Lavagem de dinheiro

Advogado pode delatar cliente, decide corte europeia

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6 de dezembro de 2012, 16h58

A Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que o sigilo nas comunicações entre advogado e cliente não é absoluto e pode ser afastado em alguns casos. Os juízes validaram norma da França que obriga os advogados a delatar seus clientes se suspeitarem que estes estejam envolvidos em esquemas de lavagem de dinheiro. A decisão foi anunciada, nesta quinta-feira (6/12), por uma das câmaras de julgamento da corte e ainda pode ser modificada pela câmara principal de julgamentos.

O tribunal europeu julgou uma regulamentação da Ordem dos Advogados da França que exige que os advogados colaborem no combate à lavagem de dinheiro. De acordo com a regra da entidade, os defensores devem ficar constantemente vigilantes e, diante de suspeitas do crime financeiro, devem relatar às autoridades francesas, sob pena de processo disciplinar.

Os juízes da corte europeia consideraram que a obrigação é razoável e está de acordo com a Convenção Europeia de Direitos Humanos. Eles explicaram que, embora a convenção proteja o sigilo das comunicações especialmente entre advogado e cliente, essa proteção não é absolutamente inviolável. Pode ser afastada por lei, desde que haja justificativa para isso.

O artigo 8º da convenção estabelece: “Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar econômico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros”.

De acordo com a regulamentação, o advogado só deve delatar seu cliente quando estiver prestando auxílio profissional em operações financeiras fora dos tribunais. Para a corte europeia, a norma francesa não abala a confiança do cliente no seu advogado quando se trata de processo judicial já que, quando o defensor representa seu cliente na Justiça, fica livre da obrigação.

Os juízes europeus também consideraram que a norma impõe ao advogado o dever de comunicar suas suspeitas diretamente ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados onde é associado. Para a corte, a comunicação das suspeitas ao também colega de profissão e, portanto, submetido às mesmas regras de conduta, não viola nenhuma prerrogativa profissional. Cabe então ao presidente da seccional o papel de avaliar as informações recebidas e decidir se é o caso de comunicar às autoridades policiais sobre as suspeitas de crime financeiro.

União Europeia
A norma que obriga os advogados a delatar seus clientes foi aprovada pela Ordem dos Advogados da França em 2007, como regulamentação da Diretiva da União Europeia sobre lavagem de dinheiro. A diretiva visa o combate ao crime financeiro e ao financiamento de atividades terroristas. Impõe especialmente aos bancos nos países da UE a obrigação de comunicar à Polícia suspeitas de lavagem de dinheiro, mas também trata das responsabilidades de outros que, por conta da profissão, podem se deparar com o crime financeiro.

Como regra, a diretiva exclui os advogados da obrigação de participar do combate ao crime, mas prevê exceções. “A consultoria jurídica continua a estar sujeita à obrigação de segredo profissional, salvo se o consultor jurídico participar em atividades de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, se prestar consulta jurídica para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo ou se o advogado estiver ciente de que o cliente solicita os seus serviços para esses efeitos”, estabelece a norma (Clique aqui para ler).

Foi o advogado Patrick Michaud, membro da seccional de Paris da Ordem dos Advogados francesa, que levou à reclamação à Corte Europeia de Direitos Humanos. Antes, ele tentou que a própria Ordem suspendesse a regulamentação. Sem sucesso, resolveu levar à discussão para o tribunal europeu.

Michaud alega que a obrigação imposta aos advogados viola a confidencialidade garantida na comunicação com seus clientes. Ele também defende que a obrigação de delatar com base apenas em suspeitas afronta o direito à presunção de inocência e o de não se auto-incriminar. Já que, com essa obrigação em vigor, quem é acusado de lavagem de dinheiro estaria praticamente confessando o crime ao procurar um advogado.

No Brasil, a obrigação de os advogados delatarem seus clientes também está sendo discutida. Em julho deste ano, foi aprovada a Lei 12.683/2012, nova lei de lavagem de dinheiro. A norma estabelece que pessoas físicas ou jurídicas que tenham conhecimento do crime financeiro em razão da sua profissão relatem as suspeitas aos órgãos competentes. A lei não trata especificamente dos advogados, mas pode ser interpretada também no sentido de obrigar os defensores a delatar clientes.

Por conta disso, em outubro, a Ordem dos Advogados do Brasil pediu ao Supremo Tribunal Federal que exclua expressamente a advocacia da incidência da lei. Em Ação Direta de Inconstitucionalidade, a OAB alega que a norma não se aplica aos advogados em razão dos princípios constitucionais de proteção ao sigilo profissional. 

Clique aqui para ler a decisão em francês.

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