Constrição de bens

A personalidade jurídica na Justiça do Trabalho

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22 de dezembro de 2012, 6h07

A desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho é atualmente um instituto que tem trazido bastante preocupação para quem milita no âmbito desta especializada, assim como para os sócios e até mesmo ex-sócios das empresas executadas.

Isto porque, tornou-se comum na fase de execução da sentença, quer seja ela de caráter definitivo ou provisório, a aplicação desse instituto pelos juízes trabalhistas, antes mesmo de se esgotar os meios de localização dos bens pertencentes ao acervo da sociedade.

Não são raras as vezes em que nos deparamos com decisões proferidas no processo do trabalho, através das quais são determinadas a constrição dos bens da empresa e também dos bens dos sócios, inclusive e especialmente a denominada e temida penhora “on line” de ativos financeiros.

Convém lembrar que, como regra, a empresa possui personalidade distinta da de seus sócios, no entanto, é cada vez mais comum que os mesmos respondam com o seu patrimônio pessoal para satisfação do crédito trabalhista.

Não iremos falar sobre a possibilidade dos sócios aventarem o alegado benefício de ordem previsto nos artigos 827 e 1.024, ambos do Código Civil e artigo 596, do Código de Processo Civil, o que se traduz em eventual responsabilidade solidária ou subsidiária dos sócios frente às dívidas da sociedade.

A questão cinge-se somente na desconsideração da personalidade jurídica para o fim de imputar aos sócios o dever de responder pelas dívidas trabalhistas.

É cediço que a legislação trabalhista não contempla qualquer regra sobre o tema, de modo que o artigo 8º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, autoriza que as normas de direito comum sejam fonte subsidiária do Direito do Trabalho.

Desta forma, é assente na doutrina e na jurisprudência trabalhista, quando o assunto envolve a desconstituição da personalidade jurídica, a aplicação do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, conforme entendimento que se extrai do artigo 50 do primeiro e artigo 28 da legislação especial.

Dispõe o artigo 50 do Código Civil, verbis:

“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público qual lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”

Ainda, estabelece o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor:

“O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houve abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”

O autor Mauro Schiavi, em sua obra Execução no Processo do Trabalho, 2ª edição, editora LTr, página 136, afirma que “…Atualmente, a matéria está regulamentada pelo artigo 28 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e artigo 50 do Código Civil, que encaparam a teoria da “desconsideração da personalidade jurídica”, também conhecida como disregard doctrine, disregard of legal entity, lifting the corporate veil, oriunda do direito anglo-saxão e introduzida ao direito brasileiro por Rubens Requião…”

Não obstante, o autor Carlos Henrique Bezerra Leite, em seu livro Curso de Direito Processual do Trabalho, 10ª edição, editora LTr, página 1070, também menciona que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica encontra-se previsto no artigo 28, § 5º, da Lei 8078/90 (CDC) e, pode ser aplicado, por analogia, ao processo do trabalho.

Com efeito, a legislação civilista retrata a desconsideração da personalidade jurídica de forma subjetiva, ao estabelecer regras para que os bens dos sócios possam ser atingidos. Já a lei consumerista possui norma mais abrangente em relação ao tema, uma vez que amplia a possibilidade de imputação da responsabilidade pessoal dos sócios, como se vê da leitura do mencionado artigo 28 da Lei 8.078/90.

No entanto, independente de qual norma será aplicada ao caso concreto, civilista ou consumerista, a realidade é que para a Justiça Especializada basta a ausência de bens da sociedade para que se dê início à persecução dos bens dos sócios, justificando tal entendimento em virtude da hipossuficiência do trabalhador somada ao caráter superprivilegiado do crédito trabalhista, cuja natureza é de cunho alimentar.

Impende destacar, no ponto, que o sócio também não precisa ter participado da fase cognitiva do feito ou do título executivo para responder com o seu patrimônio pessoal, uma vez que a sua responsabilidade é meramente econômica, e não processual, a luz do disposto no inciso II, do artigo 592 do CPC.

Não menos importante, ainda, é a discussão sobre o ex-sócio da empresa executada, que se retirou da sociedade há mais de dois anos, quando do ingresso da ação.

Nesta hipótese, encontramos na jurisprudência decisões um tanto divergentes, onde alguns defendem que as normas contidas nos artigos 1.003 e 1.032 do Código Civil são incompatíveis com o Direito do Trabalho, e, portanto, a responsabilidade do sócio retirante não está limitada a dois anos, após a averbação da resolução da sociedade.

Sobre este aspecto, grande parte das decisões baseiam-se na concomitância entre o período da prestação dos serviços pelo empregado e a presença do sócio retirante na empresa, salientando que o segundo é patrimonialmente responsável, de forma total ou parcial, e sem qualquer limite temporal, pelos créditos devidamente reconhecidos na ação, quando beneficiário da força de trabalho do primeiro.

Por outro lado, há os que defendem que a responsabilidade do sócio retirante não pode ser “ad eternum”, uma vez que os artigos 1.003 e 1032 do Código Civil, aplicados subsidiariamente ao processo do trabalho, delimitam o prazo de até dois anos de sua efetiva saída do quadro societário, para que o mesmo responda pelas obrigações da sociedade.

Significa dizer que é irrelevante o fato do sócio retirante ter figurado no contrato social à época da prestação dos serviços, em razão de que a sua responsabilidade não pode e não deve ser ilimitada no tempo, sob pena de afetar a própria segurança das relações jurídicas.

Por fim, cumpre abrir um parêntese para mencionar que ainda há aqueles que fundamentam as suas decisões de maneira diversa das citadas nos parágrafos anteriores, o que se justifica ante a controvérsia do tema pelos operadores do direito, quando o assunto é a desconstituição da personalidade jurídica no âmbito da Justiça Laboral.

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