Retrospectiva 2012

Tribunais se rendem às redes sociais e Google é o réu

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

25 de dezembro de 2012, 7h00

Spacca
Caso o leitor esteja lendo esta retrospectiva, escrita antes do dia 21, certamente o mundo não acabou. Mas se acabasse, certamente teria como trilha sonora o “Gangnam Style”, o videoclip mais assistido em todos os tempos no Youtube.

Já na internet jurídica brasileira o ritmo é o do samba do afro-descendente doido. Politicamente correto e dificultoso na utilização do processo eletrônico. Claudicante no estabelecimento de novos princípios – ou na consolidação dos já existentes sob a ótica das novas tecnologias – e na garantia de liberdades, especialmente a liberdade de expressão.

Quase metade dos cerca de 194 milhões de brasileiros tem acesso à internet no país, segundo pesquisa divulgada recentemente pelo Ibope. E uma porcentagem destes pulou cedo da cama para comprar o iPhone 5, mesmo caro e incompatível com a tecnologia 4G, por enquanto ausente no país. Marca esta que se mostrou bastante polêmica neste finalzinho de ano, com a anterioridade do registro no INPI pertencente a empresa Gradiente, que lançou seu próprio “iphone”. E tudo isso porque, muito provavelmente, os dispositivos móveis serão os principais meios de acesso direto a rede em um futuro muito próximo. Queiramos ou não, estaremos conectados todo o tempo. E cada vez mais monitorados.

O receio do controle vigilantista e totalitário continua pairando, e ainda sob o pretexto do terrorismo e das guerras cibernéticas. Em tempos de IPv6, nono dígito e de internet das coisas, a possibilidade de acessos indevidos e por consequência o controle remoto (e indevido) de dispositivos alheios, que vão de smartphones a cafeteiras elétricas, passando por carros, usinas, até aviões de carreira, assombra os mais paranoicos que clamam por mais segurança pessoal e profissional, que por sua vez demanda mais investimentos e afeta cada vez mais a privacidade e a liberdade de expressão dos cidadãos que acham que não têm nada a esconder.

O Processo Judicial eletrônico da Justiça do Trabalho comemorou um ano de implantação, com o primeiro recurso de revista eletrônico do país ocorrendo em junho, no TRT de Mato Grosso. O Superior Tribunal de Justiça alcançou a expressiva marca de um milhão de processos eletrônicos. A OAB do Paraná é a seccional com maior número de advogados com certificação digital já emitida.

O registro de novos nomes de domínio mundiais junto da ICANN segue seu ritmo com um punhado de brasileiros na fila, entre eles o “.rio”. Eventos mundiais como o Internet Governance Forum (IGF) e World Conference on International Telecommunications (WCIT), além das próprias Meetings da ICANN, mostram-se cada vez mais polêmicos nas questões regulatórias. Tanto na defesa da necessidade como na desnecessidade de regulamentações específicas ou por este ou aquele órgão ou país.

Redes sociais

As redes sociais caíram no gosto popular e continuam em cômoda posição de destaque, especialmente Facebook e Twitter, este último estabelecendo sede no país recentemente. Praticamente todos os tribunais se renderam. Com a possibilidade de se criar comunidades no Google+, antes tarde do que nunca, é decretada a morte tácita do Orkut. A Microsoft lança muito timidamente a sua própria rede social. Tão timidamente que pouca gente ficou sabendo.

Os usuários continuam acreditando em tudo que lêem. Muitos foram vítimas de hoaxes (boatos), bullying (provocações) e trolling (chacotas). Destaque para os “disclaimers declaratórios”, verdadeiras correntes versando sobre novas políticas de privacidade ou de direitos autorais e a necessidade de se declamar, ou melhor, de se compartilhar nos próprios perfis ou “timeline” um texto rocambolesco que começa assim:

“Aos dezoito dias do mês de Dezembro do ano de dois mil e doze, encontrando-me no pleno gozo das minhas faculdades mentais, eu, titular desta conta no Facebook, declaro, para quem interessar possa e em especial para a empresa administradora do Facebook, que meus direitos autorais estão ligados a todos os meus dados pessoais, comentários, textos, artigos, ilustrações, quadrinhos, pinturas, fotos e vídeos profissionais, etc (como resultado da Convenção Berner)(…).”

Com isso a internet revela sua parcela de mais dúvidas do que certezas, demandando proatividade – pesquisar a veracidade antes de repassar ingenuamente. E não, a garotinha com câncer não vai receber 5 centavos toda vez que você repassar a foto.

Também já neste final de ano o Instagram, que foi adquirido pelo Facebook, provocou polêmica com a alteração unilateral de seus termos de uso, cuja interpretação dá a entender que as fotos de seus usuários poderiam ser aproveitadas de modo sub-repitício para fins comerciais. Empresas como a National Geographic não gostaram, e houve muitos cancelamentos de contas em sinal de protesto. Em temos de nuvem, forçosamente os termos de uso tomam cada vez mais importância no contexto do armazenamento de informações e dados pessoais.

E o Papa Bento XVI é mais pop que o Justin Bieber, superando-o no número de retweets no Twitter. Com pouco mais de uma semana de sua primeira manifestação em menos de 140 caracteres, o sumo Pontífice já conta com mais de 2 milhões de seguidores. Mas Bieber continua imbatível, com 15x mais seguidores que o Papa.

E-books

Como o papel tem seus dias contados, só não se sabe quando, os e-books ganham ainda mais impulso com a Amazon, enfim, fincando o pé no Brasil, bem como o Google Play começando a vender conteúdos digitais e também ebooks.

Leitores específicos de ebooks prometem se tornar mais populares e acessíveis, como o Kindle, embora já se preveja seu iminente declínio em vista da popularização de seus concorrentes diretos, os tablets, que possuem mais funções embora sejam mais caros.

Eleições

É cada vez mais difícil limitar as manifestações em geral em ano de eleição. Testes de vulnerabilidade foram novamente realizados nas urnas eletrônicas e polêmicas surgiram, como sempre, com destaque para a decretação por duas vezes da prisão do diretor geral do Google no Brasil. Em Campina Grande, na Paraíba, pelo fato da empresa não ter removido do YouTube um vídeo que estaria ridicularizando, segundo o juiz eleitoral, um dos candidatos à prefeitura. E em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em virtude da não retirada de vídeos, também do YouTube, que estariam citando um dos candidatos a prefeito como suspeito de práticas criminosas. Obviamente, tais decisões repercutiram (negativamente) na imprensa internacional.

Vários candidatos foram multados por propaganda antecipada na Internet, e o Facebook igualmente foi veículo de propagandas eleitorais consideradas irregulares.

Legislação

Aleluia, a internet brasileira deixou de ser uma terra sem lei. Agora não com uma, mas com duas leis versando sobre os crimes informáticos ou cibercrimes.

Uma delas, batizada de lei Carolina Dieckman, teve tramitação bastante célere e tipificou o crime de invasão não autorizada de dispositivo, porém de forma um tanto confusa, e a outra é o resultado do PL 84/99, ou lei Azeredo: de cerca de 20 artigos restaram apenas 4 e de menor importância para aqueles que defendem a necessidade de mais rigor. A vigência de ambas está prevista para abril de 2013.

O teletrabalho também mereceu lei específica no final de 2011, com avanços ainda tímidos, porém promissores. Parece ser uma das soluções possíveis para os congestionamentos e mesmo para uma melhor qualidade de vida. Falta, ainda os patrões reconhecerem tal inovação.

A elaboração e arquivamento de documentos digitais também contou com lei específica, sancionada em julho com diversos vetos, tornando a quase inútil. Também a criação de um banco de DNA de criminosos foi objeto de legislação específica neste ano, mas ainda são poucas notícias de sua implementação, bem como ainda poucas notícias sobe o avanço na adoção do Registro de Identidade Civil (RIC) ou número único, que se mostra tão preocupante quanto inevitável no quesito privacidade. Sempre ela.

Nos Tribunais

O dever de empresa que hospeda sites de fiscalizar o conteúdo publicado foi objeto de repercussão geral no Plenário Virtual do STF – provavelmente a primeira versando sobre internet.

No STJ, várias decisões em Recursos Especiais envolvendo o Google e o Orkut no âmbito das relações de consumo, boa parte delas pela lavra da Ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma. Para ela, há desnecessidade de filtragem prévia nas buscas, e de fiscalização prévia do teor das informações postadas no site pelos usuários. Mas se notificado sobre a ilicitude de conteúdo (texto ou imagem) presente em rede social, no caso o Orkut, o Google deverá retirá-lo do ar em 24 horas, sob pena de responsabilização solidária com o autor do dano.

O TST virou fã ardoroso da rede do Zuckerberg, foi o primeiro Tribunal a transmitir uma sessão pelo Facebook e conta com mais de 50 mil fãs. O STJ lançou seu canal no Youtube, e os tribunais estaduais comemoram o crescente número de seguidores virtuais.

Projetos de lei

O principal projeto de lei em trâmite hoje é o Marco Civil da Internet, apelidado de ciberconstituição e que pretende resolver várias mazelas internéticas. Ele mereceu a instalação de comissão especial na Câmara dos Deputados, e a expectativa era de que fosse aprovado antes de uma lei penal – para que houvesse antes uma lei que garantisse direitos para então se querer aprovar uma lei punitiva e restritiva, sustentavam os ciberativistas, que se frustraram com os sucessivos (cerca de seis ou sete) adiamentos de votação pelo plenário da Câmara por ausência de acordo entre os líderes.

Talvez e principalmente porque o princípio da neutralidade se mostrou muito mais polêmico do que se esperava. E para piorar, ou dificultar ainda mais, as discussões sobre guarda de logs, ou registros de conexão e acesso por parte dos provedores (guarda essa tão combatida no âmbito penal) se instalaram no âmbito cível, com os defensores dos direitos autorais “tradicionais” ajudando a fazer mais água na canoa das liberdades.

Aliás, os anteprojetos de proteção de dados pessoais e da reforma da lei de direitos autorais ainda não encontraram seus respectivos caminhos legislativos, e repousam solenemente em alguma gaveta ou disco rígido. Mesmo, no caso autoral, com a esperança renovada na nova ministra Marta Suplicy.

O projeto de lei do novo Código Penal e o da reforma do Código de Defesa do Consumidor também contemplaram vários artigos sobre cibercrimes e comércio eletrônico. Com alto grau de previsibilidade, se avolumam cada vez mais as propostas em tramitação sobre internet e novas tecnologias, direta ou indiretamente.

Adeus a um pioneiro

Por último, lamentamos o falecimento do pioneiro do Direito da Informática no Brasil, Amaro Moraes e Silva Neto, vítima de câncer. Pessoa ímpar que condenava a “legismania” e que fará muita falta nas discussões tecnológicas.

Autores

  • é advogado, presidente de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI), membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e responsável pelo site Internet Legal (http://www.internetlegal.com.br).

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