Diário de Classe

A lógica do fast food e a duração razoável do processo

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22 de dezembro de 2012, 7h00

Na semana passada, tive a oportunidade de participar do 9º Encontro dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul, em Bento Gonçalves, cuja conferência de abertura, proferida pelo professor Salvatore Mazzamuto, abordou uma questão bastante interessante e ainda pouco desenvolvida no Direito brasileiro: a tal “duração razoável do processo”.

Em sua intervenção, o vice-ministro da Justiça italiana apresentou as mais recentes alterações legislativas promulgadas pelo atual governo. Lá, o fundamento do direito à razoável duração do processo está positivado no artigo 111 da Constituição: “Ogni processo si svolge nel contradittorio tra le parti, in condizioni di parità, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura la ragionevole durata”.

Desde 2001, tal dispositivo constitucional vem regulamentado pela Lei Pinto, que estabelece o direito à justa reparação dos danos causados pela violação da duração razoável do processo. Na verdade, o advento da referida legislação resultou das inúmeras condenações sofridas pelo Estado italiano em milhares de demandas movidas perante o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Ocorre que, recentemente, com a promulgação do Decreto-lei 83, de 22 de junho de 2012, que estabeleceu “medidas de urgência para o crescimento do país”, houve a reforma da Lei Pinto (art. 55), a fim de permitir um acesso mais ágil e eficaz à reparação dos danos resultantes da violação à duração razoável do processo.

Com as alterações promovidas pelo Governo Monti, compete a um juiz monocrático da Corte de Apelo decidir, inaudita altera parte, acerca dos pedidos formulados mediante recurso padronizado, instruído com cópia dos documentos exigidos em lei. Além disso, a reforma legislativa fixou parâmetros relativos ao tempo de duração dos processos: (a) três anos em primeiro grau; (b) dois anos em segundo grau; (c) um ano para o juízo de legitimidade (constitucional).

Da mesma forma, estabeleceu o quantum indenizatório correspondente, de maneira que o juiz fixará uma quantia entre 500 e 1.500 euros para cada ano ou fração de ano superior a seis meses que exceder o prazo razoável. O valor da indenização não pode superar, no entanto, o valor da causa. Caso o processo exceda os seis anos, o valor do dano é considerado integral. O direito à indenização decai no prazo de seis meses após a decisão definitiva.

Por outro lado, a reforma aumentou a discricionariedade judicial no que diz respeito à verificação da (in)existência do dano, na medida em que conferiu ao julgador (monocrático) a tarefa de valorar a complexidade do caso, o objeto do processo, bem como o comportamento das partes e do juiz.

A lei também passou a tipificar os casos em que não é possível exigir e obter qualquer indenização: (a) em favor da parte sucumbente condenada por lide temerária; (b) nos casos em que a pretensão do recorrente tenha sido acolhida em patamar aquém à proposta conciliatória; (c) nos casos em que a decisão corresponde ao conteúdo da proposta conciliatória; (d) nos casos de extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição e de perempção; (e) e, residualmente, sempre que se constate um abuso dos poderes processuais que tenham procrastinado injustificadamente o processo.

Por fim, quando o pedido for considerado inadmissível ou manifestamente infundado, o cidadão poderá ser condenado ao pagamento de uma multa de 1.000 a 10.000 euros.

Isto tudo me faz lembrar de uma conhecida promoção do McDonald’s, em que o cliente ganha um vale-sanduíche caso seu pedido não seja atendido no prazo de 30 segundos. O único problema é que, na maioria das vezes, o tal vale carece de utilidade, como registrou um cliente em sua reclamação: “Eu não queria ganhar um Big Mac extra, queria apenas ser bem atendido e em um tempo razoável. Será que é tão difícil?”

E no Brasil? Qual avanço fizemos — seja ele doutrinário, legislativo ou, ainda, jurisprudencial — ao longo dos últimos oito anos, no sentido da concretização desta garantia fundamental?

Como se sabe, a mesma garantia foi incluída, expressamente, em nosso catálogo de direitos fundamentais (art. 5º, LXXVIII, CR) pela Emenda Constitucional 45, em 2004, embora já estivesse prevista na Convenção Interamericana de Direitos Humanos (art. 8º, 1), ratificado pelo Estado brasileiro (Decreto 678/92).

Todavia, desde então, observa-se um nítido movimento na direção da modernização da administração da justiça. Neste sentido, além da informatização dos sistemas, gerenciamento dos cartórios e do investimento compulsivo em gestão e seus planejamentos estratégicos, multiplicam-se as metas estabelecidas pelos tribunais e, sobretudo, pelo Conselho Nacional da Justiça. Na mesma linha, cada vez ganham mais força os discursos em favor da diminuição dos recursos, sempre em nome da celeridade e da eficiência. Ocorre que, ao privilegiarmos um aspecto puramente quantitativo, deixamos de lado o problema relativo à baixa qualidade da prestação jurisdicional.

O resultado disto é conhecido de todos: a qualidade foi atropelada pela quantidade. Julgamos teses, e não mais casos. De há muito não importa o que decidimos, mas sim o quanto decidimos. Trata-se, no fundo, da lógica da eficiência — que não se confunde com eficácia —, conforme orientação do Documento 319 do Banco Mundial.

Tanto é assim que, para o Poder Judiciário, final de ano significa duas coisas: recesso e estatísticas. Os números divulgados nos últimos dias indicam, por exemplo, que STJ julgou 362.141 processos neste ano (leia aqui). O TJ-SP, por sua vez, publicou balanço no qual aponta haver julgado 723.790 casos no mesmo período (leia aqui). Os dados do STF também se destacam, sobretudo se comparados àqueles dos tribunais constitucionais europeus.

Não somos apenas um dos países com o maior número de faculdades de Direito em funcionamento. Também somos aqueles que julgam mais processos por ano… A questão que fica pode é: isto é bom?Quem disse que um processo deve terminar em seis meses? A lógica do fast food pode ser aplicada à prestação jurisdicional? Será que, assim, esta(ría)mos levando os direitos a sério?

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