Investigação de juízes

Especialistas concordam que Justiça não está em crise

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1 de fevereiro de 2012, 17h59

A chamada crise do Judiciário, reverberada pela imprensa ao mencionar a discussão sobre quem deve investigar os juízes, é fictícia. A afirmação, feita pelo chefe do Poder Judiciário, ministro Cezar Peluso, durante a abertura do Ano Judiciário, nesta quarta-feira (1º/2), foi respaldada no meio jurídico.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, corroborou que o debate recente sobre a competência do Conselho Nacional de Justiça para investigar juízes antes das corregedorias dos tribunais não configura uma crise no Judiciário. "É uma crise sem lastro, calcada em algumas impressões equivocadas", diz.

Para o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Renato Henry Sant’Anna, o discurso do ministro "recoloca a necessária racionalidade nas discussões envolvendo o Poder Judiciário, afinal, a esmagadora maioria dos juízes brasileiros não é inimiga do CNJ e tem o maior interesse de afastar os poucos maus magistrados, desde que através de procedimentos que respeitem a Constituição Federal".

Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, o juiz Gabriel Wedy elogiou a importância dada por Peluso à participação do Judiciário no cenário nacional. "O presidente do STF manifestou-se oportunamente, enfocando decisões importantes da corte, em que a sociedade aguardava uma atuação do Estado ante a omissão dos Poderes Executivo e Legislativo", e alertou: "Extrai-se do pronunciamento a necessidade da construção urgente de uma agenda positiva entre as cúpulas dos Poderes do Estado, pautada por um diálogo, racional e constante, que não desconsidere o texto da Constituição."

"Considero corretíssima a afirmação de que não há crise e de que o debate atual é resultado dos progressos obtidos pelo Judiciário, e não sintoma de crise ou deficiência do sistema", afirma o criminalista e fundador do Instituto de Defesa do Direito de Defesa Arnaldo Malheiros Filho.

A chamada crise teve início quando a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, afirmou que havia no Judiciário "bandidos de toga", o que justificaria o protagonismo do CNJ nas investigações. O órgão revelou haver dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que indicariam recebimento indevido de valores por magistrados e servidores. Em resposta, a AMB impetrou Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Resolução 135 do CNJ, que disciplina o procedimento disciplinar do órgão, levada nesta quarta a julgamento no STF.

No discurso, Cezar Peluso reconheceu haver casos de desvios éticos no Judiciário, mas ressalvou que as regras devem ser obedecidas. A corrupção, segundo ele, seja no Judiciário, seja na sociedade em geral, deve "ser combatida sem tréguas, segundo os padrões e os limites da ética e do ordenamento jurídico", e lembrou que "juiz não faz inquérito, nem produz prova de acusação. Nem a Justiça criminal foi inventada só para punir, senão para julgar segundo a lei". O advogado Arnaldo Malheiros Filho considerou a declaração "reconfortante".

Para o presidente do Supremo Tribunal Federal, o debate atual é resultado dos progressos do Judiciário e não sintoma de crise ou deficiência do sistema. "O aumento da transparência e a abertura do Judiciário às contribuições dos outros Poderes e da sociedade é que estão à raiz do debate sobre a modernização já em curso."

Ao comparar as corregedorias do Executivo e do Legislativio, afirmou que "nenhum dos Poderes da República se reverte do portentoso aparato de controle que (…) cerca o Judiciário mediante as corregedorias locais e dos tribunais superiores e do Conselho Nacional de Justiça (…), único órgão integrado por agentes externos a exercer contígua e rigorosa fiscalização do próprio Poder". O presidente da AMB concorda. "Todas as conquistas surgiram do trabalho dos juízes. O CNJ tem atuado de modo a coordenar os esforços da magistrados."

Segundo Cezar Peluso, depois da Reforma trazida pela Emenda Constitucional 45/2004, o Judiciário ganhou dimensão político-institucional, ocupando espaço nos debates nacionais. A explosão de demandas nos últimos 20 anos, para Peluso, comprovaria isso, revelando uma sociedade mais consciente de seus direitos e de que a Justiça é o reduto de que os cidadãos dispõem para ver seus direitos assegurados. "Nenhum, nenhum dos males que ainda atormentam a sociedade brasileira pode ser imputado ao Poder Judiciário", disse.

O advogado Antonio Correa Meyer, sócio do escritório Machado, Meyer, Sendacz, Opice Advogados, discorda. "É compreensível que o ministro, no seu discurso, tenha ressaltado as principais realizações do Judiciário, todas importantes e valiosas para o cidadão, mas sua Excelência absolve o Poder Judiciário, isentando-o de qualquer participação, mesmo que indireta, nesses males, como se esse Poder não fosse parte da realidade brasileira", diz. No entanto, concordou com a afirmação de que a nação não deve abraçar um processo de degradação do Judiciário, exacerbando um conflito social contra os juízes.

Em longa digressão sobre as mudanças sofridas e causadas pelo Judiciário no país, Peluso lembrou que o que legitimou o Judiciário como árbitro entre os demais Poderes e entre eles e a sociedade é o fato de ser sujeito apenas à Constituição, que prevê que direitos fundamentais devem ser garantidos mesmo contra pretensões da maioria. Como exemplo, citou julgamentos célebres como a demarcação de terras indígenas, importação de pneus, pesquisas com células-tronco embrionárias, sistema de cotas, manifestações pela descriminalização do uso de drogas, união homoafetiva e Lei da Ficha Limpa. O presidente do Supremo citou a ConJur ao elogiar retrospectiva assinada pelos constitucionalistas Luís Roberto Barroso e Eduardo Mendonça, que reconheceram a forma contramajoritária como a corte se posicionou em alguns desses julgamentos.

Segundo o advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams, Peluso "fez um desabafo e deu um testemunho pessoal. Foi uma exposição bonita que expressa a experiência acumulada de quem tem 44 anos de magistratura e o sentimento do dever cumprido”.

“A fala do Presidente foi extremamente feliz ao expor que as discussões sobre o Judiciário não são sinal de crise", concordou o ex-secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Pierpaolo Bottini. "Essa situação é o resultado de um processo de abertura e transparência, que começou com a Reforma de 2004”, concluiu.

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