma brecha, aproveito. (…) Entendo que o maior risco para uma pessoa que está na gestão de um escritório de advocacia ou de qualquer outro empreendimento é o encastelamento e a falta de contato com os sócios e com todo o contingente de pessoas que trabalha no escritório. Nestes casos, fica impossível ver o que está acontecendo, você se distancia e só começa a ouvir os puxa-sacos, os caras que só falam o que você quer ouvir e, quando vê, você está perdido. O que você estava ouvindo não condizia com a realidade. (…) O pessoal da área empresarial tem um perfil mais objetivo, fala menos, vai direto ao ponto. É engraçado como às vezes nem parecem advogados falando. O pessoal do Contencioso fala bem mais, gosta de argumentar. (…) Já fizemos estudos, já conversei com um professor de Harvard. Não existe um caso na história de sucesso dos escritórios de advocacia em que o gestor não seja um sócio.”

Outra questão fundamental: “(…) Não existe possibilidade de sucesso se você acabar a faculdade, parar e começar a trabalhar – não existe. Os outros chegam atropelando. (…) Os que vão bem são aqueles que encontram tempo, de alguma maneira, para fazer tudo. Para trabalhar, fazer mestrado, estar disponível. O cara que é bom vai conseguir fazer tudo. Essa educação continuada é uma necessidade.”

Antônio Meyer lembra um fato envolvendo Rubens Gomes de Souza que é um grande exemplo: “(…) O Rubens era um homem muito romântico. Todo dia, às 18h30min, ele saía do escritório com uma rosa na mão para entregar à sua mulher. Impressionava pela inteligência brilhante.”

Para Meyer, “ser um bom profissional implica necessariamente gostar da profissão. Estar disponível para seu cliente, procurar entendê-lo e atendê-lo bem, de preferência com soluções criativas. (…) Às vezes, você é capacitado, fluente nos idiomas, excelente técnico, conhece profundamente a matéria, mas não tem sorte. Tem muita gente que, infelizmente, passa por este percalço. Sorte, muitas vezes, se traduz em oportunidades que surgem na nossa frente. A falta dela ocorre quando a pessoa titubeia, vacila e não encara uma chance ou oportunidade. A sorte chega, e a pessoa não reconhece, não embarca.”

Sobre a lentidão do Poder Judiciário lembra um ponto fundamental – O Estado é o grande vilão nessa história. “(…) O que congestiona mesmo o Poder Judiciário são questões envolvendo atividades públicas. (…) Na Bahia, nas sessões solenes do Tribunal Especial, quando Antônio Carlos Magalhães entrava, a sessão era suspensa e todo mundo levantava para cumprimentá-lo.” – [Vejam Senhoras e Senhores, o Brasil, como é, na prática.]

A relação entre Academia x Prática é abordada por Jairo Saddi. “(…) Entre a academia e o escritório. Percebo que há um debate permanente sobre teoria e prática. (…) Nos Estados Unidos, o esquema de aula era muito diferente do nosso, num estilo muito socrático, marcado por aulas em anfiteatro, com perguntas e respostas, mais leitura obrigatória de algo como 200 páginas já na primeira aula. (…) Educação é essencialmente despertar inspiração. (…) Ler é um ato muito difícil. Exige concentração, silêncio, bom clima, mas é a hora em que você mais se desenvolve intelectualmente. (…) A leitura é um trabalho solitário, é a hora em que, de fato, se aprende. (…) Percepção é um segredo fundamental. Outro fator importante na academia é saber ouvir. Já escutei clientes falarem coisas do tipo: ‘Como advogado, fulano é ótimo, mas ele responde qualquer pergunta antes que eu tivesse tempo de formular minha questão.”

Sobre filhos e também sobre um importante lema árabe: “(..) os filhos nunca são o que os pais querem que eles sejam. Em geral, a regra é essa. (…) O lema árabe: Não importa se você é o melhor ou não – e isso é muito libanês – o importante é trabalhar e dar o melhor de você. O resto é um pouco consequência.”

Sabedoria: “Não adianta ser doutor aos 22 anos de idade, sem viver uma série de experiências, de realidades que não se tem a menor ideia do que possam ser.” – Experiência. Nada é mais importante do que a experiência.

Apoio fundamental ao talento: “(…) No Insper, temos uma regra que copiamos das universidades americanas. Se o aluno passa no vestibular e não consegue pagar, é preciso dar um jeito de garantir uma bolsa para ele. (…) Apple. [Apple, Inc.] Aquilo é pesquisa pura. O produto final é uma caixinha e traduz um investimento de bilhões em pesquisa e desenvolvimento.”

“(…) Minha origem libanesa me leva a crer que nosso destino está escrito [Maktub]. (…) Trata-se na verdade da idéia de que o destino conduz e consente favoravelmente quando você trabalha por ele. (…) Isso é como um ditado libanês, de que as coisas vão acontecendo se você trabalha por elas”

Sobre o ensino jurídico no Brasil: “(…) Precisamos mudar o modelo de ensino. Hoje, funciona assim: o professor fala, o aluno ouve, vai embora e paga por isso. Não é o ideal. Um modelo de ensino deve ser subtendido como sentar num círculo, com poucos alunos, debater a partir de um texto lido anteriormente e, ao sair daqui, com o que professor falou e a classe agregou, haver progresso. Assim você certamente será um ser melhor.”

O organizador do livro, Pierre Moreau, lembra alguns aspectos da vida acadêmica nos Estados Unidos, especialmente em Harvard, muito interessantes:

“(…) Harvard dá aos seus professores um cartão de crédito para gastos com os alunos. Era possível solicitar, além do tempo de aula, um café da manhã ou um jantar com o professor. E, em geral, o professor almoçava com a turma. (…) Pelos cursos que organizamos na Casa do Saber, descobri outro dia, por meio de uma conversa com um professor francês de Filosofia chamado Michel Maffesoli, que essa divisão burocrática do saber, presente em muitas universidades, inclusive nas de Paris, acabou criando inúmeras amarras para o professor. (…) Vários desses professores, com a intenção de escapar dessa formalidade, estão deixando os grandes centros em direção às cidades do interior. Como o famoso professor me contou, a formação de novos conhecimentos em Filosofia está sendo feita não mais em Paris, mas em cidades menores, onde o professor não está sujeito a tantos ditames rígidos. Estou contando isso para dizer que em Harvard havia liberdade para os professores.”

Pierre Moreau também aborda a fundamental questão da influência do modelo norte-americano nos contratos brasileiros.

“(…) Vejo que, no Brasil, começou a se adotar o conceito americano dos contratados detalhados. (…) Começaram a criar contratos enormes com definições do que queria dizer cada palavra, com diversas considerações, anexos, etc. Os contratos ficaram tão grandes, tão complicados, que implicam uma leitura de tal modo complexa que os torna ininteligíveis. Ninguém sabe o que está assinando. Já vimos que isso não dá certo. Na Inglaterra, quando se faz um contrato financeiro, exige-se uma certificação de um professor de inglês. É ele quem diz que um inglês médio entende aquele contrato que está sendo redigido e que, por consequência, tal documento terá seu conteúdo compreendido pelo consumidor de produtos financeiros. (…) Alexandre Bertoldi, do escritório Pinheiro Neto, pensa de forma semelhante: ‘O Brasil “está na moda” e nós, advogados brasileiros, quando participamos de negociações, estamos conseguindo discutir cláusulas, conteúdo, forma, foro, o idioma… Isso, no passado, não existia. Tínhamos que nos conformar às exigências do capital, que vinha geralmente de Nova York ou Londres, e aceitar as imposições para que nossos clientes tivessem acesso àqueles parcos recursos financeiros que se aventuravam em nosso território.”


Enfim, o livro é de uma riqueza enorme. Aqui foram reunidos apenas alguns pequenos trechos do excelente conteúdo que você vai encontrar ao ler a obra.

Para comprar o livro:

MOREAU, Pierre. (Org.). Grandes Advogados. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2011.

http://www.casadapalavra.com.br/livros/442/grandes+advogados

Vídeos sobre a obra:

(1) http://vimeo.com/31524832

(2) http://vimeo.com/31547815

(*) Paulo Sá Elias é advogado em Ribeirão Preto/SP, professor universitário. Mestre em Direito pela UNESP.

Website: http://www.direitodainformatica.com.br  | Twitter: @psael


[1] A propósito, é incrível como no Brasil, atualmente, a nova geração prefere “encostar-se junto ao Estado” em carreiras públicas, já que os salários – principalmente em nossa área jurídica, em determinados cargos são milionários – conforme estamos vendo na imprensa, não é verdade? Anteveja o resultado disso para o país: um grande problema para o futuro. A boa universidade é aquela que cria, ao seu redor, empresas (incluindo escritórios de advocacia) que nascem do espírito empreendedor de seus alunos, já dizia um ilustre ex-aluno do Otoniel Mota, o Prof. Antônio Vicente Golfeto.

[2] Curiosamente, a grande maioria dos meus amigos são bem mais velhos do que eu (normalmente com mais de 60 anos). Comentava isso um dia desses com o Prof. Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho da Faculdade de Direito da USP em Ribeirão Preto/SP, que também mantém laços de amizades semelhantes.

[3] Veja a matéria aqui: http://bit.ly/xFUq7n

[4] Motivo: falta de cultura, educação. Quanto mais ignorante, mais fácil a manipulação. Chega a ser um clichê. Estamos cansados de repetir.

[5] Incluindo, obviamente, os “novos juristas” da geração “Y”.

[6] Vale muito a pena assistir o vídeo que ele gravou para o livro. É genial! Veja o link no final.

[7] Idem José Carlos Dias: “(…) Sempre digo que as grandes aulas da Faculdade eram no pátio, onde a gente conchavava, conversava.”

[8] Muito bem lembrado pelo José Renato Nalini, quando entrevistou Pierre Moreau: “(…) Como a Lygia diz, chega-se a um ponto na vida em que não se sabe mais o que é ficção ou realidade. (…) O escritor sempre escreve sobre ele mesmo.”

[9] A propósito, ele lembra em outra passagem de uma famosa história do Ministro Nelson Jobim: “(…) certo dia chegou um advogado e na audiência entregou a ele o memorial com 80 páginas. Diante disso, Jobim disse o seguinte: ‘Olha, Doutor, pode ficar tranquilo. Sei que o senhor preparou esse memorial para mostrar ao seu cliente e cobrar seus honorários, mas quando o senhor for embora vou tirar o processo de pauta. Por favor, faça um memorial para mim, de 3 ou 4 páginas, e a gente julga na semana que vem.”

[10] FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 1991. p. 21-22.

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