Apesar de durante quase toda a sua fala ter alinhado suas colocações com argumentos de oposição à nova lei, o ministro acabou por confirmar a validade de alguns dos dispositivos apreciados pela corte, com exceção da alínea que prevê que a inelegibilidade deve se impor antes do esgotamento absoluto de recursos nos processos judiciais que pesem contra os candidatos.
O destino da nova lei depende do julgamento no Supremo de duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade, apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelo PPS, e à Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), entidade que abriga inúmeras organizações sindicais. Ao começar a sessão desta quarta-feira, já havia dois votos pela constitucionalidade da lei — do relator Luiz Fux e de Joaquim Barbosa. Nesta data, votaram Dias Toffoli, que se manifestou parcialmente contra a norma, e as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia, que acompanharam o voto do relator.
A sessão desta quarta-feira abriu com o impasse entre Toffoli e o relator Luiz Fux em relação ao mérito do que estava sendo julgado. “O que está em julgamento é a constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade e não a lei toda”, interrompeu Fux assim que Toffoli começou a criticar o caráter da nova lei em suas considerações iniciais.
Em voto longo, pontuado por digressões paralelas e interrupções sucessivas dos colegas, Dias Toffoli salientou que abria a divergência em relação à decisão do relator, por não escolher pela confirmação integral dos dispositivos da nova lei. Pesou no voto do ministro risco de violação do direito à presunção de inocência caso a constitucionalidade da lei fosse confirmada sem ressalvas.
Toffoli afirmou que a presunção de inocência é uma conquista universal do Direito, tendo sido concebida como essência de Justiça e por essa razão é que foi, de forma unânime, “reproduzida em artigos jurídicos modernos”. O ministro afirmou ainda que, por conta dos dispositivos da lei se darem fora do âmbito do Direito Eleitoral, a mesma põe em xeque a lisura de pleitos eleitorais, deixando-os vulneráveis a “casuísmos, surpresas e imprevisibilidades”.
Vontade do povo
O ministro ainda se referiu à Lei Complementar 135 como uma das “piores realizações legislativas da atualidade”. “Leis mal redigidas corrompem o propósito dos legisladores e o próprio Direito”, disse Toffoli. Ele também afirmou que fundamentou sua divergência ao tomar conhecimento das considerações do ministro Celso de Mello na ocasião da análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 144 (ADPF 144), quando o STF julgou questão semelhante sobre condições de inelegibilidade com base na vida pregressa de candidatos.
Os ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes aproveitaram as críticas de Toffoli aos dispositivos que estabelecem a inelegibilidade para atacar a Lei da Ficha Limpa como um todo. Mendes lembrou que mesmo a Lei Complementar 5, de 1970, promulgada ainda sob o mandato do presidente Médici, considerou inconstitucional a previsão de inelegibilidade antes do total esgotamento do devido processo judicial.
Celso de Mello se uniu ao colega nas considerações dizendo que estender a inelegibilidade “à condenação instável provisória” representa o comprometimento do “estatuto do Estado de inocência”, e que, portanto a restrição deveria ser aplicável apenas a casos onde ocorresse a “sentença definitiva e transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos”.
Frente à oposição dos colegas, o relator, ministro Luiz Fux, também interrompendo a conclusão do primeiro voto da sessão, defendeu a prevalência do entendimento popular sobre quem está, ou não, apto a se eleger. “A Justiça é um poder contramajoritário quando contrariamos a maioria parlamentar, mas não quando a opção do legislador foi verificar que um cidadão condenado por órgão judicial não tem aptidão para gerir a coisa pública e não tem merecimento para transitar na vida pública”, disse.
“O tribunal não pode ser contramajoritário para ir contra a opinião da população. Evidentemente que ela não nos pauta, mas temos que ouvi-la porque todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido", pontuou, citando a Constituição.
“Não só pode como deve decidir contra a opinião popular”, discordou Gilmar Mendes. "O Judiciário tem um papel didático-pedagógico na defesa do Direito, às vezes mesmo contra a opinião popular. Muitas vezes, nos cabe proteger o indivíduo de si mesmo, nos opor quando a população bate palmas para operações policiais abusivas e matanças”, defendeu Mendes.
Em conclusão considerada um tanto confusa, Toffoli votou contra a aplicabilidade integral dos dispositivos da nova lei apreciados pela corte. O ministro rejeitou a aplicação do princípio de inelegibilidade antes do trânsito em julgado. Transigiu, contudo, ao entender que políticos que renunciaram ao mandato antes da lei entrar em vigor, a fim de escapar de cassação, devem ser tornar inelegíveis.
Frente à contrariedade apresentada pelos ministros Celso de Melo, Gilmar Mendes e Cezar Peluso, Toffoli disse que “seu coração ainda balança”, sobre considerar fatos pregressos na aplicação da lei.
“Eu não conheço, nem nos regimes autoritários, a edição de uma lei para atingir fatos passados e atingir pessoas determinadas. É muito fácil descobrir o universo de pessoas que se quer atingir pela descrição dos fatos”, declarou o presidente do STF, Cezar Peluso.
O ministro Dias Toffoli concluiu seu voto às 17h. Em seguida votaram as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia, a favor da constitucionalidade da lei. O julgamento continua nesta quinta-feira.