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Impressões de uma viagem à China – Pequim

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29 de agosto de 2012, 8h00

Spacca
A China é a bola da vez. E não pela eleição, há duas semanas, da bela Wen Xiayu como a Miss Mundo 2012, no certame realizado no estádio da cidade de Ordos, na província da Mongólia interior, em frente à praça dedicada ao guerreiro mongol Gengis Kan (a Mongólia desempenhou papel preponderante na formação da China, como veremos em alguma coluna mais adiante). Ela é a bola da vez porque o seu crescimento nos anos recentes se tornou um dos combustíveis do desenvolvimento global — e desde o final dos anos 80 a China ocupa lugar protagônico no cenário mundial.

Já em 2007, numa entrevista que publiquei com o economista Raul Velloso, doutor pela Yale University, ele afirmava: “Eu mesmo não tinha percebido a importância do efeito China: desde 1988 não aparecia algo assim. O efeito China soa como milagre vindo de fora, que proporcionou a possibilidade de taxa de câmbio baixa, trazendo vantagens: extensão de prazos, inundação de dinheiro e ajuda para combater a inflação. Ele provocou o aumento de nossas reservas de dólares: de US$ 20 bilhões em 2000 para os atuais US$ 162 bilhões. Claro, o câmbio alto ajudaria a indústria local, mas gera aumento da inflação. Em economia sempre há quem ganha e quem perde.”

Desde então, passei a seguir com atenção aquele país. Três anos depois, o resultado desse acompanhamento foi uma edição inteira dedicada à China na extinga revista Getulio (edição 24, dezembro de 2010), que teve como um dos carros-chefes a entrevista com o senhor Qiu Xiaoqi, na época o embaixador da República Popular da China no Brasil.

Daí o passo seguinte foi iniciar uma pesquisa sobre o peso que o noticiário brasileiro dá a seu hoje maior parceiro comercial — embora no primeiro semestre deste ano os EUA tenham aumentado participação, enquanto a Argentina, nosso terceiro parceiro, continua dando mostras de ser um vizinho à deriva. Embora ainda em andamento, essa pesquisa aponta o que já se sabe: a mídia local continua presa a parâmetros do passado, focando suas atenções ao que acontece no norte das Américas e não na Ásia. Naquela edição da Getulio sobre a China, a repórter Sonia Bridi escrevia, entre outras belas observações: “Há mais diplomatas brasileiros em Paris do que em Pequim.”

Para dar um pequeno exemplo, há pouco vi uma enquete que pedia para os internautas avaliarem a cobertura dada pela imprensa brasileira ao massacre de Aurora. (Alguém ainda se lembra da história do rapaz de 24 anos que lançou uma bomba de gás num cinema daquela cidade do Colorado, EUA, disparando e matando doze pessoas, na estreia do filme Batman, o cavaleiro das trevas renasce? Em que isso muda as nossas vidas, com os nossos 50 mil assassinatos anuais?)

Agora no final de julho, a convite da Embaixada da China no Brasil, e com o suporte da Fundação Cásper Líbero, instituição em que trabalho, realizei a primeira visita à China. Com aprovação do editor desta ConJur, inicio uma série de pequenas reportagens sobre nosso parceiro maior, com algumas percepções e anotações das duas semanas em que andei por Pequim (o nome chinês é Beijing), Suchian e o Tibet. A primeira parte do programa foi montada por mim, a segunda seguiu um roteiro elaborado pelo Conselho de Estado de Informação do governo chinês.

Na primeira semana, por minha conta, visitei lugares turísticos, como a Grande Muralha, a Cidade Proibida, a Praça da Paz Celestial, alguns museus. Andei por shoppings, mercados da seda, locais populares de compras, lojas de alto luxo, como a da Montblanc (sua maior filial do mundo ocupa quatro andares de um espaço de compras exclusivo em Pequim) e a britânica Bentley. E muitos restaurantes chineses e étnicos, com destaque para endereços de chefs espanhóis e italianos, em especial o Alameda, badalado restaurante brasileiro, capitaneado pelo chef Geraldo Thomazini e propriedade de uma dupla de investidores, o venezuelano Daniel Aldana e o engenheiro brasileiro Maury Lima, à frente do projeto de instalação da Embraer na China. Além de entrevistar esses personagens, conversei com os jornalistas Fabiano Maisonnave, correspondente do jornal Folha de S.Paulo, e Anamaria Boschi (organizadora de um festival anual de cinema brasileiro em Pequim e Shangai) e a promotora Janaína Silveira.

Já no roteiro oficial, organizado pelo Conselho de Estado de Informação e pelo Departamento da América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores chinês, foram programadas visitas à China Mobile (a gigante da telefonia celular, com cerca de 66% do mercado chinês) e a Huawei, hoje a maior empresa de fornecimento de soluções de tecnologia de informação e comunicação do mundo, tendo superado a Ericsson (motivo de se tornar tema da capa da semanal inglesa The Economist no início de agosto com o título “Quem tem medo da Huawei?”). Outra visita foi ao setor de língua portuguesa da Radio China Internacional — além das instalações da Vila Olímpica, criada para os jogos de 2008. Nesta segunda parte do programa oficial houve uma visita ao Tibet, com uma rápida passagem por Chengdu, na província de Sichuan, uma das regiões que mais cresce no país.

Quais foram as impressões iniciais?

A primeira delas é o povo — e a quantidade de pessoas. Não poderia ser diferente num país de 1 bilhão e 300 milhões de habitantes. Ao contrário de uma percepção generalizada de nossa parte de que todos os chineses são parecidos, surpreende a diversidade de biótipos. Há chineses muito altos (há poucos anos esteve em São Paulo o senhor Bao Xishum, de 2,37 metros, divulgando sua entrada no Guiness Book como o mais alto do mundo, embora pouco depois o turco Sultan Kosen, de 2,51 metros lhe tenha tirado a faixa). Oficialmente a China reconhece 56 nacionalidades em seu território, embora o expert Fabiano Maisonnave afirme que o número seria ainda maior. Como centro político e administrativo do país, Pequim exibe essa diversidade étnica de forma exuberante. Nessa diversidade de tipos, encontrei apenas um obeso, numa das viagens pelo sempre lotado metrô.

Essa densidade populacional é marcante numa visita à Cidade Proibida, coração da capital (Pequim é dividida em anéis concêntricos, e a antiga residência dos imperadores ocupa o primeiro anel, num espaço de 720 mil metros quadrados). Com palácios, templos, residências de concubinas, gabinetes da burocracia imperial, é preciso mais que uma manhã inteira para percorrer tantas construções de madeira colorida, como a Porta da Suprema Harmonia, o Hall da Harmonia Central, a Porta da Pureza Celestial, o Palácio da Tranquilidade Terrena, o Jardim das Flores. Os censores de um guia eletrônico, semelhante a um crachá, acionam a fala em português, descrevendo o local em que o visitante está passando. Numa quinta-feira pela manhã, talvez por ser mês de férias, havia multidões caminhando por esse imenso parque, praticamente todos chineses. Diversas crianças, nesse passeio, pediram para tirar uma foto a meu lado. Ali somos nós os exóticos.

Aconselhado pelo chef Geraldo Thomazini, madruguei uma segunda-feira para ir assistir ao hasteamento da bandeira na Tian’anmen, a Praça da Paz Celestial, lugar em que uma foto de Mao Tse Tung é exibida com um símbolo, como a flâmula vermelha (também se falará da percepção atual sobre o velho líder).

A cerimônia do hasteamento acontece no exato momento em que o sol se levanta. Naquela segunda-feira isso aconteceu às 5 horas e 11 minutos. Sabe-se da dificuldade das contagens de público em grandes espaços, mas calculei em 15 mil pessoas, com boa participação de crianças. Além do cordão de isolamento, apenas três grupos de escolares pôde assistir de perto o ritual. Chama atenção a ordem e a tranquilidade das pessoas nesse aglomerado, sem nenhum grande aparato policial, pois se trata de algo rotineiro. O patriotismo é forte na China. Cartazes espalhados por Pequim repetem o slogan (também em inglês): “Patriotismo, Inovação, Inclusão e Virtude”.

Ao voltar caminhando ao hotel, vi grupos de pessoas idosas em exercício, naquele misto de dança e ginástica do Tai Chi Chuan. Aqui, a concentração em lugar da alegria que percebi no enorme grupo que na noite da quinta-feira anterior (dia em que chegara na China após 26 horas de viagem) fazia ginástica dançante na praça em frente à Catedral de São José, no número 74 da Rua Wangfujing. A impressão é de um povo concentrado e feliz.

A Wangfujing Dajie é a principal rua de compras da cidade, com um desfile de grifes famosas e um concorrido Mercado Noturno. Uma das atrações de Pequim, este mercado funciona em ruelas secundárias apinhadas de barraquinhas de espetinhos, panquecas, e o famoso espeto de escorpião (o gosto lembra um pouco camarão) e espetáculos de artistas da ópera chinesa (homens cantores maquiados como donzelas entoando canções num delicado jogo gestual, espécie de drama e teatro).

Finalizo com outra observação: nas muitas caminhadas (fiquei nessa primeira etapa num hotel de ótima relação preço e benefício, perto da Cidade Proibida) pela parte antiga da cidade, percebi a quantidade de banheiros públicos, assinalados a cada esquina: “toilet”. Depois entendi o motivo. No centro velho da capital, nas avenidas de 10 ou 14 pistas, sempre com as vias locais, as esquinas dão entrada para ruelas de antigos casarios, alguns precários. Muitas dessas habitações não dispõem de banheiro. O “toilet” público é o lugar para banhos e outras necessidades. É nessas ruelas que se encontram pequenos restaurantes para os moradores locais. Sem cardápio escrito em outro idioma, o recurso foi ir de mesa em mesa, apontando para o atendente que pratos queria provar.

Na próxima coluna continuo com mais impressões.

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