A execução do julgamento do mensalão pelo Supremo
9 de dezembro de 2012, 7h00
Dos 38 denunciados, 25 foram condenados pela prática de diversos crimes, como corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, gestão fraudulenta, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
As penas foram severas, acima da benevolente fixação no mínimo legal, que é regra geral em nossos tribunais, inclusive no STF. Para dar apenas um exemplo, jamais vi pena corporal como a imposta à presidente do Banco Rural, Katia Rabello, condenada a cumprir 16 anos e 8 meses de reclusão.
Com alguns protestos isolados, cuja ressonância não ecoa além dos locais fechados em que ocorrem, aproxima-se a ação penal do fim. E daí virá a fase de execução da pena. Alguns aspectos merecem atenção. Quais os próximos passos? Ainda que o rumo possa ser outro, a experiência revela que:
a) Serão interpostos embargos de declaração (CPP, art. 619) por todos ou, pelo menos, pela maioria. Uma vez julgados, novos embargos sobrevirão. E, quiçá, outros tantos depois.
b) Tornando-se definitivo o acórdão. Serão interpostos embargos infringentes e de nulidade, uma vez que a decisão colegiada não foi unânime (CPP, art.609, par. único). Pelo CPP não cabe dito recurso, porque ele se dirige a decisão não unânime de segunda instância. No caso a decisão colegiada equivale a uma sentença e se trata de instância única. Porém, na verdade o artigo 333, inciso I do Regimento Interno do STF prevê dito recurso em decisão do Plenário não unânime. Mas o parágrafo único exige no mínimo 4 votos vencidos. Assim, poderá ser aceito dito recurso em algumas hipóteses, por exemplo, nas que na dosagem da pena o condenado teve 4 ou 5 votos favoráveis.
c) Enquanto estes recursos não forem decididos em definitivo — e isto pode levar meses — as penas não serão executadas, ou seja, não haverá prisões. Isto porque foi o STF que, interpretando a Constituição, afirmou que a presunção de inocência impede a execução provisória da pena.
d) Supondo que foi ultrapassada a fase de recursos, terá início a execução. Aí poderá surgir a hipótese de algum condenado evadir-se. Sabidamente, isto é fácil com ou sem passaporte. A fronteira do Brasil é enorme e não policiada. Poderá dar-se pelo simples atravessar a rua em Santana do Livramento, RS, ou cruzando o rio Madeira em Guajará-Mirim, RO. Mas evadir-se é uma sanção também, pois o condenado se verá distante de seu país, família, amigos, vivendo sempre com receio de ser capturado. Ficará anos aguardando a prescrição de sua pena.
e) Mas, supondo que foi expedido mandado de prisão e os 25 condenados foram presos, para onde eles irão? A Lei de Execuções Penais afirma no artigo 65 que o juiz indicado na lei local promoverá a execução e o artigo 66 define sua competência (p. ex., conceder progressão de regime). Sendo os condenados de locais diferentes, presume-se que cumprirão em diversos presídios, sempre próximos de suas famílias. Uns, condenados até 4 anos, se beneficiarão do regime aberto, ou seja, trabalhando de dia e dormindo em casa do albergado. Outros do semiaberto (condenações de 4 anos e 1 dia a 8 anos), trabalhando em colônia agrícola, ou mesmo em local externo e podendo sair para estudar. Outros, condenados a mais de 8 anos, se sujeitarão a regime fechado. Cogita-se do ministro relator executar a sentença. Tal medida destoaria de toda a tradição brasileira, pois o juiz da condenação nunca é o da execução. As condenações já ocorridas nos TJs e TRFs sempre foram executadas pelo juiz da execução. Ademais, parece estranho que um ministro do STF, com uma enorme carga de processos, passe a despachar sucessivos pedidos de remoção de presídio, saída no Dia das Mães ou permissão para estudar na escola da cidade vizinha.
f) No mesmo mandado os condenados serão intimados a recolher a multa a que foram condenados, em 10 dias (CP, art. 50). Os valores são altos. Por exemplo, para Delúbio Soares R$ 320.000,00. Alguns foram condenados a mais de um milhão. É difícil imaginar que qualquer um deles depositará o valor em Juízo. Pois bem, basta ele ficarem omissos que o juiz determinará a remessa de cópia da sentença para a Procuradoria da Fazenda Nacional para que seja inscrita em dívida ativa. Isto feito, será proposta uma execução fiscal na Vara das Execuções Fiscais. E daí o devedor poderá embargar, discutir, interpor recursos. As Varas de Execuções Fiscais são a declaração de falência do sistema judicial. Algumas dessas Varas chegam a mais de 100.000 processos. E lá estará o do réu condenado. Será apenas um a mais. E se o processo não tiver andamento por 5 anos ocorrerá a prescrição intercorrente, beneficiando o devedor. Ainda, se o devedor não tiver bens a penhorar, a execução ficará suspensa, sem outras consequências. Como se vê, dos 25 condenados talvez nenhum pague a multa a que foi condenado.
g) Os detentores de cargo público condenados a mais de 4 anos, perderão o cargo por força do disposto no artigo 92, inc. I, alínea “b” do Código Penal. A redação do “caput” do artigo 92 fala em “cargo, função pública ou mandato (eletivo)”. Assim, se um servidor público for condenado a mais de 4 anos, o caminho previsto pela lei é o acórdão reconhecer a perda do cargo e comunicar à chefia do órgão. Por outro lado, os deputados merecem especial referência. O artigo 55, inciso VI da Constituição menciona que deputados e senadores podem perder o cargo em virtude de sentença criminal transitada em julgado. Disto resulta discussão sobre se cabe à Casa Legislativa decidir a respeito. Já foram proferidos três votos no sentido de que a decisão cabe ao Poder Judiciário. A meu ver, com razão, pois a opção do Poder Legislativo restringe-se aos casos em que o Judiciário não for explícito na sua decisão. Por exemplo, uma condenação por lesões corporais a pena de 6 meses de detenção, evidentemente, cabe ao Legislativo avaliar se ela justifica a perda do mandato. Não, todavia, uma pena superior a 4 anos ou, mesmo menor, que explicitamente decrete a perda. Caso contrário, estar-se-ia diante de cerceamento à atividade jurisdicional e também à quebra de isonomia, porque os parlamentares receberiam tratamento diverso dos representantes de outros Poderes de Estado.
h) Indenizações fixadas. Nas condenações há sempre referência a valores a serem ressarcidos pelos condenados a favor da União Federal. O artigo 387, inciso IV, do CPP manda ao juiz que fixe na sentença penal o valor mínimo para a reparação dos danos causados. Ora, sendo presumível que nenhum dos 25 condenados recolherá nada a tal título, considerando que vítima no caso é a União Federal, o único caminho a seguir será extrair-se cópia da decisão judicial e encaminhar à AGU para que promova a cobrança.
Bem, estes são os passos presumíveis da mais famosa ação penal do Brasil em toda a sua história. Resta aguardar. A sociedade civil e a mídia, com certeza, acompanharão todas as fases das execuções nos próximos anos.
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