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Arbitragem alargou horizontes do Direito em 2012

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10 de dezembro de 2012, 7h25

Levantamento feito pelo repórter Elton Bezerra junto a dirigentes dos maiores escritórios brasileiros indicou a área de Fusões e Aquisições como a que mais cresceu em 2012. Para o ano que vem, a previsão é que área de Infraestrutura encabece o ranking da ebulição do setor.

Mas houve um pedaço do Direito que galvanizou sobremaneira o mundo da advocacia empresarial: a arbitragem. Não é um setor que se projeta, propriamente, como uma área de atuação, já que por ele transitam controvérsias de todos os ramos do Direito. Mas seja como for, é certo: os canais de solução extrajudicial — arbitragem à frente — tiveram em 2012 o seu ano de ouro. Ou de decolagem.

O motivo principal foi a convalidação pelo Judiciário, Superior Tribunal de Justiça em especial, desses mecanismos. Os ministros do STJ descartaram artifícios das partes contrariadas, que tentaram incessantemente desvalorizar ou até desqualificar a arbitragem criando, de modo fantasioso, instâncias inexistentes para tentar sobrepor o Judiciário a ela, por conveniência de ocasião.

O progresso ainda não acontece na velocidade desejada. Mas é clara a sensação de que existe um movimento decidido pela racionalidade, apesar das armadilhas pouco sutis contra o sistema.

No final do ano, o Conselho da Justiça Federal promoveu evento para examinar o grau de eficiência da arbitragem para fazer justiça sem atrapalhar o desenvolvimento. O ministro João Otávio de Noronha, corregedor-geral da Justiça Federal, descreveu a arbitragem como instrumento facilitador “para a execução de grandes negócios, em que empresas e jurisdicionados podem contar com uma solução célere e eficaz”. Para ele, isso não significa que o Judiciário seja incapaz de resolver os conflitos, mas apenas que não consegue resolvê-los com a rapidez que o ambiente de negócios com custo menor.

Estudioso dos atalhos extrajudiciais para solução de conflitos, o ministro Marco Aurélio Buzzi afirma que a novidade do momento é que a mediação, a conciliação e a arbitragem têm, hoje, o próprio Poder Judiciário como seu grande difusor. Não se trata de avanço formal, mas de cultura.

Segundo Buzzi, as resistências à arbitragem fazem cada vez menos sentido, já que a legitimidade do sistema se comprova a cada dia. “Só se pode voltar a analisar a validade de uma decisão arbitral quando o ato sofre dos vícios de constituição como os do ato jurídico em geral. Salvo isso, o meio é reputado como hígido, sem dúvidas”, analisa o ministro do STJ. “Desde que observados aspectos de validade como qualquer ato jurídico da vida civil, a decisão arbitral não deve ser revista pelo Poder Judiciário”, reforça. Para o ministro, “é constatação, não impressão, que os métodos alternativos à jurisdição crescem e são irreversíveis”.

A explicação é óbvia. Pode-se resolver controvérsias de modo mais amplo do que a própria jurisdição e equacionar o conflito sociológico por trás da lide — uma vez que o Judiciário resolve o processo, mas não o conflito.

Uma busca pelo termo “arbitragem” no portal de notícias do site do Superior Tribunal de Justiça, leva a 116 resultados. A primeira referência data de maio de 1998, pouco mais de um ano e meio após a promulgação da Lei 9.307/1996, e a última delas de 5 de dezembro de 2012. Metade foi publicada nos últimos 5 anos.

A releitura permite uma visão abrangente da evolução da arbitragem no Brasil, pela constatação do ritmo vigoroso de desenvolvimento do instituto, que sempre teve o STJ como catalisador das suas potencialidades. O histórico julgamento do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a constitucionalidade da Lei 9.307/1996 (SE 5.206-7), coube ao STJ preponderância na interpretação da Lei de Arbitragem. Através de decisões inovadoras, permitiu-se a consolidação do instituto, que, nas palavras do ministro João Otávio de Noronha, deve ser visto “no seu papel mais relevante, o de propiciar investimentos, gerar empregos e alavancar a economia”[1].

O STJ tem sido responsável por estimular a arbitragem, ao criar jurisprudência favorável sobre o tema, prestigiando-a em situações controvertidas. Bom exemplo é a decisão da 3a Turma, no REsp 1.297.974, relatado pela ministra Nancy Andrighi, em que se estabeleceu que o Judiciário não pode intervir, nem mesmo julgando ações cautelares, se uma corte arbitral já está formada. No REsp 450.881, relatado pelo ministro Castro Filho, o STJ já havia consolidado posição no sentido de que, existindo cláusula compromissória, todas as discussões acessórias sobre infringência de demais cláusulas contratuais, bem como o direito a eventual indenização, também deveriam ser submetidas a arbitragem.

Na esfera do Direito falimentar, outra constatação: a possibilidade de utilização da arbitragem mesmo que uma das empresas esteja submetida a processo de recuperação judicial ou liquidação, conforme decidido na Medida Cautelar 14.295, também relatada pela ministra Nancy Andrighi.

No campo do Direito Administrativo, o julgamento do REsp 612.439/RS de relatoria do ministro João Otávio Noronha, estabeleceu a possibilidade de sociedades de economia mista, integrantes da administração indireta, submeterem seus litígios à solução arbitral. Em continuidade à percepção ali fixada, pelo REsp 904.813, julgado pela 3a Turma do STJ, firmou-se o entendimento de que o fato de não haver cláusula compromissória no edital de licitação não impede que as partes recorram à arbitragem, em momento posterior, quando surgir o litígio. “Não se pode dizer que a licitação teria outro resultado, ou que dela participariam mais ou menos concorrentes, unicamente pelo fato de estar ou não previsto determinado foro para a solução de controvérsia”, afirmou a ministra em seu voto.

O enunciado da Súmula 485, cujo texto dispõe que “a lei de arbitragem aplica-se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes de sua edição”, decorreu do entendimento de que a Lei de Arbitragem aplica-se retroativamente, pois tem caráter eminentemente processual. Esta posição foi amparada pelo ministro Luis Felipe Salomão, relator do REsp 934.771.

Além da posição de vanguarda tomada na interpretação da Lei de Arbitragem no âmbito nacional, a partir do advento da Emenda Constitucional 45/2004, passou a competir ao STJ a homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. A primeira homologação de sentença arbitral estrangeira pelo STJ ocorreu em maio de 2005, em processo envolvendo a empresa cearense Têxtil União S/A e a Suíça LAiglon S/A[2], em que foi relator o ministro Carlos Alberto Direito.

Em pouco mais de sete anos, a receptividade da arbitragem pelo Judiciário brasileiro já se tornou referência internacional. De acordo com um dos maiores especialistas em arbitragem do mundo, Albert Van Den Berg, “a centralização e uniformização das questões sobre sentenças estrangeiras pelo STJ facilitam o entendimento das decisões, pois o juízo é muito especializado. Por isso os investidores estrangeiros já confiam nas decisões tomadas aqui”[3]. O jurista holandês vai ainda mais longe, ao dizer que, no âmbito da arbitragem, “O Brasil se tornou modelo judiciário para os outros países, pela eficiência e pela transparência.”

Os casos concretos em análise importam menos que os paradigmas a serem fixados para todos os casos semelhantes. A depender do que for decidido, o instituto da arbitragem poderá ser fortalecido ou não. A garantia de segurança jurídica aos contratos, que retratam relações negociais cada vez mais complexas, certamente estimulará o desenvolvimento econômico através da criação de um ambiente jurídico cada vez mais propício para os investimentos privados.


[1]Notícia de 03.12.2012 – “Papel principal da arbitragem é alavancar a economia, diz Ministro Noronha”. Fonte: www.stj.jus.br.

[2] Notícia de 18/05/2005 – “Corte homologa primeiro caso no STJ de sentença estrangeira de juízo arbitral”. Fonte: www.stj.jus.br.

[3] Notícia de 20.03.2012 – “Especialista em arbitragem diz que Justiça brasileira se tornou exemplo para o mundo. Fonte: www.stj.jus.br.

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