Jeitinho americano

Estrangeiras usam subsidiárias para doações nos EUA

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21 de fevereiro de 2012, 8h51

Tecnicamente, a legislação proíbe doações a campanhas políticas por estrangeiros e empresas estrangeiras nos Estados Unidos. Na prática, essa legislação não funciona, porque há um jeito de contorná-la. Empresas americanas, mesmo que controladas por corporações estrangeiras, podem criar Comitês de Ação Política (PACs – Political Action Committees), e, através dessas organizações, atuar em campanhas políticas, a favor ou contra qualquer candidato. Corporações canadenses estão investindo nas eleições deste ano para o Congresso dos EUA através de PACs, noticiaram no domingo (19/2) o Herald Business e o Huff Post do Canadá. 

Um PAC – "instrumento do sistema político" dos EUA – é formado e operado por corporações, sindicatos, entidades profissionais e organizações dedicadas a alguma causa e mantidas, de uma maneira geral, por seus associados. Os PACs só podem receber contribuições de pessoas conectadas a eles de alguma forma. Por exemplo, o PAC de uma corporação só pode receber dinheiro de pessoas ligadas à ela, como executivos, diretores, funcionários, acionistas – e familiares de todos eles. Cada uma das corporações canadenses que estão canalizando dinheiro para as eleições americanas fundou seu próprio PAC nos EUA, dizem as publicações, com base em levantamento feito pelo Centro de Política Responsiva. 

As publicações trazem alguns exemplos dos "investimentos" canadenses na política dos EUA. A Barrick Goldstrike Mines, subsidiária americana da maior produtora de ouro do Canadá, a Barrick Gold Corp., fez doações a candidatos democratas e republicanos do estado de Nevada, onde opera. A Grand Trunk Western-Illinois Central Railroad, subsidiária americana da Canadian National Railway, fez doações a candidatos democratas e republicanos. A companhia de seguros John Hancock Life Insurance, subsidiária americana da canadense Manulife Financial, também fez doações a candidatos democratas e republicanos. 

A formação de PACs por subsidiárias americanas de corporações estrangeiras para levantar dinheiro e fazer contribuições a candidatos e causas de suas preferências não é inteiramente nova, dizem as publicações. Mas ganhou um grande impulso para as eleições presidenciais e parlamentares deste ano, por causa de uma decisão da Suprema Corte dos EUA em 2010. Na decisão de um caso, conhecido como "Citizens United" (Cidadãos Unidos), a Suprema Corte permitiu a criação de "Super Comitês de Ação Política" (Super PACS – Super Political Action Committees). 

Os Super PACs podem levantar quantidades ilimitadas de dinheiro de corporações – e não apenas de pessoas relacionadas a elas, bem como de outras organizações, para financiar campanhas publicitárias. As diretrizes da Comissão Federal de Eleições dos EUA requer que os super PACs divulguem apenas informações mínimas sobre as fontes do dinheiro arrecadado, dizem as publicações. Segundo o Washington Post, um levantamento indicou que muitas contribuições não puderam ser rastreadas, porque os doadores se esconderam atrás de entidades corporativas vagamente definidas ou porque os PACs não forneciam informações claras. 

Os super comitês eleitorais não podem fazer doações diretas aos candidatos, nem trabalhar diretamente com eles na produção de anúncios publicitários. Mas podem financiar campanhas publicitárias de alto custo, sem revelar a identidade dos doadores, diz o Washington Post, em editorial que pede a aprovação de um projeto de lei – já rejeitado anteriormente pelo Congresso – que pode tornar o sistema mais transparente. 

De acordo com o Huff Post dos EUA, as doações feitas através dos super comitês eleitorais representam um risco para as eleições presidenciais de 2012. A princípio se considerava que o super PACs era um instrumento para canalizar doações, ainda que de forma pouco transparente, de corporações, sindicatos e milionários americanos, diz o jornal. "Mas está mais fácil do que nunca esconder a fonte do dinheiro e a identidade dos contribuintes, o que torna a situação propícia para doações ilegais de estrangeiros, de corporações e governos de outros países, que quiserem favorecer um candidato para a Casa Branca", diz. 

"A nova realidade, decorrente da decisão da Suprema Corte, deixa dúvidas sobre a capacidade dos órgãos reguladores descobrirem tais atividades ilegais", diz a comissária da Comissão Federal de Eleições, que dirigiu o órgão no ano passado, Cynthia Bauerly. As diretrizes da Comissão preveem ação judicial contra os PACs e outras organizações que usam métodos irrazoáveis de identificar doações estrangeiras. Mas ela reconhece "o potencial para contornar as atuais regras", diz o jornal. 

Um novo estudo feito pelo Grupo de Pesquisa de Interesse Público (PIRG – Public Interest Research Group), com outras organizações de pesquisa, revelou que 6,4% das doações feitas à campanha presidencial deste ano são "impossíveis de rastrear", por causa de informações vagas ou mascaradas sobre as origens do dinheiro. O estudo mostrou que seis, entre os dez maiores PACs das campanhas presidenciais, receberam esse tipo de doação. Entre eles, os super comitês eleitorais de Mitt Romney ("Restore Our Future"), de Barack Obama ("Priorities USA Action"), o do Partido Republicano ("American Crossroads") e o do Partido Democrata ("American Bridge 21st Century). 

Muitos dos maiores super PACS também operam grupos sem fins lucrativos, que não são obrigados a divulgar publicamente as identidades de seus próprios doadores. A legislação tributária, que regulamenta organizações beneficentes, estabelece que as organizações sem fins lucrativos são reguladas pelo Departamento da Receita Federal dos EUA, não pela Comissão Federal Eleitoral. Assim, desde que limitem suas atividades políticas, elas só devem revelar as identidades de seus doadores à Receita Federal e não à Comissão Eleitoral ou ao público.

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