Tribunal do Júri

O poder da repetição é essencial para fixar imagens

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23 de dezembro de 2012, 8h44

Não importa se a testemunha relevante da defesa ou da acusação vai responder à inquirição por alguns minutos, horas ou dias. Tanta coisa acontece no julgamento — e tantas distrações rondam a sala do Tribunal do Júri — que, no momento do veredicto, só vai restar na mente dos jurados alguns trechos do testemunho. E não há nenhuma garantia de que serão os "trechos" que interessam à defesa ou à acusação. A não ser que a retenção pelos jurados, do testemunho decisivo, seja induzida.

Como um advogado ou promotor pode induzir a retenção, por todos os jurados, de uma parte essencial de um testemunho? O uso de uma demonstração — ou a dramatização de uma parte fundamental do testemunho — é uma técnica, como mostrou a revista ConJur. Outra técnica que funciona bem é a da repetição, diz o advogado e professor de Direito Elliott Wilcox, editor do TrialTheater.

Muitas vezes, uma única frase com meia dúzia de palavras, proferida por uma testemunha-chave, pode decidir um julgamento. Fatos são mais fáceis de lembrar. Argumentos também. Profissionais de Direito podem manejá-los com maestria. Mas a frase "importantíssima", dita pela testemunha, pode não carregar o mesmo vigor — ou a mesma veemência — de um ato executado pelo profissional no julgamento. Assim, a frase decisiva pode passar despercebida.

"Se alguns jurados perdem o ponto fundamental do testemunho, a perda é desastrosa. É como se o testemunho sequer tivesse ocorrido, porque o que sobra não ajuda muita coisa", diz Wilcox. "Os jurados não são robôs, que podem ser programados para registrar tudo o que se fala no tribunal do júri. Por isso, você deve se preocupar em registrar na mente deles o que realmente interessa para a formação da opinião deles sobre a culpabilidade do réu", explica. Para isso, existe "o poder da repetição".

Caso exemplar
Terminou na Justiça um caso de briga em bar, em que um homem quebrou uma garrafa de cerveja na cabeça do outro, deixando a vítima inconsciente no chão. O réu admitiu o fato — e não podia fazer outra coisa, porque havia testemunhas. Porém, alegou legítima defesa. A vítima tinha 1,95 metro de altura, pesava quase 100 quilos — nos autos, foi descrito como o "grandão" (big guy). O agressor tinha 1,52 metro de altura, 63,5 quilos — nos autos, foi descrito como o "baixinho" (little guy).

Uma testemunha-chave da defesa contou o que viu: "Quando ouvi a gritaria, olhei e vi o grandão dando um soco no baixinho". A testemunha teria a história toda para contar — e iria contá-la. Mas antes, para a defesa, interessava fixar na mente dos jurados essa frase: "vi o grandão dando um soco no baixinho". Por si só, essa frase matava a charada. Alguma dúvida na mente de alguém de que foi legítima defesa? Sim, na mente do jurado que voou para fora do tribunal no momento da declaração.

Nos Estados Unidos, assim como em outros países, o advogado e o promotor não podem pedir à testemunha: "O senhor pode, por gentileza, repetir para os jurados o que o acabou de declarar?". A outra parte protesta: "Pergunta já feita, resposta já dada". Nem mesmo se passar por surdo, para pedir a repetição do testemunho. Gera protesto, da mesma forma, e perda de credibilidade do advogado ou promotor. Mesmo onde pode, não convém. Melhor é repetir a declaração na formulação de novas perguntas.

Que perguntas? Qualquer uma. Na verdade, o que mais interessa é a certeza de que cada membro do júri vai ouvir algumas vezes a batida na tecla: "O grandão deu um soco no  baixinho". Por exemplo:

— A que distância o senhor estava, quando viu o grandão dando um soco no baixinho? [função da pergunta: repetir a frase.]

— Cerca de 3,5 metros, calculo…

— Como de onde o senhor está até o primeiro jurado da esquerda? [função da pergunta: envolver os jurados na história e nada mais, porque qualquer um pode visualizar 3,5 metros.]

— Não, menos. Como daqui até onde o senhor está.

— Como o senhor não deve ser especializado em lutas de box, o senhor pode mostrar como foi o soco que o grandão deu no baixinho? [função da pergunta: repetir a frase e dramatizar um ponto essencial do testemunho, para gravar a ação na memória de todos os jurados.]

[A testemunha dramatiza a cena]

— Houve alguma reação dos outros frequentadores do bar quando o grandão deu um soco no baixinho?

A resposta à última pergunta não tem a menor importância. O que importa é a repetição da frase fundamental por três vezes. "Tem de ser três vezes. Duas vezes, é pouco; quatro, é demais", diz Wilcox, sem apresentar qualquer base científica para sua definição de quantidade — talvez esteja se baseando em sua própria experiência. De qualquer forma, parece ser o suficiente para imprimir a frase na mente de todos os jurados.

O número de eventos que o advogado ou promotor deve se esforçar por fixar na mente dos jurados fica mais ou menos na mesma faixa: dois, três, quem sabe quatro eventos fundamentais. É preciso pensar em termos de destaques, diz Wilcox. Os mais importantes e só os mais importantes. O resto é informação complementar ou suplementar que, no final das contas, não será decisiva. "É como você marcar palavras ou pequenos trechos no texto de um livro. Você só marca aqueles que vão disparar o processo de recordação. Não faz o menor sentido pintar quase a página inteira do livro de amarelo", argumenta.

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