Advocacia x Defensoria

Advocacia pro bono não pode ser política pública

Autor

  • Ricardo Sayeg

    é titular do Conselho Superior da Capes professor livre-docente em Direito Econômico da PUC-SP e diretor e professor titular do doutorado da UNINOVE.

27 de agosto de 2012, 15h23

Muitos que ostentam o sagrado grau de advogado pensam como o querido e respeitado professor Miguel Reale Jr., de que a advocacia pro bono seja saudável e uma conduta própria de homens de bem. É notório que vários advogados exercem, uma vez por outra, em caráter eventual e solidário, a advocacia pro bono, fazendo caridade pelo exercício profissional em favor de uma pessoa necessitada. Porém, aí está o ponto: ela sempre é eventual, pois não é profissional. A advocacia pro bono está circunscrita à liberdade dos advogados no âmbito do sentimento pessoal e individual de solidariedade e voluntarismo de cada um.

O povo brasileiro, particularmente no Estado de São Paulo, onde se estimam 28,7 milhões de potenciais usuários dos serviços da advocacia, não pode ficar sujeito e à mercê de uma política pública de voluntariado, caridade ou esmola. Essas políticas nunca funcionam, tendo em vista que carecem de profissionalismo.

Dar esmola aos pobres, na perspectiva de política pública é, data venia, uma proposta típica da soberba de uma elite dezoitocentista, enquanto o Brasil precisa estar voltado para o futuro e necessita avançar institucionalmente pela concretização dos direitos de sua população, e, assim, o nosso país, certamente, alcançará sua vocação de liderança mundial, eis que já é a sexta riqueza do mundo.

Na sexta maior economia do planeta e dentro do estado federativo mais rico, não faz o mínimo sentido o povo não ser assistido juridicamente com absoluto e inquestionável profissionalismo.

Quem sabe a diferença entre utopia e realidade, entende perfeitamente que profissionalismo pressupõe a remuneração digna dos profissionais em contrapartida ao serviço prestado com qualidade e eficiência.

Não há profissionalismo e, via de conseqüência, eficiência e universalização desejadas dos serviços jurídicos, se não houver a devida remuneração digna paga ao advogado – que tem direito, pela valorização de seu trabalho humano, a níveis dignos de subsistência para si e para sua família.

Chega de “Justiça dos ricos” e “não-Justiça dos pobres”. A Justiça é de todos e para todos. Assim como o advogado dos ricos recebe honorários dignos, o advogado dos necessitados também deverá receber sua digna remuneração e daí, seja rico ou seja pobre, todo aquele que for assistido por um advogado terá condições contratuais e morais de exigir serviços jurídicos de qualidade e bem prestados.

A advocacia pro bono como política pública, levará à ineficiência do exercício do Direito dos pobres, pois eles não podem se sujeitar a ser defendidos “de favor”. Pedir favor e caridade é incompatível com a exigência de defesa eficiente e de qualidade da população.

Cidadania é o direito a ter direitos e cidadania não se faz de favor. Cidadania se concretiza através da advocacia. A advocacia é uma profissão privada, cujo exercício, corolário da liberdade e da valorização do trabalho humano, deve ser remunerado.

Com efeito, mais de 50 mil advogados paulistas já participam, com profundo denodo, solidarismo, dedicação e patriotismo, num convênio de assistência judiciária, em favor da orientação jurídica e defesa, em todos os graus, dos necessitados. Essa tarefa sagrada, dos advogados, vem sendo praticada diante da incapacidade da Defensoria Pública de atender plenamente, com eficiência e com qualidade, por meio de profissionais devidamente habilitados, toda a população.

Não se trata de “monopólio da pobreza”, porém, seja rico ou seja pobre, o povo tem que ser defendido pela advocacia. É o advogado que representa a voz do cidadão anônimo e, coletivamente, a sociedade civil. A melhor assistência jurídica possível para o maior número de pessoas em situação de hipossuficiência só se dá através da competência da advocacia, regulada mediante convênio da Ordem dos Advogados do Brasil com o Poder Público, que garanta remuneração digna aos advogados participantes.

A ação isolada da defensoria e o ineficiente voluntariado, enquanto política pública, não são suficientes para suplantar essa postulação necessária do exercício dos direitos fundamentais da população.

O convênio de assistência judiciária não é em defesa dos advogados, nem reserva de mercado. O convênio de assistência judiciária, que venha a assegurar remuneração digna aos advogados participantes, é a defesa eficiente e de qualidade da população hipossuficiente, garantindo a todos a cidadania, a fim de que, no Brasil haja, de uma vez por todas, a Justiça para todos e seja debelada a “Justiça dos ricos” e a ”não-Justiça dos pobres”.

É, por estes valores, que a Constituição deve ser emendada, por iniciativa da advocacia, pois o advogado não se verga e a OAB renovada irá exigir a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 184/2012.

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