Ideias do Milênio

Os muçulmanos radicais não acreditam em democracia

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7 de dezembro de 2012, 7h00

Entrevista concedida pelo pesquisador Usama Hasam, ao jornalista Silio Boccanera, para o programa Milênio, da Globo News. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30.

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Como se forma um radical islâmico capaz de explodir prédios ou se suicidar pela fé? Que tipo de ambiente familiar, educação, fervor religioso, repressão e ressentimento pessoal, leva alguém ao extremismo, à intolerância e à militância capaz de violência? O radicalismo religioso-político está hoje mais associado aos muçulmanos, 500 anos depois de ser prática comum entre os cristãos na inquisição e seus antecessores carniceiros nas cruzadas. Os radicais islâmicos não se formam apenas nas montanhas do Afeganistão, do Paquistão ou do mundo muçulmano em geral. Surgem também no Ocidente, em meio a culturas abertas à liberdade de expressão, a religiões variadas, à mídia sem censura, ao confronto de ideias e o respeito aos direitos e a fé de outros. Esta foi a questão que levamos a Usama Hasan, ele mesmo um ex-radical islâmico, embora criado em Londres, formado em Engenharia e Física pela conceituada Universidade de Cambridge e hoje expandindo os seus estudos de Teologia. Usama no momento assessora em Londres a Fundação Quilliam especializada em pesquisas e estudos sobre radicalismo islâmico, bem como consultorias a escolas, empresas e setor público sobre essa questão que volta e meia ressurge no noticiário. Como no episódio recente dos ataques a alvos americanos pelo mundo em reação a um filme considerado ofensivo ao profeta Maomé, e que aparece também na militância de grupos como a Irmandade Muçulmana no Egito ou o Hamas na Faixa de Gaza.

Silio Boccanera — Para começar, pelos nossos telespectadores que talvez ainda não conheçam você, conte um pouco da sua história. Você também já foi radical. Fale desse passado.
Usama Hasan —
Eu nasci no Quênia nos anos 1970. Meus pais se mudaram para Londres quando eu tinha quase 5 anos. Portanto, cresci em Londres com uma formação indiana e paquistanesa através dos meus pais, mas também era londrino de coração. Tenho uma família muito religiosa. Meus pais vieram de famílias de eruditos religiosos da Índia que migraram para o Paquistão na partição. Enfim, eu fui criado em Londres e estudei em instituições do mais alto nível. Em casa, a minha criação foi muito religiosa. Nós fazíamos as 5 orações diárias juntos. Minha mãe, meu pai e todos os filhos. Comecei a estudar o Alcorão quanto tinha 4 ou 5 anos. Entre os 5 e 11 anos, eu memorizei o Alcorão inteiro em casa quando chegava do colégio. Isso foi em árabe, lógico. Eu aprendi árabe e as disciplinas islâmicas a partir dessa base. Naturalmente, mantínhamos o jejum no Ramadã até no verão, quando o jejum era de 18h a 20h. Além disso, havia duas horas de orações à tarde e à noite. Devido à minha formação religiosa, eu me sentia muito desligado. Aliás, toda a nossa geração de muçulmanos devotos se sentia desligada da sociedade britânica, que não era religiosa e estava perdendo a noção de valores familiares. Havia a moralidade secular, claro. Nos anos 1960 e 1970, os EUA viveram a revolução secular. O povo adotou uma perspectiva e um estilo de vida muito libertário, vindo da Europa Ocidental. Nossos pais nos protegeram disso. Isso é comum. Muitos pais muçulmanos agem assim no Ocidente. Eles protegem seus filhos do mundo externo. Por exemplo, fomos proibidos de ouvir música. Só fui ouvir música com uns 35 anos de idade. Contato com o sexo oposto era proibido. Namorados ou namoradas estavam fora de questão. Estudamos em escolas com separação por sexo. Portanto, só conheci meninos até meu casamento, aos 24, 25 anos. Eu não conhecia mulheres.

Silio Boccanera — Enquanto isso, no mundo lá fora…
Usama Hasan —
Era o oposto. Isso gera uma tensão imensa e é uma das explicações para o fascínio com a mensagem dos extremistas. Nos anos 1980 e 1990 na Inglaterra, muitos muçulmanos lidavam com uma crise de identidade entre o Oriente e o Ocidente. Entre a religião do Islã, que é muito conservadora, e uma Europa sem Deus ou religião. Além disso, havia o Islã político, que é uma força influente no mundo islâmico há 70, 80 anos, particularmente como uma reação pós-colonial, após séculos com grande parte do mundo muçulmano vivendo colonizado pelas potências europeias. Após a nossa independência e tudo mais, a mensagem do Islã mesclou com a política. Na nossa realidade, dos muçulmanos, o Islã nos deu forças para combater a colonização, representada pelo Ocidente. Enfim, eu cresci ouvindo retórica antiocidental. Vimos a revolução iraniana de 1979. Vimos o assassinato do Sadat. Houve a jihad afegã contra os soviéticos. Em casa, nas mesquitas e nos círculos muçulmanos, existia essa ideia que a nossa identidade real era a existência muçulmana e isso nos colocava contra o Ocidente. O mundo inteiro era nosso inimigo. As nações ocidentais, Israel… A Índia também.

Silio Boccanera — Por causa do Paquistão.
Usama Hasan —
O problema na Caxemira contra o Paquistão. Havia tensão no ar. Movimentos muçulmanos surgiram na Inglaterra nos anos 1980 e 1990, pregando ideias radicais e politizadas do Islã. Diziam que todos precisavam voltar à sua devoção e tinham de voltar a ser bons muçulmanos. Afinal, o ponto mais baixo dos muçulmanos, a derrota colonial, foi sofrida porque nós fomos fracos como muçulmanos, e a medida necessária era voltar a ser muçulmanos bons, fortes e devotos. Além disso, também era preciso recuperar o poder político para os muçulmanos. Relembramos os tempos quando o profeta Maomé e seus companheiros derrotaram inimigos muito mais numerosos. Poucas décadas depois de o profeta partir deste mundo, o Islã havia conquistado não só a Arábia, mas também os impérios dos persas e bizantinos. O Islã se alastrou pelo Egito e o norte da África até a Espanha. A Península Ibérica foi governada por muçulmanos por séculos. Com o tempo, o Islã chegou à Turquia e aos portões de Viena. A narrativa islâmica do último século após aqueles séculos de colonialismo foi influenciada por essa tensão. Aquela sensação de derrota que muitos muçulmanos sentem. Fomos uma nação imponente, mas agora precisávamos restaurar nossa glória. O caminho para isso é com uma afirmação da identidade muçulmana. Portanto, na nossa adolescência, começamos a usar mantos e turbantes em público. Usamos kameez shalwar, mantos árabes tradicionais. Na Universidade de Cambridge, por exemplo, durante 8 dos 9 períodos em que estudei lá, eu ia de bicicletas às palestras, usando manto e turbante, com aparência distintamente árabe e estrangeira. Na época, eu também tinha uma barba longa. Essa foi a afirmação da minha identidade muçulmana, que era muito mais importante do que o fato de ser britânico ou londrino.

Silio Boccanera — A década de 1980 coincidiu com um grande marco histórico envolvendo o conflito entre o Ocidente e Oriente. Eu me refiro ao incidente com o Salman Rushdie. Você estava bem no meio daquilo.
Usama Hasan —
Exatamente. Eu já fazia parte de um movimento muçulmano conservador que buscava expressar nossa identidade muçulmana e nossos ideais religiosos. Em 1988, Salman Rushdie escreveu um livro chamado Versos Satânicos baseado em uma história da época do profeta. Nesse livro, ele satiriza a vida do profeta e da esposas dele, que também são muito amadas e sagradas para o Islã.

Silio Boccanera — Nesse período, você chegou a cogitar se envolver diretamente nessas ações que poderiam vir a ser motivo de arrependimento?
Usama Hasan —
Nada de que eu me arrependeria. Arrependo-me de certas coisas que pensei. Eu disse a um amigo na escola que, se eu visse o Salman Rushdie no metrô de Londres, adoraria empurrá-lo nos trilhos para que ele fosse atropelado pelo trem. Lembro que uma colega nossa ficou pasma, pois ela me considerava um jovem bondoso e decente, e eu era mesmo, mas tinha essa raiva dentro de mim quando o assunto era o Islã político.

Silio Boccanera — Só que você não fez nada disso.
Usama Hasan —
Claro que não. Graças a Deus, nunca vi o Rushdie no metrô, porque eu podia ter feito alguma estupidez. Porém, nós participávamos de manifestações. Protestamos em frente à embaixada israelense, a embaixada indiana e a embaixada americana.

Silio Boccanera — O tempo passou e chegou uma hora… Foi repentino ou gradual? Você tem algum momento esclarecedor? Chegou a se questionar, a dizer que não estava sendo honesto consigo mesmo, que as coisas não deveriam ser assim? Teve um momento desses ou foi um processo lento?
Usama Hasan —
Para mim, foi uma jornada gradual. Eu cresci assimilando aquela atmosfera de Islã, o Islã político, devoção e política, a combinação de tudo isso. Portanto, a minha jornada de afastamento também foi gradual. Foi extremamente intelectual e teológica. Eu li muitos livros, e o aprofundamento da minha visão sobre as escrituras e o próprio Alcorão me ajudou a perceber que o Islã político estava abusando os ensinamentos místicos de espiritualidade, misericórdia e bondade e a ideia da busca interior na alma humana para encontrar a si mesmo. Essa é a ideia de toda a religião legítima, incluindo o Islã. Só que o Islã político era uma subversão disso. Naturalmente, toda geração tem seus erros e tenta informar a geração seguinte. Certamente, quero criar os meus filhos com o benefício das minhas experiências e quero que eles se integrem o máximo possível na sociedade britânica.

Silio Boccanera — Existe uma mensagem constante. A presença ocidental em terras muçulmanas. Bin Laden reclamava dos americanos que ocupavam a Arábia Saudita. A presença ocidental naquela terra sagrada. A Palestina e outras terras muçulmanas sendo ocupadas por forças estrangeiras. Essa é uma reclamação constante. É uma peça importante da raiva em questão.
Usama Hasan —
Com certeza. Acho que a raiva vem do senso de humilhação. Como já disse, o Islã tem uma história gloriosa e orgulhosa, e, nos últimos séculos, ele carrega um senso de derrota. Isso é representado especialmente pela perda da Palestina e parte de Jerusalém para os judeus, um grupo muito menor, representado pelo Estado de Israel. Esse senso de derrota e humilhação é muito palpável no mundo árabe. Os muçulmanos se prenderam a essa queixa por anos a fio. A queixa que o Ocidente apoia ditaduras brutais e frequentemente seculares que reprimem brutalmente os movimentos islâmicos. Torturaram e mataram milhares de muçulmanos devotos. Além disso, naturalmente, tropas americanas ocupam solo árabe, que é visto como uma terra sagrada. As três queixas cruciais da Al-Qaeda que levaram ao atentado do 11 de Setembro foram que os americanos deviam sair da Arábia Saudita, as tropas precisavam sair da terra sagradas; tinham que parar de apoiar Israel na questão da Palestina e não podiam apoiar tiranos árabes e muçulmanos. Grande parte do mundo muçulmano se identificou com tudo isso, pois haviam sido negados democracia e liberdade de expressão. Só estão conseguindo isso agora, ao longo de 2012, desde a Primavera Árabe. Além disso, a noção de ocupação de terras árabes foi exacerbada pelo conflito da Palestina, na Bósnia e Caxemira. Essa ferida entre a Índia e o Paquistão nunca foi curada. Ao longo dos últimos dez anos, naturalmente, também tivemos as guerras no Afeganistão e no Iraque. A invasão da Otan nesses dois países atiçou essa queixa. A visão é que não se pode ter tropas kafir, não muçulmanas, especialmente tropas americanas, em terreno muçulmano. Esse é um mote muito forte para a Al-Qaeda e fomenta a radicalização. É por isso que é muito importante que essas guerras no Iraque e no Afeganistão terminem e que as tropas saiam.

Silio Boccanera — Para acabar com essa desculpa.
Usama Hasan —
Exatamente.

Silio Boccanera — Quando o mundo ocidental vê certas reações da comunidade muçulmana, seja por causa desse filme recente ou o caso do Rushdie, tempos atrás, as reações radicas fazem os ocidentais pensarem: “Dá para entender que as pessoas se ofendem com o aspecto religioso da obra em questão, seja um livro ou filme. Pode se irritar, mas a sua raiva deve ser expressada na forma de uma discussão ou debate.” Uma discussão expressando a sua indignação. O que surpreende a todos é que isso leva à violência muito rapidamente. Você acha que isso tende a mudar? Precisa mudar?
Usama Hasan —
Certamente precisa mudar, pois não há desculpa para a violência, mas existem muitos fatores. Um deles é que muitas sociedades muçulmanas árabes não tem liberdade de expressão. A mídia desses locais é controlada pelo governo. Portanto, quem fica sabendo sobre um filme desses em um país árabe, ouve a mensagem do governo. Quando leem a manchete que um filme foi feito nos EUA atacando o Islã e o profeta Maomé, muitos imaginam que o governo americano é o responsável.

Silio Boccanera — Como acontece no país deles.
Usama Hasan —
Exatamente. Isso nos leva às demonstrações na frente das embaixadas americanas e às queimas de bandeiras americanas. O segundo fato é que, claramente, existe uma certa inveja e uma admiração pelos países ocidentais por seus avanços tecnológicos e científicos e as sociedades abertas dos EUA e da Europa.

Silio Boccanera — Além disso, eles podem criticar a própria religião.
Usama Hasan —
Eles provavelmente não admiram essa parte, mas admiram a abertura e a democracia e o fato de que a alternância do poder é pacífica, em vez de tiranias derrubadas por revoluções sangrentas, como é o caso em muitos países orientais. É lógica que, a cada ano, milhões de muçulmanos tentam obter vistos de imigração para os EUA ou para países europeus. Eles gostariam de viver em países onde os direitos humanos são respeitados, pois esse não é o caso em muitos países muçulmanos. O histórico é pavoroso em termos de tortura e direitos humanos.

Silio Boccanera — Falando do Islã político, existem os jihadistas, salafistas e a Irmandade Muçulmana. Estamos falando de entidades completamente diferentes. Explique o que diferencia uma da outra.
Usama Hasan —
Na verdade, as entidades estão todas ligadas. É uma interpretação puritana e conservadora do Islã. Muito rígida. Por exemplo, não há música. Às vezes, não veem filmes, TV nem vão ao cinema. Homens e mulheres não se misturam. Essa é uma interpretação rígida e conservadora, como a dos salafistas e dos deobandistas. Além disso, há a interpretação do Islã político que é resumida pela Irmandade Muçulmana, o maior grupo do gênero. Também existem ramos e grupos relacionados como a Revolução Iraniana. A maioria dos muçulmanos é sunita, mas o Khomeini é um bom exemplo de xiita que usou a religião para fins políticos a fim de engendrar a revolução islâmica. Esse regime continua no poder.

Silio Boccanera — Os jihadistas também.
Usama Hasan —
Os jihadistas costumam ser muito conservadores. No quesito religioso, são salafistas, mas também acreditam que a única medida prática a se tomar não se limita a purificação pessoal ou à pregação de moralidade, como os salafistas sugerem. Não seguem os meios democráticos nem os movimentos em massa da Irmandade. Eles acreditam que é preciso atacar a jugular com jihads armadas. Pretendem revidar com ações violentas. Os jihadistas argumentam que um esforço pacífico ou democrático é impossível contra regimes repressivos. É preciso lutar de verdade. Mais adiante, quando surgiram tropas estrangeiras, determinaram que era preciso combatê-las também. Eles acreditam na jihad violenta e alguns deles viraram os terroristas que sempre justificam violência irracional, pois não acreditam no esforço pacífico ou democrático. Não acreditam em democracia. Isso é um problema.

Silio Boccanera — É possível negociar com esses radicalistas?
Usama Hasan —
Com os radicalistas violentos, precisa ser o método de “recompensa e castigo”. Muitos deles estão presos à violência e não aceitam dialogar. Infelizmente, se eles lutam e realizam atos de violência, precisam ser impedidos, como se fossem criminosos. Isso pode incluir ação militar e certamente a prisão dos elementos. Aqueles que se mostram dispostos a dialogar, como é o caso da maioria dos islâmicos, incluindo a Irmandade Muçulmana, entre outros, devem ser incluídos nesse diálogo.

Silio Boccanera — Em termos de representação, quanto radicais representam da comunidade muçulmana mundial?
Usama Hasan —
A retórica muçulmana antiocidental dos radicais dedicados ressoa para um grande número de muçulmanos, infelizmente. Talvez chegue a 40% ou 50% do total ou até mais do que isso. Porém, a imensa maioria dos muçulmanos pelo mundo, cujo total calculado é de 1,3 bilhão, é composta por humanos como todos nós. Eles acreditam em valores familiares. Só querem ganhar a vida e terem lares estáveis. É gente que quer sustentar seus filhos. Querem empregos, boa educação e assistência médica. Naturalmente, muitos deles também querem ser devotos. Infelizmente, certos ensinamentos religiosos a respeito dos não muçulmanos, ainda mais quando são combinados com eventos políticos como a invasão ocidental de países muçulmanos… Por exemplo, a situação de Israel e a Palestina que é frequentemente vista como a opressão contínua dos muçulmanos palestinos pelas mãos do Estado judeu de Israel com o apoio de potências cristãs ocidentais. Infelizmente, isso gera desentendimento e ódio.

Silio Boccanera — Por falar do Ocidente… Quinhentos anos atrás, os cristão queimavam gente de outras religiões. Antes disso, eles foram à Terra Santa para matar muçulmanos. A Inquisição queimava pessoas em fogueiras e as torturava. Mas, lógico, isso foi 500 anos atrás. O cristianismo passou por transformações e reformas. Hoje em dia, não é isso que se vê apesar do fanatismo de certas seitas cristãs. Será que o Islã precisa passar por esse processo histórico para conseguir evitar esses atos extremos?
Usama Hasan —
Na verdade, acredito que o Islã está vivendo esse processo agora mesmo. Não esqueça que o profeta Maomé nasceu quase 6 séculos depois de Cristo. A religião e a comunidade do islamismo é muito mais jovem. O calendário islâmico ainda está em seu XV século. Quando me dizem que grande parte do Islã parece coisa medieval, eu explico que é isso mesmo. Estamos literalmente no nosso XV século. É por isso que vemos multidões de fanáticos queimando prédios e até gente. Houve muitos linchamentos de não muçulmanos, cristãos, judeus e hindus, mas também de outros muçulmanos. Gente acusada de blasfêmias ou de seguir a seita errada. Sunitas e xiitas se atacam. Existe um comportamento horroroso, e muito disso parece uma barbaridade medieval. Isso é simplesmente porque não tivemos o tempo que o cristianismo teve. Você mencionou a Inquisição. Muitos intelectuais muçulmanos pelo mundo afora lidam com uma atmosfera que é como uma inquisição onde não podem falar abertamente de religião ou questionar as autoridades e os dogmas tradicionais. Se alguém diz que algo não faz sentido, essa pessoa pode ser tachada de herege imediatamente e precisam enfrentar a pena de morte e as leis de blasfêmia. Eu mesmo precisei lidar com isso na Inglaterra. Fui removido da minha mesquita após 25 anos atendendo e servindo ali. Um professor muçulmano dos Emirados Árabes chamou o meu caso de “inquisição muçulmana”. Ele disse que, na verdade, isso é bastante comum no mundo muçulmano. Há quem pergunte se o Islã precisa de reforma. Eu acredito que essa reforma está acontecendo agora mesmo. A reforma cristã levou uns dois séculos. Pode-se dizer que, desde o fim do século XIX, ou desde o começo do século XX, estamos vivendo um processo de reforma. Analisando o discurso muçulmano intelectual, vemos que tem sido bastante ativo. Apesar das vozes e dos movimentos militantes e grupos radicais, também vemos um grande florescimento da intelectualidade e da espiritualidade islâmicas. Isso é um sinal de esperança para o futuro. Acredito que estamos passando por uma reforma, e parte do nosso trabalho é o desenvolvimento de ideias e de novas interpretações do islamismo que condizem com nossos tempos modernos e com a nossa sociedade global. Torcemos para poder ajudar a “modernizar” o Islã para que ele se adapte no mundo moderno em vez de lutar contra ele causando o extremismo e a violência que vemos.

Silio Boccanera — Usama, muito obrigado.
Usama Hasan —
Obrigado.

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