Missão institucional

AGU deve ser vista como órgão de defesa do Estado

Autor

  • Allan Titonelli Nunes

    é procurador da Fazenda Nacional e desembargador Eleitoral Substituto do TRE-RJ mestre em Administração Pública pela FGV especialista em Direito Tributário ex-presidente do Forum Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz. Membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep).

7 de dezembro de 2012, 7h00

Para a concretização dos interesses da sociedade, o Estado necessita captar, gerir e executar os recursos públicos. Logo, os objetivos e atividades a serem exercidas pelo Estado carecem da arrecadação de recursos, a qual não se esgota em si mesma, sendo um instrumento para a concretização do bem comum. Portanto, no planejamento estratégico do Estado é fundamental que haja recursos para implementação das políticas públicas incumbidas aos entes federados.

O Estado brasileiro, constituído pela República Federativa do Brasil, é organizado político-administrativamente pela União, estados, Distrito Federal e municípios, conforme preconiza o artigo 1º c/c artigo 18, da CRFB.

As políticas planejadas, desenvolvidas e executadas pelos entes federados, comumente referidas como políticas públicas, decorrem da repartição de competência administrativa da federação brasileira, onde “(…) todos os componentes da federação materializam o Estado, cada um deles atuando dentro dos limites de competência traçados pela Constituição”[1], conforme descrito por José dos Santos Carvalho Filho.

Entretanto, grande parte dos recursos, necessários para execução da competência administrativa, estão sendo desviados, ante condutas perniciosas ao Estado, o que se deve combater. Nessa particularidade, a corrupção e a sonegação representam grande parte desses males.

Segundo estudos da Fiesp o custo médio anual da corrupção no Brasil pode ser calculado entre R$ 41,5 bilhões a R$ 69,1 bilhões, representando aproximadamente de 1,5% a 2,6% do PIB.[2]

A sonegação, de outro lado, segundo estudos do IBPT, determina a evasão de R$ 200 bilhões, cujos dados levam em conta apenas as pessoas jurídicas, destacando, ainda, que o faturamento anual não declarado por essas empresas chega a R$ 1,32 trilhão.[3]

Ante os dados apresentados verifica-se que o Estado ainda não dotou toda sua administração da eficiência necessária para combater esses desvios. Assim, apresentamos estas considerações a respeito de dois órgãos essenciais para que parte importante desses desvios sejam evitados, quais sejam, Advocacia-Geral da União e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

A Advocacia-Geral da União, que é a instituição responsável por representar judicialmente e extrajudicialmente a União, prestando as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo Federal, bem como de defesa em juízo do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.

Cabe dizer que importa à Advocacia-Geral da União, lato sensu, que seus membros exercerão um papel diretamente relacionado com a concretização das políticas públicas do Estado brasileiro, aqui tomado como sinônimo de União.

O papel constitucional destinado à AGU, de defesa do Estado sem descurar da defesa do patrimônio público, interesse público secundário, não pode se contrapor arbitrariamente aos legítimos interesses da sociedade, interesse público primário, cabendo aos advogados públicos federais resolver esse conflito dentro do que determina a Constituição e as leis.

Esse controle decorre do dever mediato de defesa da Justiça, insculpido quando o legislador constituinte inseriu a AGU em um Capítulo à parte do Poder Executivo, função essencial à Justiça, havendo uma imbricação de justaposição, ou melhor, necessidade de defesa do Estado desde que a ação não transborde os preceitos constitucionais e legais.

A atuação da Advocacia-Geral da União na fase do planejamento, da formação e da execução da política pública propiciará o planejamento estratégico do Estado, a redução de demandas, bem como a prevenção dos desvios. Isso porque a atuação da AGU deve transcender a defesa política do grupo governante momentâneo, ajudando a atender as atribuições que o Estado moderno requer, precipuamente a viabilização das políticas públicas em favor da sociedade, o que, em última análise, importa em resguardar o interesse público, consubstanciado pela defesa do bem comum.

Todavia, na tramitação burocrática do Estado para implementação da política pública, exige-se a movimentação de todo um arcabouço administrativo, meticuloso e burocrático, por onde tem ocorrido os desvios de condutas relacionados à corrupção.

Considerando a participação dos advogados públicos federais na concretização preventiva da política pública é necessário que seus membros exerçam suas atividades tendo como premissa a independência técnica, eliminando-se a subordinação hierárquica, por onde se impõe escolhas estritamente políticas, o que não se coaduna com a atividade técnica descrita na Constituição.

Portanto, o papel destinado à AGU é incompatível com escolhas políticas que não tenham como premissas a Constituição e as leis, cabendo aos advogados públicos federais fazerem essa conformação. Para que esse papel seja exercido atendendo aos preceitos constitucionais é necessário que os grupos governantes respeitem as atribuições do profissional técnico, imparcial e altamente qualificado, que não sujeito às pressões políticas, e à submissão aos interesses do governo da ocasião, trará um ganho de qualidade para o desenvolvimento e a execução da política pública escolhida, evitando, assim, os desvios.

Inclusive, o mais recente escândalo estampado em todos os jornais, a vilipendiar o nome da AGU, determina a discussão dos critérios para a criação e provimento de cargos de livre nomeação. Isso porque, o epicentro da crise são as nomeações para os cargos em comissão, os quais, em uma estrutura subordinada hierarquicamente, consagrada por uma advocacia de governo em detrimento de uma advocacia de estado prevista constitucionalmente, possibilitam a politização das nomeações, impondo a imediata adoção de critérios com máxima objetividade e transparência.

De outro giro, dentre os órgãos vinculados tecnicamente à AGU, ressalta-se o papel da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), responsável pela a arrecadação dos tributos e demais receitas, não pagas e inscritas em dívida ativa da União. Tendo a Lei Complementar 73/93 atribuído à PGFN a responsabilidade pela(o)[4]: a) apuração da liquidez e certeza da dívida ativa da União de natureza tributária, inscrevendo-a para fins de cobrança, amigável ou judicial; b) representação da União, na execução de sua dívida ativa de caráter tributário; c) exame prévio da legalidade dos contratos, acordos, ajustes e convênios que interessem ao Ministério da Fazenda, inclusive os referentes à dívida pública externa, e promoção da respectiva rescisão por via administrativa ou judicial; e d) representação da União nas causas de natureza fiscal.

A cobrança dos créditos inscritos em dívida ativa da União, uma das atribuições da PGFN, garante a isonomia entre o devedor e o cidadão que paga seus tributos, evitando, também, a concorrência desleal e todas as suas consequências nefastas, como o desemprego.

Um órgão de recuperação bem aparelhado propiciará evitar a sonegação, garantindo, consequentemente, maior disponibilidade de caixa para a execução das políticas públicas.

Todavia, essa lógica está distante da realidade da PGFN, a qual carece de uma carreira efetiva de apoio, estrutura física, técnica e instrumental adequada para o exercício das atividades dos Procuradores da Fazenda Nacional, falta de provimento de todo o quadro efetivo de Procuradores, sistemas informatizados não integrados, entre outros problemas.

Na tentativa de preservar a condição estratégica da PGFN o legislador preocupou-se em vincular determinadas receitas às despesas específicas. Essa vinculação somente ocorre porque ocorrem despesas necessárias à construção de um planejamento estratégico e social do país, o qual transcenderia um projeto de governo, sendo ínsito à efetivação de um programa de Estado.

Assim, para a preservação da função estratégica da atividade de fiscalização e arrecadação da União foi criado um Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (FUNDAF), através do Decreto-Lei 1.437/75, o qual tem como escopo financiar o reaparelhamento e reequipamento das atividades de fiscalização e arrecadação da União, conforme preconiza o artigo 6° da legislação citada.

Contudo, a União, a despeito do que determina a Lei 7.711/88, a qual vincula as receitas do fundo, na subconta da PGFN, para reestruturação do órgão, tem contingenciado esses valores para os fins mais diversos possíveis, entre eles a realização do superávit primário[5].

A falta de respeito à lei, por meio de subterfúgios formais, e à eliminação dos problemas enfrentados pelo órgão demonstram que a sonegação não é o principal objetivo de combate por parte do governo.

Considerando os desvios decorrentes da corrupção e da sonegação — as altas cifras envolvidas — é imprescindível repensar o papel da AGU como órgão responsável pela defesa do Estado e não do grupo governante de plantão, assim como concretizar, efetivamente, a estruturação necessária à PGFN, para que possa desenvolver seu papel com ainda mais eficiência.

 

Essas reflexões farão parte do XII Encontro Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional que tem como tema o “Fortalecimento da AGU e da PGFN como instituições essenciais ao combate à sonegação e à corrupção.”


[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 2.

[2]Disponível em: <http://www.fiesp.com.br/competitividade/downloads/custo%20economico%20da%20corrupcao%20-%20final.pdf> Acesso em 23.10.2012.

[3]Disponível em: <http://www.ibpt.com.br/img/_publicacao/13649/175.pdf> Acesso em 23.10.2012.

[4] Atribuições previstas nos incisos do Art. 12, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. BRASIL. Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp73.htm> Acesso em: 20.11.2012.

[5] NUNES, Allan Titonelli. NETO, Heráclio Mendes de Camargo. País deve aplicar receita da PGFN no próprio órgão. Revista Eletrônica Consultor Jurídico. 23 de agosto de 2011. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2011-ago-23/pais-investir-receita-pgfn-proprio-orgao> Acesso em 23.10.2012.

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