Justiça Tributária

Ano de 2012 viu armadilhas da Ditadura Protelatória

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

31 de dezembro de 2012, 7h00

Spacca
Caricatura: Raul Haidar - Colunista [Spacca]A presidente da República assinou neste ano um número pequeno de medidas legais, quase todas inexpressivas. Foram 389 diplomas legais, sendo 182 leis, 165 decretos, 41 medidas provisórias e 1 lei complementar. Dentre as leis, nada menos que 43 destinaram-se a homenagear datas e pessoas, dar nome a viadutos e até mesmo decidir que um município de Santa Catarina agora é a “cidade das crianças”.

Em meio a essa legislação parcialmente inútil, temos ainda o dia nacional do reggae (11/5) e o do maquinista ferroviário (20/10). O tempo de congressistas e da presidente poderia ser melhor utilizado.

Por incrível que pareça, a única lei de natureza tributária que tem alguma importância nessa história toda é a Lei 12.741, relativa à especificação dos impostos nas nota fiscais, objeto de comentários de 17 de dezembro aqui na ConJur.

Aparentemente, a questão tributária não é importante para o governo federal e nem para o Congresso. Com a carga atual, sobra dinheiro para os salários e mordomias de todos e para a criação de inúmeros outros cargos de livre nomeação, ou seja, sem concurso. Mas isso pode não durar mito tempo.

Afinal, há indícios de que vários segmentos importantes da economia reduziram seu crescimento, a começar pelas indústrias. Já a necessidade de recursos para os investimentos em infraestrutura, educação, saúde, assistência social etc., são urgentes e crescentes. Um país que se compromete com tantas coisas (Olimpíadas, Copa, feiras etc.), precisa de ferrovias, energia elétrica que funcione, aeroportos, segurança etc., tudo isso dependendo de muitas verbas e muitos investimentos.

A quantidade de concursos públicos que estão anunciados para o próximo ano é enorme e o número de vagas é fantástico, com salários, em regra, muito acima do que se paga na iniciativa privada e com benefícios que hoje já não existem em muitos países, a começar para estabilidade e pela aposentadoria integral por tempo de serviço. Não se sabe se houve um planejamento de longo prazo que atenda às necessidades de recursos desse quadro de servidores e sequer está demonstrada a real necessidade de sua contratação.

Aquela conversa de fazer reforma tributária já foi esquecida e agora fala-se em reduzir impostos.

Paralelamente a isso, a Lei 12.766, de 27 de dezembro de 2012, feita para alterar normas de licitação, resolveu criar uma armadilha que certamente causará problemas para pessoas jurídicas, especialmente as de médio e grande porte.

Com a nova redação do artigo 22 da Lei 9.430/1966, criam-se restrições ao abatimento de juros, cujos limites e taxas serão fixados em determinadas operações por ato do ministro da Fazenda. Isto é: se o juro aumentar, a empresa pode não ser autorizada a deduzi-lo integralmente. Mais uma armadilha embutida numa lei, com o firme propósito de viabilizar multas absurdas ou mesmo atos ilícitos, se houver algum servidor público mal intencionado.

Ora, cada lei deveria tratar exclusivamente de um determinado assunto, exposto com clareza em sua ementa. Caso contrário, quando alterar o Código de Trânsito, o Congresso pode enfiar um adendo regulando o uso da maconha, ou ao legislar sobre a criação de gado, por exemplo, tentar ali regular o exercício da prostituição. Como se sabe, a imaginação dessa gente não tem limites.

Todavia, questões muito relevantes para os contribuintes ainda aguardam decisão do Judiciário, como as que tratam da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS nas importações, o problema do limite de 30% na dedução dos prejuízos acumulados, as normas sobre aproveitamento de crédito na aquisição de ativo fixo etc.

Se o Legislativo federal não promove as normas que possam adequar o sistema tributário às necessidades do contribuinte e, ao mesmo tempo, o Judiciário não resolve os contraditórios que lhe são apresentados, implanta-se um regime tributário caótico no país. Hoje, muitas empresas não se sentem estimuladas a investir, em boa parte por causa dessa insegurança jurídica.

O ex-presidente Lula apresentou duas propostas de reforma tributária, uma em cada um de seus mandatos, ambas encaminhadas logo após o carnaval. Como elas não viraram nada, pois eram apenas peças publicitárias, restou a impressão de que se tratavam de alegorias carnavalescas surgidas com atraso, depois que passou o último bloco na avenida.

Já se passou metade do mandato da atual presidente e do Congresso sem que questões sérias pudessem ser encaminhadas. Ao que parece, falta vontade de fazer, vontade de trabalhar, vontade de resolver.

Uma das questões que não avançaram é o Código de Defesa do Contribuinte, projeto que há vários anos perambula pelo Congresso como alma penada. Em 1999, foi apresentado o PL 646 do Senado e, depois, em 2001, surgiu outro, de Lei Complementar, de número 194/2001, com o mesmo objetivo.

Os diversos níveis de governo ocupam-se com os direitos dos consumidores, o que é muito bom e até mesmo serve de instrumento de ação para alguns políticos, nem todos bem intencionados. Mas parece que ninguém pretende reconhecer os direitos dos contribuintes.

Por isso mesmo é estranho que não se veja uma movimentação expressiva por parte das entidades de classe, tais como as federações de indústrias, associações comerciais, sindicatos patronais, conselhos profissionais — inclusive a OAB — e todos os órgãos de representação da chamada sociedade civil.

Já vimos confederação empresarial patrocinar pesquisas eleitorais, entidade profissional preocupada com a prevenção de doenças e entidade sindical manifestar-se sobre o patrimônio cultural. Mas o contribuinte, que afinal é quem sustenta todas essas entidades, não tem merecido a atenção necessária para exigir do Congresso a votação de seu código de defesa.

Eis aí, senhores líderes empresariais, uma pauta interessante para quebrar o tédio e tentar chegar a algo positivo.

Se na área federal está assim, nos estados e municípios está pior. Pensa-se exclusivamente em arrecadação, ignorando-se completamente direitos dos contribuintes e mesmo as normas constitucionais.

Em São Paulo, praticamente já se extinguiu a defesa administrativa em ambos os níveis. Defesas de primeira instância servem apenas para homologação do auto de infração pelo julgador, enquanto o TIT e os Conselhos, onde os há, seguem muito próximo disso: o contribuinte é culpado até prova em contrário, quase sempre sendo a prova ignorada.

Desde algum tempo sustentamos que, em matéria tributária pelo menos, havia sido implantada no país uma ditadura protelatória, onde as autoridades impunham sua vontade com base apenas em suposto apoio popular, como se quem vencesse a eleição já não era membro de um poder, mas o próprio poder, um deus endeusado por si mesmo. E como tal divindade não queria ou sabia como resolver coisa alguma, bastava-lhe adiar ad aeternum o problema, na esperança de que ele fosse esquecido.

Tudo o que vimos neste ano em matéria tributária foi apenas uma enorme quantidade de armadilhas tributárias. O Judiciário, por sua vez, não nos oferece a necessária segurança jurídica, a tal ponto que até súmulas são revogadas ou alteradas com frequência, como se tivesse razão quem disse que no Brasil até o passado é imprevisível.

Mesmo assim, nós, os brasileiros, somos otimistas e acreditamos que o futuro será melhor, até porque já nos garantiu um deputado eleito com expressiva votação que diz que “pior que tá não fica”.

Nossa presidente afirmou nesta semana que 2013 é o ano de reduzir impostos. Vamos aguardar. Pode ser que desta vez estejamos enganados. Mas, mesmo assim, só reduzir impostos não resolve tudo e precisamos de uma revisão do sistema tributário onde sejam atingidas três metas: a) redução da carga tributária; b) simplificação da burocracia; e c) segurança jurídica.

Com uma carga de 37% ou mais do PIB, pouco sobra para que as pessoas físicas ou jurídicas possam investir. Além disso, uma carga desse nível não só inibe o desenvolvimento do país como aumenta a margem para o interesse pela economia informal ou pela sonegação.

A necessidade de simplificação das rotinas fiscais, com redução da burocracia, é meta também prioritária. Muitas empresas hoje empregam recursos expressivos apenas para atender exigências do fisco, boa parte das quais sem qualquer utilidade.

Também precisamos de uma segurança jurídica razoável nas normas que regulam nossa tributação. Não podemos ter decisões que mudam como o vento ou mesmo de normas jurídicas que se alteram todos os dias. O contribuinte tem o direito de saber qual o imposto vai pagar e quais as obrigações deverá cumprir, não amanhã cedo, mas dentro de um prazo mínimo de um ou dois anos, para que possa fazer seus planos com alguma possibilidade de precisão.

Nossa presidente foi eleita num processo legítimo e democrático. Não se trata de um ditador e não parece que esteja assim se comportando. Mas, depois de passados dois anos, não pode, na questão tributária, que é essencial para o desenvolvimento do país, aceitar protelações. Ela já demonstrou que aprecia o cumprimento objetivo de metas.

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    é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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