Retrospectiva 2012

Liberdade de expressão foi enfrentada e assegurada

Autor

  • Alexandre Fidalgo

    é doutor em Direito pela USP mestre em Direito pela PUC-SP advogado e sócio do escritório Fidalgo Advogados. Integrante do conselho jurídico da Fiesp e do conselho de liberdade de expressão da OAB Federal.

31 de dezembro de 2012, 7h00

Spacca
Retrospectiva 2012 - 19/12/2012 [Spacca]A Magna Carta Republicana destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vista do Estado e da própria sociedade. A imprensa como a mais avançada sentinela das liberdades públicas, como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência.

Min. Carlos Ayres Britto
Relator da ADPF 130

É com muita honra que escrevo pela primeira vez a retrospectiva dos assuntos relacionados à imprensa, convidado que fui pela prestigiosa equipe de redação da ConJur. Como observador e advogado militante especificamente nessa seara, pude constatar que o ano que está prestes a terminar foi bastante pródigo para os assuntos da imprensa.

Temos motivos para comemorar e para nos preocupar muito. A liberdade de expressão, como valor estrutural de uma sociedade democrática, nunca antes neste país foi tão discutida, tão assegurada e, ao mesmo tempo, tão enfrentada.

Como é do conhecimento de todos os leitores da ConJur, os direitos fundamentais ou direitos humanos — aqui, a expressão toma uma dimensão internacional — são categorias jurídicas dos direitos subjetivos básicos reconhecidos aos cidadãos e protegidos na Constituição de um Estado[1].

A liberdade de expressão, contida no normativo constitucional (artigo 5º, inciso IV) que reconhece a liberdade de pensamento como direito fundamental, assegura a plena liberdade de imprensa como categoria jurídica imanente de todo Estado cujo regime político é o democrático. Em nossa Constituição, o capítulo da Comunicação Social representa um prolongamento desse direito fundamental e reforça a tutela jurídica que o Estado confere à liberdade de imprensa.

Se a Constituição Federal reconhece a liberdade de imprensa como um valor de dignidade humana, imanente que é de qualquer Estado Democrático pleno, por qual motivo ainda assistimos de todos os atores públicos violações e enfrentamento a esse direito?

O ano de 2012 teve no mês de abril um sério ataque a esse valor democrático. Referimo-nos aqui ao assassinato de Décio Sá, jornalista e blogueiro maranhense, morto a tiros em razão de elaborar matérias que traziam denúncias contra políticos e autoridades locais.

Não bastasse o evento morte em si revelar um ato de barbárie, no ponto em que estamos a discutir revela também um atentado ao direito fundamental de livre expressão do pensamento, da liberdade plena da atividade da imprensa. O assassinato de um jornalista pelo simples fato de produzir denúncias contra autoridades locais é um exemplo claro e evidente de que há ainda pensamentos de que Estado e poder não encontram no Direito seus limites e seu trilho de conduta.

Vale dizer, há pensamentos — e não pensadores — defendendo regimes totalitários, em que as liberdades civis, dentre elas a de imprensa, devem se subjugar aos interesses individuais, inadmitindo assim revelações da vida pública dos agentes ou das mazelas do poder.

Provavelmente, o mesmo móvel que acabou por cassar a palavra do jornalista maranhense motivava também os requerimentos feitos no Senado para incluir jornalistas “no quadro de funcionários de Carlos Cachoeira”, na CPI intitulada “do Cachoeira”, sob o argumento de que alguns profissionais da imprensa teriam tido com o suspeito relações espúrias, que estariam provadas por ligações telefônicas realizadas entre as partes.

Evidentemente que o Senado, ocupado inclusive por proprietários de veículos de comunicação, não desconhece a relação que a imprensa deve ter com as suas fontes. A tentativa de inclusão de profissionais de imprensa num esquema de investigação que envolve corruptos e corruptores pelos simples fato de haver ligações telefônicas entre eles revela, na verdade, um ato de violação dos valores constitucionais de liberdade de imprensa. 

Também não passa ao largo da memória dessa retrospectiva o fato envolvendo um jornalista de um grande jornal da capital de São Paulo, afastado de suas atividades após receber ameaças por conta de reportagens sobre determinado vereador candidato nas últimas eleições.

Situações como essas, que parecem se espraiar, sobretudo em nosso continente, não podem ser admitidas e sequer toleradas, sob pena de estarmos contribuindo para fragilizar o regime político que melhor representa uma sociedade, cuja atividade jornalística é um dos valores estruturais desse regime.

A imprensa, nas palavras da Corte Suprema do Brasil, é a mais avançada sentinela das liberdades públicas, como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência, de modo que não pode sofrer as violações que presenciamos neste ano.

Também não se pode deixar de falar numa retrospectiva dos movimentos no Poder Legislativo para a aprovação da lei que busca regulamentar o exercício do direito de resposta a quem se sentir ofendido por texto jornalístico.

O projeto recebe o número de PLS 141, de 2011, e é de autoria do senador Rubens Requião. Sem pretender aqui apontar as violações de garantias processuais constitucionais que o projeto em questão revela, ou mesmo discutir a pertinência de uma lei a regular o direito garantido pela Constituição Federal, a proposta em si mais parece uma vendeta à imprensa, impondo a ela a publicação de respostas sem garantir minimamente que os veículos possam provar seu material jornalístico.

Garantir a veiculação de resposta após uma análise superficial por verossimilhança de direito, tal como uma tutela de urgência lato sensu, é cercear o direito de o veículo de comunicação provar o seu texto e a sua informação. Diferentemente do que acontece num processo judicial democrático — em que, em seu curso, haverá a possibilidade de uma fase instrutória, garantindo o direito à prova plena, para ao final haver uma sentença, que poderá concluir diferentemente do que foi decidido inicialmente —, na hipótese do PLS 141, a chamada tutela de urgência constitui, na verdade, a sentença definitiva, satisfativa, que impõe aos veículos de comunicação uma imediata resposta.

Como havia dito, aqui não é o espaço para tecer críticas – e são muitas – ao Projeto de Lei 141/2011, mas evidentemente chama a atenção o “embaraço” que o Legislativo está a preparar à atividade jornalística.

Sim, embaraço, pois é exatamente essa a expressão utilizada pelo constituinte — “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística” — para proteger a atividade jornalística de qualquer obstáculo ou dificuldade. O PLS 141/2011, data maxima venia, impõe embaraços à atividade jornalística, o que o transforma em inconstitucional.

Como já dizia Rui Barbosa, um dos grandes tribunos deste país, “O poder de fazer a lei não compreende o de reformar a Constituição. Toda lei que cerceie instituições e direitos consagrados na Constituição é inconstitucional[2]”. 

Na retrospectiva de ano em que passamos por eleições não há como deixar de lembrar a posição do Judiciário em relação aos pedidos de resposta elaborados pelos candidatos contra os veículos de comunicação. E a breve análise feita acima aplica-se também a essa hipótese. Sob o pretexto de garantir o equilíbrio no período eleitoral, e valendo-se da singularidade dos procedimentos eleitorais, caracterizado pela celeridade, a Justiça Eleitoral, notadamente a regional, acabou por conceder alguns pedidos de resposta ofertados pelos candidatos que receberem da imprensa críticas.

A discussão que me parece pertinente para esse texto é a da necessidade de separarmos a crítica jornalística da propaganda eleitoral, bem como aplicar, de forma efetiva, a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal no célebre julgamento da ADPF 130.

Evidentemente que se a propaganda eleitoral constituir ofensa ou revelar inverdades estará sujeita a concessão do direito de resposta — após a garantia constitucional da defesa plena.

Entretanto, a crítica jornalística, ainda que incomode a pretensão política do candidato, está albergada pela garantia constitucional do direito de crítica inerente à atividade de imprensa e não se confunde com propaganda eleitoral.

É de se lembrar, como já o fez o ministro Carlos Ayres Brito, que no período eleitoral não nos encontramos num estado de sítio, onde direitos e garantias ficam suspensos pela excepcionalidade do momento. Ao contrário, é exatamente nesse período que os valores democráticos soam com maior pujança e, portanto, a crítica jornalística deve, acima de tudo, ser garantida, eis que, como dito, em nada se confunde com propaganda.

Não é por outra razão que a Corte Suprema declarou, de forma retumbante, que o exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender crítica a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado.

Assegurar a interpretação dada pelo STF ao valor constitucional do exercício crítico da imprensa, especialmente aos atores políticos, é o desafio a ser enfrentado pelos tribunais regionais eleitorais para o ano de 2014. Talvez seja o momento de retornarmos ao entendimento de 2006 do Tribunal Superior Eleitoral, em que essa Justiça especializada declinava a sua competência para as questões decorrentes de material jornalístico.

O ano de 2012, como dito no início do texto, foi bastante pródigo para os assuntos da imprensa. Se por um lado esse valor constitucional foi enfrentado, por vezes violado, não podemos esquecer que a atividade de imprensa teve no Poder Judiciário, sobretudo na Corte Suprema, a garantia plena do seu exercício.

As questões de imprensa levadas ao Supremo Tribunal Federal tiveram a aplicação adequada desse valor, seja quando se precisou recorrer a ele para dirimir o aparente conflito de princípios, seja para quando necessário foi dar a correta aplicação e extensão do julgamento da ADPF 130, garantindo a crítica jornalística mesmo no período eleitoral.

Foi pela voz do Supremo Tribunal Federal que o exercício da atividade de imprensa no Brasil ganhou efetividade e materialidade. Após longo período de trabalho, de inúmeras reportagens e sofrendo toda sorte de ações, a imprensa brasileira assistiu no ano de 2012, com o julgamento da Ação Penal 470, o resultado do exercício pleno do direito de livre manifestação de pensamento e a materialização dos normativos constitucionais previstos nos artigos 5º, incisos IV, IX e XIV, e 220 da nossa Carta Política.

O julgamento e a condenação dos envolvidos no esquema de corrupção revelados desde o ano de 2005 pela imprensa nacional reforçou o valor estrutural que a atividade jornalística tem em qualquer nação que se diz democrática. A imprensa livre, com as suas virtudes e seus vícios, deve ser sempre garantida em um Estado Democrático de Direito.

Como dizia o grande Rui Barbosa, “Deixai a imprensa com as suas virtudes e os seus vícios. Os seus vícios encontrarão corretivos nas suas virtudes.”


[1] Farias, Edilson. Liberdade de expressão e comunicação: teoria e proteção constitucional. São Paulo, RT, 2004

[2] Rui Barbosa, Obras Seletas, XI – Trabalhos Juridicos, Casa de Rui Barbosa, 1962, p. 46

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  • Brave

    é sócio titular do escritório Fidalgo Advogados, doutorando em Direito Constitucional na USP; mestre em Processo Civil pela PUC-SP; especializado em Direito da Comunicação e Direito Penal.

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