Condenação criminal

Última palavra sobre perda de mandato é do Legislativo

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17 de dezembro de 2012, 14h56

A solução para o impasse em relação à perda automática ou não dos mandatos dos deputados federais condenados em definitivo pelo STF na AP 470 encontra-se na própria Constituição Federal. As normas inferiores, especialmente o Código Penal, devem ser lidas através das lentes da Constituição Federal e não o inverso, e tampouco podem estabelecer restrições não previstas ou autorizadas pelo texto constitucional.

É ela que enuncia como regra geral a vedação a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão se dará, entre outros, no caso de condenação criminal transitada em julgada, enquanto durarem seus efeitos (art. 15, inciso III, CF).

A regra geral, portanto, é a não cassação de direitos políticos e a exceção, entre outras, é a suspensão dos direitos políticos pelo tempo em que durar a condenação criminal definitiva. É intuitivo o caráter provisório da amputação de direitos políticos nesse caso.

Ocorre que a própria Constituição fixou um regime especial — ou uma exceção da exceção — no caso de deputados e senadores. Para esses agentes políticos, a condenação criminal definitiva também induz à perda do mandato popular, mas somente se decidida pelo voto secreto e por maioria absoluta dos membros da respectiva Casa (Senado ou Câmara), mediante provocação da Mesa ou de partido político com representação no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa.

A perda do mandato nessa hipótese, segundo a CF, é assunto exclusivo do Parlamento, ou seja, interna corporis da Casa legislativa. Tanto assim que é o Parlamento quem está legitimado a deflagrar esse processo por meio de sua Mesa Diretora ou de partido político, desde que este tenha representação congressual. O Judiciário em geral e o STF em particular não têm sequer legitimidade constitucional para provocar o início desse processo exclusivamente político, limitando-se a comunicar o Parlamento sobre a decisão judicial final.

Percebe-se que a deliberação parlamentar não é meramente declaratória de uma realidade jurídica (perda do mandato) que teria se constituído pela decisão judicial penal condenatória com trânsito em julgado. É preciso notar que o texto constitucional se vale das seguintes expressões: “a perda do mandato será decidida pela Câmara (…)”.  Segundo o dicionário Houaiss, decidir é “emitir (alguém com autoridade ou poder para julgar) juízo final sobre (questão, causa etc.)”; “tomar resolução ou resoluções sobre; deliberar, resolver”; levar ou chegar a um resultado; resolver(-se)”; “estabelecer como norma; estatuir, dispor, decretar”; “anunciar juízo ou resolução; pronunciar-se”.

Todos esses sentidos que se encontram albergados na norma constitucional que autoriza o Parlamento a decidir sobre a perda do mandato de deputado e senador são incompatíveis com a ideia de que o órgão congressual seja mero chancelador de uma sentença criminal. Mesmo porque esse processo, essencialmente político, deverá preservar o direito à ampla defesa do parlamentar perante seus pares.

Situação distinta é a prevista no inciso IV do artigo 55 da CF, segundo a qual será privado do mandato o deputado ou senador que perder ou tiver suspensos seus direitos políticos. Aqui, compete apenas à Mesa Diretora declarar a extinção do vínculo com o parlamentar, que se operou, por exemplo, pela condenação em ação de improbidade administrativa.

A esta altura, alguém poderia ponderar que, segundo o artigo 15, inciso III, da CF, a sentença penal condenatória definitiva induz a suspensão dos direitos políticos enquanto durar a condenação, logo essa hipótese também estaria contida no inciso IV do artigo 55. Ora, por que então não aplicá-la ao caso dos deputados federais condenados na AP 470, quando a decisão transitar em julgado?

A resposta é simples. Porque essa lógica invalidaria a própria Constituição ao arrastar para o limbo jurídico o comando do inciso VI do artigo 55 e o seu parágrafo 2º. Afinal, qual seria o sentido de sua previsão no texto, se todos os casos de perda ou suspensão de direitos políticos estivessem subsumidos ao inciso IV do artigo 55? Seria uma heresia hermenêutica remeter esse relevante bloco normativo ao ostracismo constitucional, já que é elementar que a Constituição não possui termos inúteis, nem antinomias que possam comprometer a sua unidade e coesão internas. Certeiro também que aos preceitos constitucionais o intérprete/aplicador deve atribuir a máxima eficácia.

Esse cipoal normativo deve ser desvendado a partir da seguinte fórmula: deputado ou senador que perder ou tiver direitos políticos suspensos terá rompido o vínculo com o Parlamento com a perda do mandato, cabendo à Mesa, obedecida a ampla defesa, apenas declará-la, exceto na hipótese do artigo 15, inciso III, que se encontra regida pelo inciso VI do artigo 55, situação peculiar em que a palavra final é da respectiva Casa legislativa por meio do “iter” do parágrafo 2º do mesmo dispositivo, isso como projeção do princípio da separação horizontal dos Poderes e em respeito à força normativa da Lei Fundamental.

A Constituição soberanamente estabeleceu assim, quer no campo das imunidades ou da perda de mandato em decorrência de sentença penal condenatória final, um especial tratamento ao parlamentares, deferindo ao Legislativo e não ao Judiciário a última palavra sobre a matéria.

É certo que esse conjunto normativo poderá sofrer mutação constitucional, mas é bom lembrar que, assim como na genética, esse processo pode levar tanto à evolução das espécies como ao surgimento de anomalias teratológicas.

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