Uma decisão focada mais na pessoa do que no Direito. Com essa consideração, o criminalista Marcelo Feller, do Toron, Torihara e Szafir Advogados, conta a história do morador de rua contra quem, no último 30 de janeiro, foi determinada a prisão domiciliar por furto de sete placas de alumínio da Estação República do Metrô, no centro de São Paulo. Cada uma delas custava, na época, R$ 35.
O caso de Nelson Renato da Luz foi descoberto durante os trabalhos do mutirão carcerário desenvolvido pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Quando a entidade chegou até ele, em 2011, o morador de rua, considerado inimputável em laudo do Instituto Médico Legal, estava preso no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros (CDP-1), já que sua prisão em flagrante fori convertida em preventiva, em razão de reincidência. De acordo com Feller, "ao ser detido, confessou extrajudicialmente ter praticado o mesmo delito outras duas vezes, uma na mesma data e outra um dia antes".
Embora não fosse possível aplicar ao caso nem medida de segurança, nem pena condenatória, nem prisão cautelar, o morador de rua continuou na cadeia. De acordo com a legislação penal são duas as medidas de segurança possíveis de serem aplicadas: internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou sujeição a tratamento ambulatorial. O laudo do IML apontou que Nelson Renato da Luz sofre de Transtorno Imaturo de Personalidade e também de Transtornos Mentais e de Comportamento decorrentes de uso de drogas.
Pela nova Lei de Medidas Cautelares, a Lei 12.403, de 2011, a prisão preventiva torna-se possível, dada a reincidência do morador de rua. "Embora o crime imputado ao autuado não tenha sido praticado com violência ou grave ameaça, há notícia de reiteração na prática delituosa no mesmo local", observou o Departamento de Inquéritos Policiais, que determinou a conversão da prisão.
Segundo a sentença, "tais circunstâncias evidenciam que a libertação implicará em risco à aplicação da lei penal, bem como demonstram a inclinação do autuado para a prática de crimes, de forma que a custódia é necessária para garantir a ordem pública e o regular trâmite do processo criminal". Mas o réu é inimputável.
Antes da conversão do flagrante em preventiva, o juiz de execução já tinha reconhecido a inimputabilidade e determinado que ele deveria cumprir seis meses de internação e, depois, tratamento ambulatorial, por no máximo três anos. Decisão que não foi cumprida.
Contra a arbitrariedade, Feller e o estagiário em Direito Michel Kusminsky Herscu elaboraram pedido de Habeas Corpus, que foi apresentado ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Argumentaram ser impossível a decretação de prisão preventiva quando o acusado for declarado inimputável. Do mesmo modo, o Código Penal proíbe a cautelar para os portadores de doenças mentais.
Feller explica que a prisão preventiva não poderia ser aplicada, já que a lei veda a aplicação em crimes com penas máximas não superiores a quatro anos. "De outra mão, o artigo 319, em seu inciso VII, do Código de Processo Penal, reza que dentre as medidas cautelares diversas da prisão está a internação provisória, e esta deve ser aplicada quando o crime for praticado com violência ou grave ameaça, por pessoa inimputável ou semi-imputável." Não foi o caso, uma vez que no crime de furto não se encontram todos os elementos.
O criminalista conclui: "Não cabe a prisão preventiva para aquelas pessoas que tiverem reconhecidas, por perito, a incapacidade de entendimento ou determinação." Como, de um lado, o morador de rua não pode permanecer preso preventivamente porque é inimputável e, de outro, não pode ser colocado em internação provisória porque não cometeu crime com violência ou grave ameaça, foi pedido que o homem fosse colocado em liberdade.
O argumento foi analisado pela 1ª Câmara Criminal do TJ paulista. Sem saber que Nelson Renato da Luz é morador de rua, os desembargadores, em resposta a uma hipótese não prevista pelo legislador, determinaram a prisão domiciliar. "Inegável que a simples soltura do paciente não se mostra apropriada, já que nada assegura que, em razão dos delírios decorrentes da certificada doença mental, não volte a cometer novos delitos", anotou o relator do caso, desembargador Figueiredo Gonçalves.
"Evidente também que inadequada a prisão preventiva", disse, "por colocar no cárcere comum pessoa que demanda cuidados médicos, situação que põe em risco a incolumidade física de eventuais companheiros de cela e do próprio paciente".
A defesa afirma que vai apresentar Embargos de Declaração com efeitos infringentes. "A Câmara, por sua vez, não errou. É que como nós não pedimos a prisão domiciliar (essa foi a solução adotada pela Câmara), não constou na impetração essa condição do paciente", explica Feller.
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[Notícia alterada às 20h51 desta sexta-feira (10/2/2012) para correção de informação. Ao contrário do que se informava, o réu não foi condenado. O mérito da acusação ainda será analisado pela Justiça.]