Trabalho escravo

Juiz usa CP para manter empresa em "lista suja"

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18 de dezembro de 2012, 16h35

Ao julgar o caso de uma empresa que contestava sua inclusão na lista de empresas que mantêm empregados em condições análogas às de escravo, o juiz Roberto Masami Nakajo, da 2ª Vara do Trabalho de Rio do Sul, usou o conceito de trabalho escravo do Direito Penal em vez de utilizar a definição da Convenção 29/1930 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Motivo: Ele considerou uma evolução do previsto no documento da OIT.

“Se este direito, que é revestido de maiores garantias, por se tratar de verdadeiro limitador do poder punitivo estatal, aumentou o âmbito conceitual do trabalho escravo, por maior razão este conceito deve ser trazido à esfera administrativa”, entendeu ele.

A discussão aconteceu em ação na qual a empresa Manoel Marchetti Indústria e Comércio alega não ter praticado qualquer conduta motivadora de sua inscrição no cadastro de empresas que mantêm empregados em condições análogas às de escravo, feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Em sua defesa, a ré alega que a submissão a trabalho em condições degradantes, embora censurável, não é equiparável a trabalho escravo, que ocorre quando existe cerceamento da liberdade do trabalhador.

Segundo a Convenção 29/1930 da OIT, ratificada pelo Brasil, trabalho forçado ou obrigatório é aquele exigido sob ameaça de penalidade e para o qual o indivíduo não se ofereceu de espontânea vontade.

No Código Penal, o crime de redução à condição análoga à de escravo está tipificado no artigo 149 como sendo o trabalho forçado ou a jornada exaustiva, sujeitando a pessoa a condições degradantes de trabalho ou restringindo sua locomoção, por qualquer meio, em razão de dívida contraída com o empregador.

A Portaria Interministerial 2/2011, do MTE, que determina a inclusão no cadastro, sem previsão de sanção, apenas divulga o documento para órgãos do Executivo, ministérios Público Federal e do Trabalho e instituições financeiras públicas, visando efetivar os princípios da transparência e da publicidade.

Algumas instituições adotam a política de não estabelecer vínculos com empresas que estejam com seu nome incluído no cadastro, o que é visto pelo juiz Nakajo como o exercício da liberdade de atuação de acordo com as diretrizes de cada órgão.

Depois de ser inscrita no cadastro, a empresa é submetida a monitoramento por dois anos para que sejam verificadas as condições de trabalho. Neste período, não havendo reincidência, o nome é excluído, mediante o pagamento das multas resultantes da ação fiscal, bem como da quitação de eventuais débitos trabalhistas e previdenciários.

O caso
A Manoel Marchetti atua no ramo madeireiro e mantém 5,7 milhões de árvores plantadas em reflorestamentos próprios e cerca de 700 colaboradores.

Segundo o auto de infração o auditor-fiscal do trabalho constatou as seguintes irregularidades no alojamento em que estavam os trabalhadores da empresa:

  • casa sem forro que causava terrível sensação térmica, com mínima ventilação natural;
  • ausência de qualquer mobiliário além dos beliches;
  • superlotação, pois não se obedeceu ao espaço mínimo de 3 m², havendo até quatro trabalhadores instalados no espaço de 6 m²;
  • ausência de fornecimento de roupas de cama;
  • ausência de fornecimento de armários individuais, obrigando os trabalhadores a espalharem suas roupas pelo chão;
  • ambiente com cheiro nauseante;
  • subdimensionamento e precariedade da lavanderia;
  • instalação sanitária provida de um chuveiro, um vaso sanitário e um lavatório para todos os trabalhadores (inicialmente 21 trabalhadores e no dia da fiscalização eram 15);
  • a água do banheiro retorna pelo ralo do chuveiro transbordando água para toda a casa;
  • a água para beber é retirada de um poço que não recebe nenhum tratamento;
  • relatos de dores abdominais decorrentes da ingestão da água.

Os trabalhadores foram arregimentados por um intermediário para trabalharem no município de Jaci-Paraná (RO). Era cobrado deles o valor de R$ 350 para transporte desde Canindé (SE). Além disso, os contratos de trabalho não foram formalizados de imediato e o salário mensal representava metade do prometido.

Para o juiz Nakajo, “não se encontram somente práticas referentes a condições degradantes, mas também condizentes com a conceituação de trabalho escravo”. Segundo ele, ainda que fosse considerado o conceito da OIT, não havia a possibilidade real de os trabalhadores retornarem a sua cidade de origem, ou seja, de se desvincularem do trabalho.

A empresa não contestou o auto de infração, nas esferas administrativa e judicial. Sua preocupação foi com a qualificação jurídica dos fatos, ou seja, se eles constituem, ou não, trabalho escravo ou em condição análoga à de escravo. Seu pedido é a exclusão do nome do cadastro do MTE.

Diante disso, o juiz rejeitou o pedido da empresa por considerar que ficou demonstrada a existência de evidências que autorizaram a inclusão do seu nome no cadastro.

A Manoel Marchetti ingressou com Recurso Ordinário, que não foi recebido, com base em jurisprudência do TRT-SC, porque o valor da causa é inferior a dois salários mínimos. Agora, a empresa entrou com Agravo de Instrumento para destrancar esta decisão. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-12.

RTOrd 0000703-06.2012.5.12.0048

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