Retrospectiva 2012

Ano de importantes mudanças para infraestrutura pública

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24 de dezembro de 2012, 7h00

Spacca
O ano de 2012 foi caracterizado por profundas mudanças na aplicação do direito administrativo pertinente a um tema cada vez mais fundamental para o país: a infraestrutura pública. Houve uma intensa atividade legislativa e administrativa que acabou repercutindo nos noticiários jurídicos e econômicos especializados nesse assunto de interesse para todo o país — e, quiçá, o mais relevante ao direito administrativo moderno, sobretudo com a ascensão do Brasil como um país emergente na ordem econômica mundial, o que lhe exige a disponibilização de uma infraestrutura eficiente a fim de auxiliar o crescimento e desenvolvimento econômico.

No que tange à regulação das infraestruturas de transporte terrestre e aéreo, pode-se afirmar que o destaque do ano foi a licitação de três grandes aeroportos no país: Guarulhos, Viracopos e Brasília, os quais deram continuidade a um processo iniciado em 2011 com o Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. Havia uma crítica ao modelo brasileiro adotado para a exploração desses grandes aeroportos, o qual não contava com o auxílio de parceiros privados sob um regime de concessão de serviços públicos[1].

Com o sucesso dos modelos de outros países latino-americanos, como os aplicados no Aeropuerto Jorge Chávez, em Lima, Aeropuerto El Dorado, em Bogotá, e Aeropuerto Arturo Benítez, em Santiago de Chile, seguramente causava estranheza que o maior vizinho do continente não tivesse ainda promovido um programa nacional de gestão privada para seus principais aeroportos. Diante disso, optou-se por uma modelagem de leilão de ativos, tendo havido muitas críticas no tocante à maior prioridade dada aos recursos levantados do que, especificamente, à melhora da gestão do serviço público — em que pese a reafirmação do governo de que o modelo trará, deveras, melhorias na qualidade do serviço[2].

O ano de 2013 nos reserva o futuro desse modelo e, outrossim, saber a que lado assiste a razão, tendo em vista que os concessionários já iniciaram a etapa de transição nos últimos meses e a exploração será intensificada daqui em diante. Ademais, o próximo ano também estará marcado pela concessão de novos aeroportos, na qual já se estuda uma modelagem que poderia significar maior participação da estatal Infraero nos consórcios formados para a exploração aeroportuária. Ou seja, sem dúvidas haverá novidades regulatórias no setor, o que deve ensejar um ambiente de ampla discussão doutrinária em 2013.

No setor de rodovias, o ano foi distinguido pela licitação para a concessão do trecho da BR — 101/ES/BA, dentro da Fase II da Terceira Etapa das Concessões Rodoviárias Federais. Entretanto, por conta de disputas jurídicas — tanto no Tribunal de Contas da União como no Poder Judiciário — entre dois licitantes, a conclusão do procedimento poderá ocorrer somente no ano de 2013, importando, dessarte, em significativo atraso no início da concessão. Não obstante esse fato, o Governo Federal já incluiu para consulta pública, agora em 2012, os trechos da Fase I (BR-040 DF/GO/MG e BR-116 MG) e Fase III da Terceira Etapa das Concessões Rodoviárias Federais (BR-101 BA, BR-262 ES/MG, BR-153 GO-TO, BR-050 GO/MG, BR-060/153/262 DF/GO/MG, BR-163/267/262 MG e BR-163 MT).

De forma inédita, promove-se uma interiorização das concessões rodoviárias federais, em Estados como Minas Gerais, Goiás, Tocantins, Distrito Federal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o que até outrora estava concentrado nos Estados litorâneos brasileiros — onde estão localizadas, segundo a recente pesquisa da Confederação Nacional do Transporte para 2012, as melhores rodovias do país. Tal medida visa a atender o anseio de boa parte da população do Centro-Oeste brasileiro, a qual convive diuturnamente com rodovias de péssima qualidade na região. Ou seja, 2013 reserva uma grande expansão no setor (somando-se à BR-101/ES/BA da Fase II, serão oito novas concessões federais) e a melhora substancial na infraestrutura rodoviária brasileira. O desafio regulatório hodierno é priorizar a qualidade do serviço ao invés do valor da tarifa de pedágio, o que só poderá ser feito prescindindo-se do emprego da inversão de fases do artigo 18-A da Lei 8.987/95. Tal mecanismo é interessante em modalidades como o pregão; todavia, em licitações nas quais a qualidade da contratação é fator relevante, o fato de se priorizar o valor da tarifa do pedágio vem acarretando algumas distorções de qualidade nas rodovias federais brasileira. O anseio é, portanto, que a modelagem a ser adotada esteja mais preocupada com a viabilidade dos investimentos e o nível de serviços do que com o valor da tarifa, não se valendo sobremaneira da inversão de fases, como tem sido promovido até então.

Nas ferrovias brasileiras, não ocorreram as novas licitações preconizadas e nem a concretização do principal projeto da atual gestão do Governo Federal: o Trem de Alta Velocidade (TAV) entre os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Com a criação da Empresa de Transportes Ferroviários de Alta Velocidade S/A (ETAV), autorizada em 2011 (Lei 12.404), estimava-se que a licitação do TAV teria o seu termo final bem-sucedido no presente ano. Contudo, com uma mudança de visão para a função da ETAV introduzida pela Medida Provisória 576/2012 e sua conversão na Empresa de Planejamento e Logística S/A (EPL), ela passou a ser muito mais uma entidade de planejamento e gestão do que de execução, resgatando-se algumas das funções do extinto Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (GEIPOT), criado pelo Decreto 57.003/1965.

Dessa forma, vislumbra-se o ano de 2013 como um “ano das ferrovias”, tendo em consideração que a EPL deverá impulsionar os investimentos no setor por meio de um planejamento que priorize o setor ferroviário brasileiro, há muito esquecido pelos investimentos federais. Diferentemente do setor rodoviário, que possui uma capacidade quase que natural de “autoexpansão” em razão da própria demanda contínua que gera na sociedade, o setor de ferrovias depende imensamente de políticas ativas estatais para que se desenvolva e, dessa forma, busque a maior interiorização e deságue da produção nacional. O ponto regulatório que provocou um “solavanco” no setor em 2012 e merece ser recordado foi a redefinição das tarifas-teto pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), causando reduções drásticas no valor das tarifas das concessionárias de ferrovias — obrigando algumas, inclusive, a se socorrer ao Poder Judiciário para garantir o respeito aos contratos de concessão firmados na década de noventa do século passado.

Uma questão que ficou pendente de resolução jurídica no ano — e que volverá à tona em 2013 — é o advento do termo contratual das concessões rodoviárias estaduais gaúchas, previsto para o ano vindouro. O Governo do Estado do Rio Grande do Sul, por decisão política, não irá renovar os contratos de concessão e nem promover nova licitação para manter a gestão do serviço público de exploração rodoviária sob a incumbência dos particulares. Diante desse contexto, autorizou a criação da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), estatal que assumirá as rodovias estaduais e ficará responsável pela prestação do serviço público nessas vias, dado que as rodovias federais anteriormente delegadas ao Estado, integrantes do Programa Estadual de Concessões, serão devolvidas à União. Sem adentrar no mérito da decisão política — ainda que caiba comentar, en passant, que ela vai de encontro à tendência do Governo Federal de cada vez mais contar com o apoio da iniciativa privada nessa seara —, há uma questão não resolvida de desequilíbrio econômico-financeiro, constatado em estudos, que o governo estadual recusa-se a reconhecer. Isso causa um impasse jurídico com relação aos bens da concessão — questão bem delineada por Eros Roberto Grau[3] — que envolve a reversão dos bens e outras consequências jurídicas na extinção dos contratos, cuja pedra de toque é a segurança jurídica que deve permear os investimentos em infraestrutura. Ante esse quadro, o Estado deixa de atuar como um incentivador, passando a ter um comportamento unfair perante o investidor e a própria sociedade ao se recusar a saldar a pendência jurídica e econômica existente — o que, ao final, obriga o particular concessionário a judicializar uma questão que fatalmente irá voltar-se contra o próprio Estado inadimplente no futuro. Espera-se que 2013 seja um ano em que as decisões políticas não prejudiquem a racionalidade jurídica do sistema de concessões, sob pena de ser um imenso retrocesso à evolução da curva de aprendizado experimentada no setor de concessões de serviços públicos na última década.

Em termos de novidades legislativas, o ano foi um “laboratório jurídico” para o novo Regime Diferenciado de Contratações (RDC), fruto da Lei 12.462/2011. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), por exemplo, utilizou-se do novo procedimento para contratação de obras de manutenção da BR-242.

Ainda que exista muita controvérsia entre os administrativistas no que concerne à aplicação de alguns de seus dispositivos em cotejo com o ordenamento pátrio[4], o instrumento acabou, em 2012, tornando-se cada vez menos “diferenciado” e abarcando uma multiplicidade de hipóteses para a Administração Pública, levando a crer que o instituto realmente veio para substituir, em um futuro próximo, a Lei 8.666/93 na contratação de obras e serviços de infraestrutura pública.

Cumpre também destacar o advento da Lei 12.618/2012, a qual instituiu o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargos efetivos, em cumprimento aos dispositivos constitucionais inscritos por ocasião da reforma da previdência social ocorrida em 2003 e que, até então, não haviam sido disciplinados (parágrafos 14, 15 e 16 do artigo 40 da Constituição Federal)[5]. O surgimento de entidades de previdência complementar vinculadas aos servidores públicos federais de cargos efetivos é uma tendência mundial e abre espaço para investimentos em setores de infraestrutura pública, tal como já o fazem os fundões de pensões canadenses — e, no caso pátrio, a Invepar, ao congregar os fundos de pensão das estatais Caixa Econômica Federal (Funcef), Banco do Brasil S/A (Previ) e Petróleo Brasileiro S/A (Petros) e canalizar parte dos recursos capitalizados em investimentos de infraestrutura rodoviária, ferroviária, aeroviária, portuária e urbana.

Houve alterações também no regime das Parcerias Público-Privadas (PPPs) com a edição da Medida Provisória 575/2012, mormente com o Fundo Garantidor e a diminuição das restrições com as despesas de caráter continuado para as PPPs do artigo 28 (cujo limite para concessão de garantias ou transferências da União era, inicialmente, de 1% da receita corrente líquida, passando para 3% em 2009, e, atualmente, para 5%), promovendo maior espaço fiscal para investimentos sob a égide dessa modalidade de concessão. O novel instituto do aporte de recursos públicos instituídos na mesma MP também é algo que vai demandar constantemente os profissionais em 2013, máxime com o crescimento do volume de PMIs estaduais previsto para o próximo ano; é de se lamentar, por outro lado, que não se tenha enfrentado com mais profundidade a questão da desoneração tributária para o aporte a esses investimentos, o que afeta primordialmente aqueles executados nas esferas estadual e municipal.

Ao se permitir apenas um diferimento no pagamento dos tributos federais sobre o aporte — e não a sua desoneração —, ocorre, na prática, uma incorporação desses recursos públicos subnacionais pelo ente federal, mediante a tributação incidente nesses recursos públicos transferidos aos investidores privados.

Ainda sobre as medidas provisórias, uma novidade que foi recebida com muita desconfiança pela sociedade foi a Medida Provisória 579/2012, a qual autorizou a prorrogação das concessões de energia elétrica e introduziu algumas desonerações fiscais no setor, mas provocou alterações que acabaram atingindo diversos investidores e players no mercado, ensejando um descontentamento generalizado no setor.

Enfim, o ano de 2012 foi um ano bastante profícuo para os administrativistas que se ocupam dos mais diversos tópicos relacionados à infraestrutura pública. Há a expectativa que esse seja um dos ramos da disciplina que mais evolua nos anos subsequentes, sobretudo em razão de diversos compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil — como a Copa das Confederações da FIFA 2013 e a Copa do Mundo FIFA 2014, além dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, no Município do Rio de Janeiro — e, principalmente, em virtude de uma agenda de desenvolvimento já traçada pelo país — pela qual o crescimento e desenvolvimento econômico passam a ser uma meta a fim de incluí-lo entre uma das principais economias mundiais na próxima década.

Observa-se, por conseguinte, um direito administrativo moderno muito mais voltado a assuntos de desenvolvimento econômico-social do que a questões burocrático-institucionais — tal como ocorrera da década de cinquenta do século passado até o fim do milênio, dentro do processo de formação institucional brasileiro e sua posterior reforma na década de noventa.

[1] Considerando-se, no entanto, a experiência do Aeroporto de Cabo Frio no começo da década passada.

[2] Ver, com relação ao assunto, nosso artigo em coautoria com Gabriel Feriancic, intitulado Ambiente regulatório-institucional no setor de infraestrutura aeroportuária brasileira, publicado nas Memórias do “VII Congreso Iberoamericano de Regulación: energía, minería, petróleo, gas y otros sectores regulados” pela Universidad Externado de Colombia, Bogotá, 2012, p. 229-249.

[3] Extinção da concessão de rodovias e bens públicos, publicado em O Estado de São Paulo, coluna Opinião, em 30 de agosto de 2012. Disponível online em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,extincao-da-concessao-de-rodovias-e-bens-publicos-,923501,0.htm>

[4] Nesse ponto, remeto o leitor ao nosso Aspectos do Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para obras de infraestrutura urbana, publicado em coautoria com Paulo Victor Barchi Losinskas na Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF, ano 1, v. 2, jul./dez. 2012, p. 121-145.

[5] Dita lei foi regulamentada pelo Decreto nº 7.808/2012 para criar a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo – Funpresp-Exe (permitindo também a participação dos entes do Poder Legislativo, por meio de um convênio de adesão, consoante o artigo 5º do Decreto) e pela Resolução nº 496/2012, do Supremo Tribunal Federal, para criar a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Judiciário – Funpresp-Jud .

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