Luto no Judiciário

Morre Maurício Corrêa, ex-presidente do Supremo

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17 de fevereiro de 2012, 19h25

Jose Cruz
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, morreu na tarde desta sexta-feira (17/2), em casa, aos 77 anos de idade, vítima de um ataque cardíaco. Corrêa havia colocado um marca passo na última terça-feira. Teve alta e voltou para casa com quadro bom. Na quinta, os rins pararam de funcionar, o que causou a elevação na taxa de potássio do ex-ministro e levou ao ataque que o vitimou. 

O corpo do ex-ministro será velado neste sábado (18/2), a partir das 10h, no Salão Branco do Supremo Tribunal Federal. O presidente do STF, ministro Cezar Peluso, lamentou a morte de Corrêa, em nome de todos os membros da Corte, e enviou condolências à família.

Maurício Corrêa presidiu o STF por quase um ano, de junho de 2003 a maio de 2004, quando se aposentou compulsoriamente ao completar 70 anos. Foi nomeado para o Supremo em outubro de 1994, pelo presidente Itamar Franco, depois de servir ao seu governo como ministro da Justiça, na vaga decorrente da aposentadoria de Paulo Brossard. Maurício Corrêa também foi ministro do Tribunal Superior Eleitoral, órgão que presidiu entre 2001 e 2003.

Mineiro de São João do Manhuaçu, formou-se em Direito em Minas Gerais em 1960 e passou a advogar em Brasília no ano seguinte. Em 1986, foi eleito senador. Participou ativamente da Assembleia Nacional Constituinte com a apresentação de 459 emendas ao texto do projeto que se transformou na Constituição Federal de 1988. Do total, 144 foram aprovadas.

O ex-ministro foi vice-presidente da CPI que investigou as denúncias feitas por Pedro Collor contra o irmão e ex-presidente da República, Fernando Collor de Mello, e contra seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias. Maurício Corrêa também foi presidente da seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil por quatro mandatos, de 1979 a 1986.

Na Presidência da OAB-DF, se tornou histórica sua resistência à invasão da sede da entidade pelo governo militar. Na ocasião, saiu de braços dados nas escadarias do prédio da seccional com os advogados Sepúlveda Pertence (que também se tornou ministro do STF) e Sigmaringa Seixas, entre outros, cantando o Hino Nacional, como forma de protestar pelo ato autoritário. Nas palavras do presidente da OAB-DF, Francisco Caputo, “foi, sem sombra de dúvidas, a maior liderança da história da advocacia brasiliense”.

Em seu curto período como presidente do Supremo, implantou a Rádio Justiça, que hoje auxilia a TV Justiça na transmissão dos julgamentos da Corte e na divulgação do noticiário jurídico. Também teve um embate com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva na defesa da prerrogativa de juízes, como a aposentadoria integral, por exemplo.

Virada no Supremo
Maurício Corrêa teve uma papel decisivo no antológico julgamento que tomou curso no Supremo Tribunal Federal entre dezembro de 2002 e setembro de 2003, e que condenou o editor de livros gaúcho Siegfried Ellwanger pelo crime de racismo contra judeus. O julgamento se estendeu por nove meses e é considerado um dos mais polêmicos na história recente do STF.

Ellwanger foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul pela edição e venda de livros de conteúdo que faziam apologia de ideias racistas contra judeus. O editor publicou, entre inúmeros outros, os livros “O Judeu Internacional”, “Holocausto Judeu e Alemão” e “Hitler, culpado ou inocente?”. O editor acabou condenado a dois anos de reclusão, mas os recursos levaram o caso até o Supremo Tribunal Federal.

No STF, em dezembro de 2002, ao levar o caso ao Plenário, o ministro Moreira Alves votou pelo concessão do Habeas Corpus, argumentando que os judeus não podiam ser considerados uma “raça” em si. Dessa forma, Alves insistiu que os atos do editor não poderiam ser qualificados como delito de racismo.

Coube então ao ministro Maurício Corrêa abrir a divergência, ao apresentar pedido de vista, no que iria se converter em um dos grandes momentos da alta corte brasileira. Em abril de 2003, voltou com o caso ao Plenário, questionando a “interpretação semântica” formulada por Alves com base no artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal. Corrêa demonstrou, para tanto, que o conceito de racismo excedia a mera distinção entre tipos étnicos. Citando descobertas na área da genética, o ministro argumentou que o conceito de etnia envolvia uma complexa gama de fatores que se desdobravam em incalculáveis contextos sociais e políticos.

Em junho daquele ano, o Habeas Corpus voltou a ser julgado já com Joaquim Barbosa no lugar de Moreira Alves. Porém, somente em setembro, depois de envolver um intenso debate sobre liberdade de expressão, o STF viria a confirmar a condenação do editor Siegfried Ellwanger, imposta originalmente pelo Tribunal de Justiça do RS.

O voto de discordância de Maurício Corrêa foi decisivo para sedimentar o entendimento da maioria de seus colegas que a prática de racismo abrangia a discriminação contra os judeus.

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