Apólice legal

Seguro garantia judicial deve ser aceito

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23 de fevereiro de 2012, 7h26

A decisão proferida em janeiro pela 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo no Agravo de Instrumento 0198132-23.2011.8.26.0000 que determinou que a Secretaria da Fazenda de São Paulo aceitasse apólice de seguro apresentada pela Shell Brasil como garantia a execução fiscal lança holofotes a questão crônica na realidade dos contribuintes: é ainda recorrente a não aceitação dessa garantia pelas Fazendas Estaduais e Municipais.

Com isso, indivíduos e empresas executados pelo fisco são obrigados a buscar outros mecanismos de garantia, quase invariavelmente mais gravosos que o seguro garantia judicial, antes de poder discutir a exigibilidade ou não de um determinado débito. Essa lógica contraria frontalmente o princípio processual vigente de promoção de execução pelo modo menos gravoso ao executado.

Espantosa é a convalidação desse entendimento por boa parcela do Judiciário, principalmente sob o argumento de ausência de previsão expressa na Lei 6.830/80 (Lei das Execuções Fiscais) e no artigo 151 do Código Tributário Nacional ou, ainda, porque as apólices normalmente trazem prazos de validade determinados, ao invés de prolongarem a validade até a extinção da obrigação.

O seguro garantia foi introduzido como solução ao encarecimento da fiança bancária no contexto da adesão brasileira ao Acordo da Basiléia, que restringiu os limites de emissão das cartas de fiança, por serem classificadas como operação de crédito e tomarem limite operacional dos bancos. A transmissão de passivos do sistema bancário ao sistema securitário foi, portanto, solução criativa do sistema financeiro aos limites de endividamento pós-Basiléia.

Como tal revolução não implica qualquer redução na solvabilidade das dívidas garantidas e constitui medida de redução de riscos sistêmicos ao sistema financeiro, não há qualquer incompatibilidade do seguro garantia com o sistema jurídico brasileiro. Deve-se antes buscar a consolidação dessa garantia mediante ajustes pontuais nas normas vigentes que levantar óbices à utilização desse instrumento. E as leis vigentes comportam tal interpretação no âmbito da execução fiscal.

O seguro garantia judicial está previsto no artigo 656, § 2º, do Código de Processo Civil, tendo sido inserido no sistema jurídico como forma de substituição da penhora pela Lei 11.382/06, que também alterou, e modernizou, a ordem preferencial de bens oferecidos em garantia. Este dispositivo exige apenas que o valor do seguro seja 30% superior ao valor do débito, não detalha as características das apólices ou procedimentos de aceitação. Neste aspecto, ganha relevância a regulamentação ofertada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), em especial, a Circular 232/03 e seus anexos, anteriores à previsão processual.

A Lei de Execuções Fiscais não menciona o seguro garantia judicial, mas apenas a fiança bancária. O legislador de 1980 não poderia prever que, décadas depois, o contrato de seguro garantia judicial viria a existir, bem como seria amplamente utilizado e, inclusive, aceito na esfera executiva civil. Entretanto, a ausência de previsão em seu texto não significa que o aplicador do direito, sobremaneira juízes e procuradores, não possam reconhecer o seguro como forma de garantia à execução fiscal. Isso porque o Código de Processo Civil tem aplicação complementar à Lei de Execuções Fiscais e pode ser empregado naquilo que não a contrariar.

Do lado do credor, a identidade entre o seguro garantia judicial e a carta fiança é decisiva. A diferença básica está na figura do agente garantidor. No caso do primeiro uma companhia seguradora, para a segunda um banco. Não há, portanto, nenhum prejuízo ao credor de dívida fiscal a substituição de um instrumento pelo outro.

Vale ressaltar, ainda, no que diz respeito à ordem de preferência e liquidez da garantia em juízo, que vários bens passíveis de serem ofertados (máquinas, imóveis etc.) sofrem forte depreciação, são arrematados por valor muito inferior ao de mercado e do próprio débito. A satisfação do débito dessa forma acarreta desnecessária onerosidade do executado.

Neste diapasão, recorda-se que a objeção de pré-executividade, mecanismo de defesa do executado em casos de flagrante nulidade ou anulabilidade do título executado, não tem qualquer previsão legal, mas é amplamente adotada em execuções de todos os âmbitos, exatamente por atender ao princípio da menor onerosidade do devedor. Já a aceitação do seguro garantia judicial está vinculada ao aumento de 30% do valor executado, é corrigido pelos mesmos índices do débito, e está segurado por instituição que recebeu autorização do Poder Público para esse fim. Sobram motivos para sua aceitação ainda que não prevista em lei expressa.

No tocante à suposta ausência de previsão legal, a Lei 12.016/09, que trata do mandado de segurança, trouxe a faculdade de o juiz exigir caução, sendo comum nessa seara a apresentação de seguro garantia quando verificada a possibilidade de periculum in mora in reverso na concessão de medida liminar. Este dispositivo tem grande relação com o seguro garantia em execuções fiscais, tendo em vista que inúmeros mandados de segurança são impetrados para afastar atos de ilegalidade praticados no âmbito tributário e são uma espécie de revés ao procedimento executório, o que reforça a possibilidade de aceitação do seguro garantia.

Quanto à validade das apólices de seguro garantia judicial nem sempre se estender até a extinção da execução fiscal, não fica configurado óbice à sua aceitação para garantia do juízo, pois há cláusula expressa regulamentada pela Susep no sentido de obrigar a seguradora a depositar o valor integral garantido, seja administrativa ou judicialmente se o executado não depositar o valor executado, não apresentar nova apólice de seguro garantia ou não oferecer carta fiança após o término do período de validade. Se o executado não realizar uma das três providências citadas, o Fisco recebe imediatamente o valor integral da apólice, via depósito realizado pela seguradora, o que enseja em extinção da própria execução fiscal, ou seja, inexiste qualquer prejuízo ao Fisco.

Por fim, destaca-se que no âmbito federal, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional editou a Portaria 1.153/09 disciplinando a aceitação do seguro garantia. Nessa portaria foram minuciosamente enumerados os requisitos para sua aceitação como garantia do juízo, dentre os quais o excedente de 30% do valor do débito, mesmo índice de atualização aplicável ao débito inscrito, prazo de validade até a extinção da obrigação tributária ou mínimo de dois anos sob as condições expostas acima, dentre outras.

Citada portaria apresenta requisitos coerentes e completos para que o seguro garantia seja aceito como garantia do juízo executivo fiscal federal. Nada mais razoável que seja utilizado como parâmetro em procedimentos das Fazendas Estaduais e Municipais, já que as leis vigentes para a execução de débitos fiscais nas três instâncias políticas da federação são rigorosamente as mesmas.

O argumento de inexistência de expressa previsão legal tributária para sua aceitação pelas Fazendas Estaduais e Municipais e pelo Poder Judiciário não procede, seja pelas regras de interpretação, aplicação residual do CPC à Lei de Execuções Fiscais e o “diálogo das fontes” ou mesmo pela adequação social, visto que o seguro garantia, realidade inexistente em 1980, atende às necessidades de garantia do juízo combinando o princípio da menor onerosidade do devedor às diretrizes de redução do endividamento do sistema financeiro nacional.

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