Coisa julgada

Tribunais não podem excluir juros ao pagar precatórios

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1 de dezembro de 2012, 5h54

Os tribunais brasileiros não podem recalcular o valor de precatórios pendentes de pagamento excluindo juros moratórios e compensatórios. O valor integral deve ser pago por força da decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.098, julgada em 1996. Foi o que disse o ministro Dias Toffoli, do STF, ao decidir monocraticamente uma Reclamação contra o Tribunal de Justiça de São Paulo. Segundo um credor, a corte paulista, em decisão administrativa, acabou desconstituindo decisão em execução transitada em julgado, excluindo os juros do valor do precatório e tornando seu detentor devedor da Prefeitura.

A decisão do ministro Dias Toffoli foi publicada no dia 22 de novembro. Ele analisou reclamação do espólio de uma credora do município de São Paulo detentora de precatório originado pela desapropriação de um imóvel na década de 1990, para a ampliação da Avenida Faria Lima. Representada pelo advogado Carlos Roberto Deneszczuk Antonio, socio da DASA – Deneszczuk, Antonio Sociedade de Advogados, ela pediu — e conseguiu — o sequestro de verbas municipais para obter, além do valor do imóvel, já pago, também o equivalente a juros moratórios e compensatórios sobre o montante.

No entanto, a Prefeitura entrou com a Reclamação 3.207 no Supremo, conseguindo liminar para suspender o sequestro. Como a Reclamação acabou sendo indeferida, a liminar também caiu.

Pedindo novamente o sequestro de verbas, o espólio da credora foi surpreendido pela decisão da Presidência do TJ-SP de não incluir o valor dos juros na conta, o que tornaria a interessada uma devedora. “A requisição a título de complementação de depósitos insuficientes somente deve referir-se a diferenças resultantes de erros materiais ou aritméticos ou de inexatidões dos cálculo dos precatórios, não podendo, como é cediço, sem afrontar a coisa julgada, alcançar o critério adotado para a elaboração do cálculo ou índice de atualização diversos dos que foram utilizados em primeira instância”, disse o TJ-SP na decisão administrativa aprovada pelo Órgão Especial do tribunal.

Mas, para os credores, a decisão administrativa fez justamente o que ressalvou não poder fazer: afrontou a coisa julgada, uma vez que eles já tinham obtido decisão favorável da corte para receber os juros. Por isso, protestaram contra a decisão no Supremo, por meio de Reclamação, em que alegaram descumprimento do que os ministros decidiram na ADI 1.098.

“O TJ entendeu que, ao se atualizar o valor para fazer os pagamentos, o recálculo resultava em quantia maior do que a devida. Com isso, como o sequestro já tinha sido feito, o credor virou devedor. Mas já havia sentença. O que eles fizeram foi voltar atrás em relação a ela”, explica o advogado Carlos Antonio. “Eles chegaram a anular todas as sentenças que tinham determinado sequestros no estado.”

O ministro Dias Toffoli herdou o processo do ministro Menezes Direito, antigo relator da ação, que morreu em 2009. Direito havia negado a liminar aos credores do precatório, por não encontrar ligação entre o pedido e o que havia sido julgado pelo STF em 1996. A Procuradoria-Geral da República opinou pela rejeição da Reclamação.

Toffoli, ao contrário de Menezes Direito, viu no julgamento da ADI 1.098 a solução para o caso. “Na ocasião, ficou assentado que a determinação do pagamento de precatório, consoante dispõe o artigo 100, parágrafo 2º, da Constituição da República, tem natureza meramente administrativa, devendo subordinar-se ao que fixado pelo juízo da execução, sob pena de ofensa à coisa julgada material”, disse.

Ele lembrou que o próprio presidente do TJ-SP ressalvou, em sua decisão, seu entendimento pessoal de que não teria poderes para, administrativamente, alterar o título executivo judicial constituído jurisdicionalmente. Mas ficou vencido no Órgão Especial. “O E. Órgão Especial, por maioria de votos, entende ser possível a flexibilização da coisa julgada, mesmo em atividade administrativa”, disse o chefe do Judiciário paulista.

“O trecho citado revela que, ao assim proceder, o presidente do Tribunal de Justiça, em ato de cunho administrativo, invadiu a competência do juízo da execução, alterando os parâmetros fixados na condenação, o que implica ofensa direta ao que decidido na ADI 1.098”, afirmou o ministro Toffoli ao deferir a Reclamação e cassar a decisão do TJ-SP.

Para o presidente da Comissão de Dívida Pública da OAB-SP, Flávio Brando, a decisão deve pôr fim à prática comum dos tribunais de todo o país de excluir dos precatórios os juros moratórios e compensatórios. “O precedente é importantíssimo porque manda que sejam respeitadas as decisões transitadas em julgado”, diz, referindo-se aos julgamentos de execução das indenizações.

De acordo com o advogado do caso, Carlos Antonio, o pagamento do precatório em questão deve chegar a de duas a três vezes o valor da indenização pela desaproprição, devido ao tempo decorrido. Ele estima que o valor seja liberado dentro de seis meses, tempo previsto para a efetivação do sequestro de verbas. A Prefeitura paulistana ainda pode recorrer.

Leia a decisão:

14. S T F
Disponibilização: quinta-feira, 22 de novembro de 2012.
Arquivo: 30 Publicação: 4
SECRETARIA JUDICIÁRIA Decisões e Despachos dos Relatores

RECLAMAÇÃO 5.360 (566)
ORIGEM :RCL – 106224 – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

PROCED. :SÃO PAULO

RELATOR :MIN. DIAS TOFFOLI

RECLTE.(S) :ESPÓLIO DE MARGARETHA DUX

ADV.(A/S) :HIGINO ANTÔNIO JÚNIOR

RECLDO.(A/S) : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (PROCESSO Nº 096.879.0/0-01)

INTDO.(A/S) :MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

DECISÃO: Vistos. Cuida-se de reclamação constitucional ajuizada pelo ESPÓLIO DE MARGARETHA DUX em face da TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, sob alegação de afronta ao que decidido por esta Corte no julgamento da ADI nº 1.098/SP. O reclamante narra que, em razão de processo de desapropriação promovido pelo Município de São Paulo, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou o sequestro de verbas municipais, para pagamento de diferenças em precatório já pago, com inclusão dos juros moratório e compensatórios, em observância a decisões já transitadas em julgado. O sequestro foi suspenso em razão de medida liminar deferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos da Rcl nº 3.207, ajuizada pelo Município, posteriormente cassada em razão da negativa de seguimento da referida reclamação. Aduz que, quando da nova ordem de sequestro, o Presidente do Tribunal de Justiça Estadual, em decisão de cunho administrativo, determinou o afastamento do juros moratórios e compensatórios, em contrariedade à decisão proferida pelo STF na ADI nº 1.098. Alega que: "Com efeito, a requisição a título de complementação de depósitos insuficientes, somente deve referir-se a diferenças resultantes de erros materiais ou aritméticos ou de inexatidões dos cálculo dos precatórios, não podendo, como é cediço, SEM AFRONTAR A COISA JULGADA, alcançar o critério adotado para a elaboração do cálculo ou índice de atualização DIVERSOS DOS QUE FORAM UTILIZADOS EM PRIMEIRA INSTÂNCIA" (fl. 6). Requereu, em sede liminar, a suspensão da decisão reclamada e, no mérito, a sua cassação. A decisão liminar foi indeferida pelo então Relator Ministro Menezes Direito, sob fundamento de ausência de identidade entre o objeto da reclamação e a ADI nº 1.098/SP. Parecer do Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos, pela improcedência da reclamação. É o relatório.

O pleito da reclamante deve ser acolhido. A decisão reclamada vai de encontro ao que decidido no julgamento da ADI nº 1.098/SP, como se depreende da ementa: "PRECATÓRIO – OBJETO. Os preceitos constitucionais direcionam à liquidação dos débitos da Fazenda. O sistema de execução revelado pelos precatórios longe fica de implicar a perpetuação da relação jurídica devedor- credor. PRECATÓRIO – TRAMITAÇÃO – REGÊNCIA. Observadas as balizas constitucionais e legais, cabe ao Tribunal, mediante dispositivos do Regimento, disciplinar a tramitação dos precatórios, a fim de que possam ser cumpridos. PRECATÓRIO – TRAMITAÇÃO – CUMPRIMENTO – ATO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL – NATUREZA. A ordem judicial de pagamento (§ 2º do artigo 100 da Constituição Federal), bem como os demais atos necessários a tal finalidade, concernem ao campo administrativo e não jurisdicional. A respaldá-la tem-se sempre uma sentença exeqüenda. PRECATÓRIO – VALOR REAL – DISTINÇÃO DE TRATAMENTO. A Carta da República homenageia a igualação dos credores. Com ela colide norma no sentido da satisfação total do débito apenas quando situado em certa faixa quantitativa. PRECATÓRIO – ATUALIZAÇÃO DE VALORES – ERROS MATERIAIS – INEXATIDÕES – CORREÇÃO – COMPETÊNCIA. Constatado erro material ou inexatidão nos cálculos, compete ao Presidente do Tribunal determinar as correções, fazendo-o a partir dos parâmetros do título executivo judicial, ou seja, da sentença exeqüenda. PRECATÓRIO – ATUALIZAÇÃO – SUBSTITUIÇÃO DE ÍNDICE. Ocorrendo a extinção do índice inicialmente previsto, o Tribunal deve observar aquele que, sob o ângulo legal, vier a substituí-lo. PRECATÓRIO – SATISFAÇÃO – CONSIGNAÇÃO – DEPÓSITO. Não se há de confundir a consignação de créditos, a ser feita ao Poder Judiciário, com o depósito do valor do precatório, de responsabilidade da pessoa jurídica devedora à qual são recolhidas, materialmente, "as importâncias respectivas" (§ 2º do artigo 100 da Constituição Federal). Na ocasião ficou assentado que a determinação do pagamento de precatório, consoante dispõe o artigo 100, § 2º, da Constituição da República, tem natureza meramente administrativa, devendo subordinar-se ao que fixado pelo juízo da execução, sob pena de ofensa à coisa julgada material. O Presidente do TJSP afirma na decisão objeto da reclamação que: "Quanto à atualização do crédito, ressalvo meu entendimento pessoal acerca da impossibilidade de alteração do título executivo em atividade administrativa do Tribunal de Justiça, exercida no procedimento de sequestro de rendas públicas, pois eventual flexibilização da coisa julgada, que reveste o título executivo, deve ser operada no juízo da execução, por atividade jurisdicional. Nesse sentido ficou assentado pelo Tribunal Pleno do E. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADIn nº 1098-SP: ‘Precatório – Tramitação – Cumprimento – Ato do Presidente do Tribunal – Natureza. A ordem judicial de pagamento (art. 2º do artigo 100 da Constituição Federal), bem como os demais atos necessários a tal finalidade, concernem ao campo administrativo e não jurisdicional. A respaldá-la tem-se sempre uma sentença exeqüenda.’ Entretanto, o E. Órgão Especial, por maioria de votos, entende ser possível a flexibilização da coisa julgada, mesmo em atividade administrativa (.) (fls. 186, grifei). O trecho citado revela que, ao assim proceder, o Presidente do Tribunal de Justiça, em ato de cunho administrativo, invadiu a competência do juízo da execução, alterando os parâmetros fixados na condenação, o que implica ofensa direta ao que decidido na ADI nº 1.098/SP. No mesmo sentido: Rcl nº 4.967/SP, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 1/2/10; e Rcl nº 6.296/SP, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 10/5/11. Ante o exposto, julgo procedente a reclamação constitucional para cassar a decisão reclamada.

Comunique-se. Publique-se.

Brasília, 20 de novembro de 2012.

Ministro DIAS TOFFOLI
Relator

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