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Empresas investem no mercado de ações judiciais

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2 de fevereiro de 2012, 9h29

A firma inglesa Burford Group Limited, que opera na Bolsa de Valores de Londres e se anuncia como a maior provedora de investimentos do mundo em sua área, já tem uma subsidiária atuante em Nova York, a Burford Group LLC, e se prepara agora para entrar no Canadá. A Burford Group se dedica exclusivamente a fazer investimentos de risco em um novo filão do mercado: ações judiciais com uma boa chance de obter uma alta compensação financeira, seja por decisão judicial ou por acordo.

Só nos Estados Unidos, a Burford Group tem, atualmente, US$ 210 milhões investidos em 33 casos em andamento nos tribunais americanos e em arbitragens internacionais, noticia o Washington Post. Já existem grandes firmas de investimento atuando nessa área, principalmente na Inglaterra, EUA, Austrália e Canadá. Mas, a Burford Group é a que levantou maior capital: US$ 300 milhões. Desse total, US$ 90 milhões devem ser investidos em contenciosos até a metade deste ano, diz o jornal.

A operação é relativamente simples, diz a Private Wealth (Riqueza Privada), "a revista dos administradores de riqueza", que recomenda investimentos em "contencioso comercial". "Um fundo fornece o capital — uma grande quantia em dinheiro à vista ou em pagamentos periódicos — a uma parte de uma disputa judicial que envolve grandes empresas ou a seus advogados. Em troca, o financiador recebe uma percentagem do valor fixado em acordo ou decisão judicial — ou um valor múltiplo do capital empregado".

A Burford retém 40% do resultado financeiro do contencioso, diz o Washington Post. E, normalmente, aplica de US$ 2 milhões a US$ 15 milhões em cada ação. O site canadense thestar.com, que anunciou a ida da firma para o país, deu um exemplo, sem citar nomes. A empresa investiu US$ 6 milhões em um contencioso e recebeu, como sua parte na operação, US$ 10,5 milhões — um lucro de US$ 4,5 milhões (42%). Mas esse retorno pode ser maior, diz o Washington Post. No ano passado, a firma investiu em uma disputa judicial entre dois empreendedores imobiliários no Arizona, apostando na parte ganhadora, a Gray Development. A parte da Burford foi de US$ 18 milhões, um lucro de US$ 12 milhões (200%). 

Os investimentos também são negociáveis. Segundo a Businessweek, a Burford investiu US$ 4 milhões na contratação da firma de advocacia Patton Boggs, para representar as comunidades indígenas do Equador no processo contra a Chevron, pelo desastre ecológico e sanitário que a empresa causou no leste do país. A Burford vendeu rapidamente a outra empresa do ramo sua participação financeira no caso, eliminando possíveis riscos do investimento, em caso de derrota nos tribunais, mas assegurando o direito a uma percentagem menor, em caso de vitória. Recentemente, um tribunal de recursos do Equador manteve decisão de primeira instância, que condenou a Chevron a pagar indenização de US$ 18 bilhões às comunidades indígenas.

Há outros grandes investidores no mercado "financeiro" jurídico. O Washington Post e a Private Wealth destacam a Juridica Investments e a Black Robe Capital, com sede no Reino Unidos e nos EUA, a IMF Austrália e o Credit Suisse. A Private Wealth diz que há cerca de 20 fundos privados operando nos Estados Unidos e cerca de 40, globalmente — a maior parte com sede em Londres e investimentos no Reino Unido. O negócio pode ser bem maior, de acordo com o site Lawyerist.com. "Basta fazer uma pesquisa no Google com as palavras lawsuit fund (financiamento de ação judicial), para ver como isso se transformou em um grande negócio."

A pesquisa também pode ser feita com as palavras "Alternative Litigation Financing" (ALF – Financiamento Alternativo de Contenciosos). Esse foi o nome atribuído pelo mercado jurídico americano à operação de financiamento de ações judiciais — nome adotado pela American Bar Association (ABA — a Ordem dos advogados dos EUA). Em sua última manifestação sobre o assunto, a Comissão de Ética da ABA declarou que não tem uma posição sobre a ALF. E desencadeou um processo de consulta às firmas de advocacia e a todas as outras empresas envolvidas com esse tipo de operação. A Canadian Bar Association (a Ordem dos advogados do Canadá) também afirmou não ter uma posição sobre o assunto.

Aposta velha, interesse recente
O financiamento de ações judiciais não é um fenômeno novo, diz a Private Wealth. A novidade é o interesse de grandes empresas financeiras, que buscam diversificação para seus investimentos. A ideia foi emprestada da prática de advogados especializados em mover ações por danos ou por indenização por acidentes, que aceitam casos em troca de uma percentagem do que for obtido por acordo ou por decisão judicial. E foi adaptada para disputas empresariais, especialmente nas áreas de propriedade intelectual, contrato, antitruste, falência e seguros. Muitas vezes, uma empresa de pequeno porte tem um caso valioso — cuja tese é bem fundamentada — contra uma grande corporação, mas não tem dinheiro para contratar uma banca à altura do processo. Esse foi o filão descoberto pelas grandes empresas financeiras.

Mas muitos advogados, liderados por algumas das grandes bancas americanas (como a Skadden), se opõem à essa prática. Há questões de ética a serem discutidas. Uma dúvida é sobre a necessidade dos julgadores (juízes e jurados) saberem que há interesses financeiros por trás de um caso. Além disso, os advogados podem, por exemplo, ficar sob pressão dos investidores — ou ser influenciados por eles — para tomar alguma decisão. Os investidores não estão preocupados com as regras que regem o exercício da profissão ou com a lisura dos procedimentos processuais. A eles interessam o retorno de seus investimentos.

Há ainda o receio de que o mercado financeiro traga para o meio jurídico alguns de seus próprios problemas. Por exemplo, muitas vezes operações financeiras são associadas a apostas. A revista Law Society Gazette, do Reino Unido, ilustrou uma reportagem sobre o assunto com uma imagem de cartas de baralho e fichas de pôquer.

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