Embargos Culturais

Sugestões de Guimarães Rosa para provas da diplomacia

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

9 de dezembro de 2012, 7h00

Caricatura: Arnaldo Godoy - ColunistaHá um primoroso estudo da embaixadora Heloísa Vilhena de Araújo a propósito da atuação do escritor João Guimarães Rosa como diplomata[1]. Formado em Medicina (1930), Guimarães Rosa é importante nome da galeria de diplomatas brasileiros, também por conta de sua atuação na Alemanha, no período da 2ª Guerra Mundial. A autora desse exuberante estudo sobre Guimarães Rosa é nome importante de nossa diplomacia, com serviços prestados em várias legações brasileiras.

No livro da embaixadora Heloísa chama a atenção, na seção de anexos um expediente de Guimarães Rosa para o diretor do Instituto Rio Branco, datado de 1952. No referido expediente o escritor e diplomata mineiro apresenta algumas conclusões sobre o programa a ser exigido no disputadíssimo concurso para a seleção do pessoal do Ministério das Relações Exteriores. Como se sabe, os certames para admissão no Ministério das Relações Exteriores, para seleção de diplomatas e de oficiais de chancelaria, são de altíssimo nível.

Guimarães Rosa defendia que o programa deveria indicar os assuntos que seriam exigidos nas provas, sem o pormenor dos sumários. Os temas que elegeu como centrais revelam intensa preocupação com a formação humanística dos futuros diplomatas. Guimarães Rosa concebia um programa no qual se contemplariam as seguintes áreas temáticas: I) Antropologia e História; II) História da Civilização; III) Sociologia; IV) História da Filosofia; V) História do Desenvolvimento das Ciências; VI) Literatura Mundial; VII) Música; VIII) Artes Plásticas[2].

Após enunciar essa ordem temática, Guimarães Rosa se dizia preocupado em face de um problema de “ordem mais ampla: o da própria composição do rol de matérias ou assuntos que devam figurar no exame” [3]. Havia necessidade de se definir “cultura geral”, problema que Guimarães Rosa colocou da seguinte forma:

O que bem pode ser que desconvenha, entretanto, é, a meu ver, a adoção de uma prova denominada “de Cultura Geral” e versando naquelas 8 matérias, tomadas de modo estanque. Além de que isso equivale a restringir o Instituto, motu proprio, um plano de que dispõe para melhor comparar o valor dos candidatos, a solução, em si algo arbitrária, poderá dar a impressão, verdadeiramente, anti-cultural, de estar-se pretendendo reduzir às proporções e ao modus de um currículo escolar, ou de limitado conjunto de currículos, a teoricamente ilimitável composição do saber que pelo nome de Cultura Geral comumente se entende. O exame de Cultura Geral terá de levar em conta muito mais. Por definição, não poderia ela fechar-se a manifestações de erudição em quaisquer ramos do saber humano. E além disso, deve prestar-se a medir, a cada examinando, não só o cabedal de informações, em si, mas, tanto quanto possível, também a coordenação entre os diversos conhecimentos, sua comunicabilidade, sua dinâmica capacidade associativa[4].

Do ponto de vista mais operacional, Guimarães Rosa, preocupava-se com as provas orais, que não recomendava:

Além de que crescente é o descrédito em que vão sendo tidas, em geral, as provas orais, é de compreender-se que, em exame tão complexo e de delicado julgamento, como é o de Cultura Geral (para a qual não há comumente professores especializados), a prova oral, por sua momentaneidade, mais se presta a vícios de apreciação. Tratando-se de um exame para fins apenas de classificação — no qual, portanto, a comparação é tudo — ainda mais avulta esse inconveniente. Nem nos esqueçamos — pensando nas inevitáveis reclamações e nos recursos — de que, na prática, os aparelhos de registro do exame, em comparação menos imperfeita e um julgamento exato, deveriam os candidatos — conforme se procede nos concursos para professores, nas escolas superiores e outros estabelecimentos de ensino — discorrer sobre os mesmos pontos; e tal processo seria complicado, difícil, se não impossível. Por essas razões, e ainda outras, creio de desejar-se não seja adotada a prova oral, mas sim a prova escrita[5].

Guimarães Rosa defendia as provas escritas, organizadas de forma dissertativa. Para o escritor e diplomata mineiro, a finalidade do exame seria “medir o índice efetivo de conhecimento do candidato, sem as limitações de uma preparação interessada”.

Escrito há 60 anos, esse memorando de Guimarães Rosa sobre as provas do Instituto Rio Branco revela uma preocupação recorrente quanto a fórmulas de seleção de servidores públicos de altíssimo nível intelectual.


[1] Conferir Araújo, Heloísa Vilhena de, Guimarães Rosa: Diplomata, Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007.

[2] Rosa, João Guimarães, Notas para o Programa de Concurso de Provas, in Araújo, Heloísa Vilhena de, cit., p. 211.

[3] Rosa, João Guimarães, cit., loc. cit.

[4] Rosa, João Guimarães, cit., p. 212.

[5] Rosa, João Guimarães, cit., pp. 214-215.

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