Risco de disseminação

A invalidade da gravação ambiental em matéria eleitoral

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26 de agosto de 2012, 8h18

É vivo e candente o tema da gravação ambiental, em matéria eleitoral, feita por um dos interlocutores, sem autorização judicial. Nas últimas sessões do mês de junho do corrente ano, logo antes do recesso, o Tribunal Superior Eleitoral feriu o tema em debate e alcançou conclusões sobremodo instigantes. Ao julgar os recursos especiais eleitorais nºs 50.706 e 54.178, ambos oriundos de Craíbas/AL, da relatoria do ministro Marco Aurélio, com a composição um pouco alterada, dada a presença da insigne ministra Rosa Weber, o Tribunal Superior Eleitoral, por 4 votos a 3, afastou a ilicitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores para aproveitamento em processo judicial eleitoral.

Já naquela oportunidade, mesmo vencido, mas nada convencido, o ministro Marco Aurélio asseverou que gravações que tais, decorrentes de possíveis armações, devem ser banidas do direito pátrio e, com mais razão, do processo eleitoral, “em que as disputas são acirradas, prevalecendo, muitas vezes, paixões condenáveis”. No mesmo julgamento, o ministro Gilson Dipp, também vencido naquela ocasião, fez uma importante diferenciação entre processo eleitoral e processo penal. Revelou que as decisões mais recentes do Supremo Tribunal Federal, sobre o tema, permissivas da utilização das gravações ambientais feitas por um dos interlocutores, dizem respeito à esfera da defesa criminal e que, no processo eleitoral, diferentemente, não há lugar para manobras oblíquas, artifícios traiçoeiros, práticas políticas não edificantes. A regra, no seu entender, deve ser, pois o “não à gravação ambiental em processo eleitoral”.

Também o ministro Henrique Neves, na mesma ocasião, acompanhou a minoria, explicitando que a gravação ambiental, em matéria eleitoral, só pode ser válida com autorização judicial ou, então, em ambientes naturalmente equipados com câmeras ostensivas de gravação, a exemplo de bancos e repartições públicas. Sucede que dois dias depois dos julgamentos de Craíbas/AL, o Tribunal Superior Eleitoral, já com sua composição titular restaurada, por 5 votos a 2, rechaçou a utilização, em processo eleitoral, de gravação realizada a mando da Polícia Federal, sem autorização judicial.

A partir de voto-vista do ministro Henrique Neves, o Tribunal Superior Eleitoral deu provimento ao recurso ordinário nº 1.904, de Roraima, agora conhecido, entre os eleitoralistas, como caso “Chico das Verduras”, cognome político do interessado. A nova maioria, agora com votos dos ministros Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Marco Aurélio, Gilson Dipp e Henrique Neves, fez verdadeira varredura da legislação relativa à matéria – desde o texto constitucional até resoluções do próprio TSE — e concluiu, com firmeza, que “a competência da Polícia Judiciária Eleitoral é da Justiça Eleitoral”.

O ministro Dias Toffoli verberou que, pelo prisma exclusivamente eleitoral, nem a Polícia Federal tem o direito de ficar amoitada, sem ordem judicial, para flagrar pessoas, sob pena de se partidarizar. E a ministra Cármen Lúcia, de sua vez, diante das peculiaridades do caso concreto, anotou que se não foi dada ciência prévia da gravação, a quem quer que fosse, não se fazia possível, consequentemente, o aproveitamento da “investigação clandestina”.

Em 16.08.2012, ao julgar o recurso especial eleitoral nº 34.426, oriundo de Santo Antônio de Jesus/BA, o Tribunal Superior Eleitoral, por maioria mínima (4 votos a 3), manteve o mesmo entendimento, afastando a licitude da gravação clandestina realizada por eleitor de maneira premeditada, sem autorização judicial e/ou conhecimento do candidato, vale dizer, sem amparo em justa causa, de vez que não precisava se defender de qualquer acusação.

Formaram a maioria, nesta assentada, os ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Gilson Dipp e Luciana Lóssio. Ficaram vencidos, mas aparentemente ainda não convencidos, os ministros Nancy Andrighi, Arnaldo Versiani e Cármen Lúcia (Presidente).  Uma definição jurisprudencial sobre a matéria é de todo imperativa porque se aproximam as eleições de outubro, nos mais de cinco mil municípios brasileiros, com centenas de milhares de candidatos.

No agigantado contexto, é crível o risco de disseminação da prática espúria de gravações clandestinas, despidas de qualquer espírito republicano e o comprometimento de candidaturas e eleições. Ronda, como nunca, o perigo de uma sofisticação do chamado “kit 41-A” – alusivo ao tipo da Lei nº 9.504/97, concernente na captação irregular de sufrágio – entendido, no meio eleitoral, como a montagem artificiosa de uma acusação eleitoral tendente à reversão de insucessos obtidos nas urnas.

Sabemos todos que, no Brasil, ainda há eleitores que, com insinuações e aleivosias, induzem candidatos, ávido por votos, a proferirem frases ambíguas que, descontextualizadas, podem fundamentar sentenças de cassação. A Justiça Eleitoral deve estar atenta e preparada para coibir os abusos sem desnaturar a fórmula democrática.


[1] Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Subprocurador-Geral do Distrito Federal e advogado especializado em Direito Eleitoral.

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