Segunda Leitura

A vaidade tem campo fértil nas profissões jurídicas

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

16 de dezembro de 2012, 7h06

Spacca" data-GUID="coluna-vladimir.png">Nós, humanos, cultivamos a vaidade sob diferentes formas: vaidade de termos riquezas, títulos, de trabalharmos muito, de sermos queridos, inteligentes, cultos, de termos viajado bastante, de praticarmos a caridade e até mesmo a vaidade de não termos nenhuma vaidade. Afirmava o Padre Vieira que “a vaidade entre os vícios é o pescador mais astuto, e que mais facilmente engana os homens”.

No final do filme "O Advogado do Diabo", diretor Taylor Hackford, o demônio, interpretado por Al Pacino, afirma repetidamente a seguinte frase: "Vanity, definitely my favorite sin!" ("Vaidade, definitivamente é meu pecado preferido!"). É dizer, o diabo sabe muito bem como conquistar suas vítimas: estimulando sua vaidade.

Ela é privilégio dos seres humanos. Os animais também se exibem, mas com finalidade diversa. Ao que parece, eles buscam perpetuar-se através de filhotes e por isto, de diferentes formas, entram em disputa pela fêmea. O pavão abre suas asas e exibe, orgulhoso, a beleza de suas penas. O orangotango entra em luta pela posse da fêmea, que dá a sua preferência ao vencedor.

Talvez nós, seres humanos, tenhamos sofisticado a nossa forma de conquista. Na evolução, deixamos (em que pese algumas exceções) a luta corporal na conquista das mulheres, optando por exibições de adornos (v.g., tatuagens, correntes, relógios caros), de bens (v.g., carro importado) e inteligência superior (v.g., advogados contando como ganharam seus processos).

Não me parece que a vaidade, dentro de limites razoáveis, seja um mal. O problema começa a existir quando ela extrapola tais limites. E — sejamos francos — nos meios jurídicos isto não é raro. Mas, curiosamente, a vaidade jamais é reconhecida. Todas as ações vêm acompanhadas da justificativa de que a atitude se fundamenta na defesa da classe, da instituição ou algo semelhante. A frase clássica é: “não é por mim, eu nem ligo, mas não podemos permitir que nossa classe seja rebaixada”.

A vaidade germina com muita facilidade naqueles que passam em um concurso público. Quanto maior o prestígio do cargo, maior o risco. Lembro-me bem do caso de um juiz de Direito, que morava em um pequeno edifício e que, tão logo aprovado no concurso, passou a exigir dos condôminos e dos empregados que o tratassem de doutor. Ridículo.

Na magistratura, com o passar do tempo o mal pode agravar-se. A perda da beleza física pode vir acompanhada da necessidade de sentir-se importante, de ser adulado. Para ficar só com um exemplo, basta citar aqueles examinadores de bancas de concursos que na prova oral se exibem formulando perguntas dificílimas, mais preocupados em demonstrar erudição do que em saber se o candidato está preparado.

A TV Justiça, na exibição de julgamentos ao vivo, talvez estimule vaidades adormecidas. Será que saber-se visto por um enorme número de telespectadores influencia o conteúdo e o tamanho dos votos? Será que a exposição influencia na busca de popularidade, mesmo não sendo o cargo eletivo?

No Ministério Público o perigo situa-se mais na primeira instância. No segundo grau isto dificilmente ocorrerá, porque a principal função é dar pareceres e isto não gera impacto na mídia. Ao inverso, o papel ativo na propositura de ações de causas de interesse público (p. ex., improbidade administrativa) pode resultar em notoriedade. Do interesse público para o pessoal (auto-promoção) é um passo.

A Defensoria Pública, cujo papel é de relevância ímpar, não está imune à tentação da vaidade. O que dizer da recente Lei Complementar 132/2009, que garante aos defensores a prerrogativa de sentar-se ao lado do juiz e do representante do Ministério Público? O juiz está lá porque preside o ato. O MP à direita, por tradição, mesmo assim, originando a suposição de estar em posição diferenciada em relação ao advogado. Já o defensor público, que é um advogado público dos necessitados, estará diminuído ao sentar-se defronte ao juiz? Fico a imaginar uma audiência de debates e julgamento, sem testemunhas, com todos na mesa do juiz, incluindo o servidor que digita, e ninguém na mesa em frente! Está na Bíblia  "vanitas vanitatum omnia vanitas", ou seja, "vaidade das vaidades, tudo é vaidade". (Eclesiastes 1:2 ).

Na Polícia o risco da vaidade se acentua. As grandes ações, prisões de pessoas famosas, a cobertura da mídia em tempo real, são fortes estímulos ao inchaço do ego dos executores de operações policiais. Há alguns anos as operações da Polícia Federal chegaram a um excesso desnecessário, autênticos espetáculos. Prevaleceu o bom senso e tal tipo de conduta cessou. Na Polícia de alguns Estados o noticiário não mostra pessoas, mas sim o logo do órgão. Perfeito.

E na Academia? São os professores expostos à tentação de se exibirem? Sim, por certo. A profissão é uma exposição permanente de cultura, de brilho intelectual. Certamente por isso é comum, no mundo acadêmico, haver conflitos entre os professores, conflitos de egos. Os títulos são o escudo e os golpes de espada são substituídos por frases ferinas.

A própria escolha de uma carreira, muitas vezes, é motivada pela vaidade, pelo orgulho, pelo desejo de ocupar um cargo de prestígio na sociedade. Passado algum tempo, não se tem o que era esperado e aí vem o desalento: "Não somos valorizados".  Não seria o caso de dizer: "não tenho o destaque e a exposição social que esperava"? 

Muitos exemplos poderiam acrescer o que foi dito. Associações de classe, onde se multiplicam diretorias e comissões para dar espaço a muitos, por vezes comprometendo as finanças e a eficiência. Nos órgãos públicos, coordenadorias disto ou daquilo, muitas vezes dispensáveis. Nas dependências dos edifícios públicos (luta por salas), nem sempre por necessidade.

Conta-se que Júlio César, o grande Imperador de Roma, ciente de sua própria fraqueza, cuidou bem do tema. Nos momentos de glória máxima, quando César voltava a Roma e era aplaudido pelas conquistas nos campos de batalha, tinha sempre ao seu lado um antigo e fiel escudeiro que dizia: “Lembre-se de que você é apenas um homem”.

Em suma, o que cada um tem a fazer é procurar colocar a vaidade dentro de um círculo fechado, impedi-la de crescer, fiscalizá-la sempre. Se ela não prejudicar terceiros, pode até ser útil. Por exemplo, não há nada de errado no fato de um presidente de subseção da OAB querer fazer um bom mandato para legitimar-se a disputar uma vaga como Conselheiro.

Nisto tudo não será demais lembrar que os vaidosos extremados, aqueles que se tornam arrogantes, acabam se isolando, sendo ridicularizados, e quando os anos lhes trouxerem os cabelos brancos, as pílulas contra isto ou aquilo, o desprezo silencioso daqueles que antes o bajulavam, só lhes restará a solidão amarga dos esquecidos. Aí será tarde demais.

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