Segunda Leitura

Indagações além da posse na reitoria da PUC-SP

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

2 de dezembro de 2012, 7h00

Spacca
A PUC de São Paulo foi fundada em 1946, possui 6 campi, dezenas de cursos de graduação e pós-graduação, atividades culturais e sociais. Nela, o reitor é escolhido por meio de um sistema misto que, através de eleições pelos alunos, funcionários e professores, indica uma lista tríplice para posterior escolha de um nome pelo Bispo.

O sistema de lista tríplice, ou “terna”, como dizem os nossos hermanos do lado de lá dos rios Paraná ou Uruguai, é o sistema mais adotado para as diversas escolhas de funções relevantes. Por exemplo, nos Tribunais Regionais Federais vota-se uma lista de três nomes para o cargo de desembargador federal e a presidente da República escolhe um deles.

Nem sempre o mais votado é o escolhido. Por isso, em nomeações para procurador-geral da Justiça dos Estados, o governador pode nomear um dos três mais votados pelos membros do Ministério Público. Quando a opção não é pelo mais votado, há sempre manifestações de inconformismo.

Pois bem, na PUC-SP três foram os indicados pelas urnas. O mais votado foi o próprio reitor, Dirceu de Mello, que está com 80 anos de idade. A terceira da lista foi a professora Anna Maria Marques Cintra, que nos debates políticos teria afirmado que não aceitaria a nomeação se não fosse a mais votada. Ocorre que o Bispo Dom Odilo Scherer, a quem cabe a palavra final, escolheu a professora Anna Maria. E daí surgiu um impasse.

Os alunos no dia 14 de novembro ocuparam a Reitoria em protesto contra a nomeação. De sobra, promoveram um protesto em frente ao Masp, na Av. Paulista, reunindo cerca de 400 pessoas, com promessa de um deputado estadual de que convocaria o Bispo e o reitor para prestarem esclarecimentos na Assembleia Legislativa (O Estado de S.Paulo, 29.12.2012, A-30). Professores declararam greve e no dia 22 deliberaram mantê-la.

A par desses protestos, os alunos interpuseram recurso administrativo perante o Conselho Consultivo, alegando que o Regimento Interno obrigava funcionários e professores a zelar pelo patrimônio moral da Universidade. O recurso recebeu pedido de vista, o mandato do reitor terminou, outro foi nomeado interinamente. Tentativa de acordo no TRT, no dia 29 passado, resultou infrutífera.

Estes os fatos. Mas um olhar mais atento mostrará que há questões que vão além da ocorrência e que merecem ser discutidas. Vejamos.

A primeira observação é sobre a idade do reitor, o mais votado aos 80 anos de idade. O fato põe em discussão a idade limite de 70 anos para o exercício das funções públicas. Dirceu de Mello, ex-presidente do TJ-SP, foi obrigado a deixar o cargo de desembargador ao atingir os 70 anos, mas prosseguiu na Academia e, aos 80, foi reeleito para continuar como reitor, administrando uma grande universidade. Não é algo simples.

Pergunta-se: justifica-se ainda a idade limite de 70 anos para o fim do exercício das funções públicas, a chamada “expulsória”? Ou a evolução da medicina recomenda que se reestude o assunto? Ou, ainda, terá Dirceu de Mello descoberto a “fonte da juventude” procurada, sem sucesso, por Ponce de León?

A segunda indagação refere-se à opção do Bispo em escolher a menos votada. O ato é discricionário e ele não estava obrigado a revelar os motivos de sua escolha. Ele pode ter sido contra a reeleição, por acreditar que a idade de Dirceu de Mello não recomenda a continuidade ou até por crer que é a vez de uma mulher. Mas deveria fazê-lo? Se voltasse atrás, isto abrandaria a revolta? Ou, ao contrário, serviria para estimulá-la? É justo revoltar-se contra uma escolha quando o Regimento Interno permite que assim seja feito?

A terceira indagação é a mais complexa. Se a professora Anna Marques Cintra realmente prometeu que não aceitaria ser reitora se não fosse a mais votada, ela feriu a moral universitária por retratar-se da promessa?

O professor de Harvard, Michael J. Sandel, no livro Justiça. O que é fazer a coisa certa, analisa os dilemas morais da nossa época. Observando que “a vida em sociedades democráticas é cheia de divergências entre o certo e o errado, entre justiça e injustiça”, exemplifica com as discussões sobre o direito ao aborto, o sistema de cotas nas universidades e a tortura sobre suspeitos de terrorismo (pp. 36/37).

Seria a exigência do cumprimento das promessas um novo dilema da sociedade brasileira? O que aqui se discute alcança promessas de políticos em campanha? Estaríamos diante de uma mudança de postura, outrora baseada na busca da vantagem sempre (“Lei de Gerson”)? Ou estaríamos diante de uma reação despropositada, que procura dar à interpretação da norma regimental um rigor excessivo?

Como se vê, no caso em análise há três temas que vão bem além do conflito instalado com a eleição para a reitoria da PUC-SP. Qual a melhor opção em cada um deles?

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