Cooperação Internacional

Efetividade da Lei de Lavagem mostra êxito da Encla

Autor

  • Antenor Madruga

    é sócio do FeldensMadruga Advogados doutor em Direito Internacional pela USP especialista em Direito Empresarial pela PUC-SP e professor do Instituto Rio Branco.

13 de dezembro de 2012, 8h14

Spacca
O desafio era criar uma política pública que tornasse efetivo a lei de lavagem de dinheiro no Brasil e, consequentemente, o sequestro e perdimento dos ativos instrumentos e produtos de atividade criminosa.  O objetivo principal era dar meios ao Estado para combater o crime praticado por organizações, cuja existência e atuação ultrapassavam e independiam dos indivíduos que as integravam. O ano era 2003 e o recém empossado Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, estava decidido a aplicar, no Brasil, o consenso que já se formava em vários países e organizações internacionais, no sentido de que a “asfixia patrimonial” pelo desapossamento e expropriação dos recursos materiais que constituem o “fundo de comércio” da empresa criminosa é medida tão ou mais importante que a restrição à liberdade ou outras sanções aplicáveis aos seus recursos humanos.

Passados mais de cinco anos da entrada em vigor da Lei 9.613, de 3 de março de 1998, a “Lei de Lavagem de Dinheiro”, praticamente não havia investigações, denúncias e condenações pelas condutas previstas nessa lei. Apesar do importante esforço que durante aquele período fez o Ministério da Fazenda, por meio do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, para implantar a unidade de inteligência financeira e envolver o Sistema Financeiro nas práticas de prevenção à lavagem de dinheiro, o sistema penal do Estado brasileiro não havia ainda sido programado para atuar com eficiência contra a ocultação, dissimulação e utilização de instrumentos e produtos.

Sabíamos que apenas a criação, no âmbito do Ministério da Justiça, do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, o DRCI, seria insuficiente para reprogramar o serviço público no sentido de dar efetividade à luta contra a lavagem de dinheiro. Com mais de trinta ministérios e outras dezenas de secretarias, departamentos e coordenações, o conflito de atribuições no âmbito do próprio governo federal era inevitável. Para definir políticas e ações de combate à lavagem de dinheiro, recuperação ativos e cooperação jurídica internacional, sobressaiam-se diversos órgãos responsáveis, como Coaf, Polícia Federal, Ministério das Relações Exteriores, Controladoria-Geral da União, Advocacia-Geral da União, o recém criado DRCI e outros. Além desses, havia órgãos e instituições igualmente essenciais e que não se subordinam, por independência administrativa, como o Ministério Público, o Poder Judiciário e os demais entes da Federação. 

A informalidade na constituição do grupo que definiria a estratégia nacional de combate à lavagem de dinheiro foi essencial para reunir numa mesma mesa órgãos e autoridades que tinham poder de fato nesse tema, mas representavam hierarquias distintas. Se seguíssemos o modelo de cooperação administrativa tradicional, com grupos de trabalho formalmente constituídos, publicados no Diário Oficial, prazos rígidos e zelos hierárquicos, provavelmente a  Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (Encla) teria se perdido nos meandros da burocracia e não estaria próxima a completar uma década. As reservas que alguns tinham quanto à participação do Ministério Público e, especialmente, do Poder Judiciário na formulação de políticas públicas de combate ao crime cederam ante à constatação que apenas esses órgãos, em razão da autonomia administrativa que adquiriram com a Constituição de 1988, poderiam alocar seus recursos humanos e materiais às necessidades da estratégia. A decisão de criar varas especializadas no julgamento de crimes de lavagem de dinheiro é exemplo de medida administrativa alinhada à Encla e que somente poderia ser decidida pelo Poder Judiciário, em sua função administrativa. 

Nenhuma meta deveria ser imposta a qualquer órgão, todas resultariam de consenso, ainda que o ambiente e formatação das reuniões tivessem sido pensados para provocar o consenso. As autoridades envolvidas, reunidas por dois dias, durante fim de semana, estariam totalmente dedicadas a assumir compromissos e fazer concessões em favor da expectativa de resultados que o evento causaria. Ao fim das reuniões definidoras da Encla, a imprensa aguardaria para divulgar as metas assumidas, que poderiam ter apenas um órgão responsável e uma data de cumprimento para o ano seguinte. O não cumprimento de determinada meta, todas públicas, obrigaria o órgão a se justificar à opinião pública. Não haveria outra sanção, mas esse constrangimento se mostrou eficaz determinador de comportamentos. 

Podemos não concordar com alguns dos seus resultados, mas o contraste da efetividade da Lei de Lavagem entre primeira e a décima edições da Encla evidencia o êxito desse modelo. Muitos são os responsáveis pela origem e continuidade desse caso exemplar de cooperação administrativa pan-institucional. Nominá-los seria impossível e injusto, pois individualizaria resultados que são necessariamente coletivos.

Autores

  • é advogado, sócio do Barbosa Müssnich e Aragão; doutor em Direito Internacional pela USP; especialista em Direito Empresarial pela PUC-SP; professor do Instituto Rio Branco.

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