Operação Duty Free

Crime de particular é julgado na Justiça Federal

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20 de fevereiro de 2012, 7h07

Crimes que não guardem relação direta e específica com bens, interesses ou serviços da União, mas que tenham sido cometidos por servidores públicos, podem ser processados pela Justiça Federal. E mais: particulares que guardem relação com esses servidores também serão julgados pelo mesmo ramo do Judiciário. O entendimento é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, na terça-feira (14/2), rejeitou pedido de Habeas Corpus em favor de dois acusados de envolvimento na Operação Duty Free, da Polícia Federal, no qual se questiona a competência do foro e se pede a anulação da operação. O acórdão ainda não foi publicado.

Os pacientes eram à época dos fatos proprietários de um empresa de transporte que, segundo a denúncia, seria gerenciada em metade de seu capital pelos auditores fiscais. Na ocasião, foram presos 11 empresários, um advogado, um servidor público, uma advogada, dois auditores fiscais e dois contadores.

Os pacientes do Habeas Corpus, representados pelos advogados Fabrício de Oliveira Campos e Conceição Aparecida Giori, são acusados de lavagem de capitais, falso e formação de quadrilha. Segundo a denúncia, eles se utilizaram do conhecimento e da experiência adquiridos no exercício de suas funções para prestar a consultoria. Os dois estão soltos e a ação corre na 1ª Vara Federal de Vitória.

Como explica o advogado dos dois irmãos, “eles foram acusados de vender parte do capital da transportadora para uma empresa de importação, esta sim, que seria gerida ocultamente pelos dois funcionários públicos. Segundo o Ministério Público Federal, os dois funcionários federais, com a compra de parte do capital da transportadora, iriam também gerenciá-la ocultamente e os pacientes teriam conhecimento disto”.

Ao fim do inquérito, o Ministério Público Federal requereu a abertura de cinco ações penais, "embora todas envolvessem os dois auditores fiscais, dividindo os outros investigados conforme fosse o caso e de acordo com as empresas envolvidas", narra o criminalista. Em todos os casos há acusações de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, falsidade ideológica e, em uma delas, de descaminho.

Ou seja, os dois sócios da transportadora e os dois funcionários públicos e mais quatro pessoas (um contador, um despachante aduaneiro e dois empresários) estão sendo processados na mesma ação penal, que é objeto do Habeas Corpus.

Mas, como aponta Oliveira Campos e como foi argumentado no pedido levado ao STJ, "a fixação da competência se deu em razão do inquérito, e não em função da natureza dos delitos". "A partir do momento em que o Ministério Público ofereceu denúncias separadamente, ou seja, autônomas, mesmo baseando-se em um único inquérito, a análise do interesse da União no contexto da maior parte das ações penais, inclusive a que é questionada, demonstra que a Justiça Federal não tem competência para a ação penal", entende o advogado.

O Habeas Corpus foi apresentado contra decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Espírito Santo e Rio de Janeiro), onde foi negado o pedido. Agora, com a negativa do STJ, a defesa pretende levar o caso até o Supremo Tribunal Federal, ainda insistindo na anulação de toda operação Duty Free.

Além disso, o advogado conta que dois dias antes do Habeas Corpus ser julgado pelo STJ, uma sentença absolveu os pacientes por crimes de lavagem de ativos e formação de quadrilha, mas manteve a condenação por falsidade ideológica. O processo deverá ser remetido ao TRF-2 para análise dos recursos de apelação.

De acordo com Oliveira Campos, "o único argumento alusivo à permanência da competência da União acaba vinculado à condição de funcionários públicos federais dos dois auditores fiscais denunciados, o que não é admissível pelo fato de que funcionários públicos não têm, em regra, foro privilegiado".

Para o advogado, a decisão da 5ª Turma é contrária à jurisprudência pacífica dos tribunais, que entendem que a competência da União só é cabível quando há "ofensa direta e específica" a um bem jurídico relacionado à União. "A acusação por lavagem de ativos não faz referência a nenhum valor ou bem obtido mediante crime e muito menos contar bem, interesse ou serviço da União. A falsidade ideológica refere-se apenas a documentos sujeitos à análise e registros de órgãos estaduais e a formação de quadrilha não envolve crimes de interesse federal. Somente a Justiça comum estadual é que teria competência e apenas o Ministério Público estadual teria legitimidade para promover a ação penal", argumenta.

O julgamento do Habeas Corpus começou em dezembro de 2011, mas foi interrompido porque o ministro Gilson Dipp pediu vista dos autos. Na ocasião, o ministro Jorge Mussi entendeu que poderia haver conexão entre a ação penal questionada com uma das outras quatro. Já o ministro Marco Aurélio Belizze foi contrário. Disse que não poderia haver conexão, uma vez que o próprio Ministério Público Federal escreveu, em denúncia por denúncia, que cada uma delas seria considerada autônoma, e que, em alguns casos, já haveria até sentença.

A competência da Justiça Federal está definida no artigo 109 da Constituição Federal. Segundo o inciso IV do dispositivo, os juízes federais são competentes para processar "os crimes políticos e as infrações praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas […]".

Segundo Oliveira Campos, "a condição de funcionário federal não atrai a competência da Justiça Federal, a menos que o crime praticada tenha se dado em razão da função. Se os funcionários são acusados de gerirem empresas privadas ocultamente, isso não tem relação com o exercício funcional".

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