Supremacia da Constituição

Barroso explica a revolução do Direito Constitucional

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6 de dezembro de 2012, 17h36

Brasília, 4 de maio de 2011. O ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, lê um voto de 49 páginas em que declara que a união entre pessoas do mesmo sexo têm garantias jurídicas iguais àquelas convencionais, de pessoas de sexo oposto. Foi neste voto que o ministro-poeta frisou que a sexualidade “corresponde a um ganho, um bônus, um regalo da natureza” e fez o conceito da quarta família ser juridicamente reconhecido no Brasil.

Enquanto Ayres Britto lia seu voto, repleto de imagens e símbolos, Tony Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), na primeira fila do Plenário do Supremo, se vira para o advogado Luís Roberto Barroso, sentado ao seu lado, e diz, em tom eufórico: “Nossa, esse cara entende mesmo da coisa!”. Essa é uma das muitas histórias que o professor e advogado Luís Roberto Barroso conta em um dos dois livros que lança em Brasília, na próxima segunda-feira (10/12). Mas as histórias, saborosas, são apenas “um plus” — como diria Ayres Britto — das duas obras.

No livro O Novo Direito Constitucional Brasileiro, Barroso explica didaticamente o fenômeno da constitucionalização do Direito: os caminhos percorridos para que a Constituição Federal se transformasse no ponto de partida para se olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. O autor traz exemplos concretos de casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal aliados a uma análise teórica densa que revelam os motivos pelos quais o Código Civil foi deslocado do centro do sistema para dar lugar à Carta de 1988.

Com uma vantagem. O texto de Barroso passa longe da escrita hermética que afasta leitores que não estão habituados ao juridiquês de petições e decisões judiciais. O livro enfrenta todas as questões polêmicas que envolvem a discussão do Direito Constitucional. Da judicialização da vida e do ativismo judicial ao detalhamento excessivo da Constituição brasileira e a profusão de emendas que se seguiram à sua proclamação — são 71 emendas em 24 anos.

O autor explica, por exemplo, que a Constituição de 1988 é a Constituição de nossas circunstâncias, sujeita a imperfeições e vicissitudes. Segundo Barroso, é preciso ter em mente que o processo constituinte teve como protagonista uma sociedade civil que amargara mais de duas décadas de autoritarismo. E na euforia da recuperação das liberdades públicas, a constituinte se transformou em um notável exercício de participação popular.

O exercício cívico sem precedentes conhecidos serviu para o bem e para o mal. Produziu um texto prolixo e heterogêneo, com qualidade técnica e nível de prevalência do interesse público oscilantes entre extremos. A Constituição brasileira trata de assuntos demais e de forma excessivamente detalhada. Isso, segundo o autor, explica de certa maneira o grande volume de emendas.

“O resultado prático é que, no Brasil, a política ordinária se faz por meio de emendas constitucionais”, afirma Barroso. Ainda assim, para o professor, foi a Carta de 1988 que garantiu a estabilidade que o país vivencia há quase 25 anos. “Há um consolo. Naquilo que a Constituição tem de materialmente constitucional – isto é, matérias que inequivocamente deveriam figurar no seu texto – ela tem sido estável”, sustenta.

O Novo Direito Constitucional Brasileiro tem uma introdução de 53 páginas, nas quais Barroso revela os motivos de o país viver uma revolução constitucional que se traduz em profundas transformações vividas pelo direito constitucional brasileiro nas últimas décadas. Depois, o livro se divide em duas partes. Na primeira parte, traz seis artigos escritos pelo professor ao longo dos quase 30 anos de estudo do Direito Constitucional. Cada capítulo é aberto com uma nota que explica o contexto no qual o texto foi escrito.

Na segunda parte, emerge o advogado. Luís Roberto Barroso relata cinco casos paradigmáticos em que atuou da tribuna do Supremo Tribunal Federal. Em todos, saiu vencedor. O autor escreve detalhes de como foram formadas as teses, enfrentados os processos e conta saborosos bastidores de algumas das mais polêmicas e recentes decisões do STF: o reconhecimento do direito da gestante interromper a gravidez de fetos anencéfalos, a proibição do nepotismo, a legitimidade de pesquisas com células-tronco embrionárias, o reconhecimento da união homoafetiva e a rejeição da extradição do ex-militante da esquerda italiana Cesare Battisti.

No capítulo dedicado a contar o processo que permitiu a Battisti ficar no Brasil, Barroso publica reportagem feita pela revista Consultor Jurídico logo depois de ele ter vencido a batalha contra o governo italiano (Clique aqui para ler). Cada um dos cinco capítulos é concluído com histórias de bastidores dos processos, com o título “O que ninguém ficou sabendo”. São relatos impagáveis.

Princípio da dignidade
No segundo livro que lançará, na mesma segunda-feira (10/12), Barroso trata de dar conteúdo substantivo a um princípio que vem sendo usado cada vez com mais profusão, mas em grande parte das vezes de forma rarefeita: o princípio da dignidade da pessoa humana. Não é à toa que ministros do Supremo Tribunal Federal já fizeram constar em seus votos que um princípio caro como este não pode se tornar uma panacéia para todos os males, sob pena de ser barateado e perder a importância.

Em A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo, o professor buscou dar dimensão jurídica e operacional à aplicação do princípio a partir de sua análise em diferentes países do mundo e no Brasil. O livro foi escrito durante a estadia de Barroso como Visiting Scholar na Universidade de Harvard, em 2011. Publicado originalmente em inglês, foi traduzido para o português pelo mestrando em Direito Humberto Laport de Mello, com revisão final do próprio autor.

Segundo Luís Roberto Barroso, “a dignidade humana se tornou um consenso ético essencial no mundo ocidental, reforçando a rejeição moral ao desastre representado pelo nazifascismo”. Mas nenhum documento jurídico nacional ou internacional tentou oferecer uma definição para o termo, deixando seu significado para o entendimento “intuitivo”. O autor tenta definir minimamente o conceito com base em três valores: o valor intrínseco do ser humano, a autonomia de cada indivíduo, e a limitação a essa autonomia por algumas restrições legítimas impostas em nome de valores sociais ou interesses estatais — os valores comunitários.

Com amplo estudo do direito comparado, o professor desenha o conteúdo mínimo desse princípio. Um dos julgamentos usados no livro, que servem de exemplo de como o princípio se alastrou pelo mundo, é o caso Kindler v. Canada. O processo dizia respeito à extradição de um réu americano que poderia ser condenado à morte em seu país. Os votos contrários à extradição mencionaram a abolição da pena capital no Reino Unido, na França, na Austrália, na Nova Zelândia, na antiga Tchecoslováquia, na Hungria e na Romênia, como um reforço do “reconhecimento internacional da importância da dignidade humana”.

O livro traz o estudo da utilização da dignidade humana para a estruturação do raciocínio jurídico nos casos difíceis. Trata, neste capítulo, de temas como aborto, casamento de pessoas do mesmo sexo e suicídio assistido. O autor também estuda a jurisprudência brasileira em relação ao princípio e chega à seguinte conclusão: “Raramente a dignidade é o fundamento central do argumento e, menos ainda, tem o seu conteúdo explorado ou explicitado”.

Um fato é revelado pelos dois livros que serão lançados por Barroso. Surgiu no Brasil um sentimento constitucional e o país vive, de fato, um Estado Democrático de Direito. Isso merece ser celebrado, como observa o autor no primeiro livro. “Superamos a crônica indiferença que, historicamente, se manteve em relação à Constituição. E, para os que sabem, é a indiferença, não o ódio, o contrário do amor”.

Serviço
Lançamento:
Segunda-feira, 10 de dezembro de 2012.
Horário: 19h 
Local: Le Jardin du Golf Restaurante
Endereço: Setor de Clubes Sul, Trecho 2 – Clube de Golfe. Brasília.

Livros:
Título: O Novo Direito Constitucional Brasileiro – Contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil
Autor: Luís Roberto Barroso
Editora: Fórum
Edição: 1ª Edição — 2012
Páginas: 522 páginas
Preço: R$ 89,00

Título: A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo – A construção de um conceito à luz da jurisprudência mundial
Autor: Luís Roberto Barroso
Editora: Fórum
Edição: 1ª Edição — 2012
Páginas: 132 páginas
Preço: R$ 39,00

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