Marco Legal

Lei das Cooperativas pode ser a gênese do setor

Autor

  • Fabio Godoy Teixeira da Silva

    é economista e advogado sócio do escritório Godoy Teixeira Advogados Associado vice-presidente da Comissão do Cooperativismo da OAB-SP presidente da Comissão OAB vai à Faculdade da OAB-SP e professor de Direito Cooperativo da Escola Superior da Advocacia (ESA).

24 de agosto de 2012, 7h00

No último dia 20 de julho de 2012, a presidente da República, Dilma Rousseff, sancionou a Lei 12.690, cuidando especificamente do funcionamento das cooperativas de trabalho.

Apenas para lembrar, as sociedades cooperativas do ramo trabalho passaram a receber maior atenção a partir da inclusão do parágrafo único no artigo 442 da CLT. O referido dispositivo legal, ora revogado, dispunha que não havia vínculo de emprego entre a cooperativa e o cooperado e nem entre este e o tomador dos serviços. Com a declaração da inexistência de vínculo empregatício inserto na norma celetista, o tipo societário passou a ser deturpadamente utilizado para fins fraudulentos por inúmeros empresários agasalhados pelo manto de supostos cooperativistas. Noutras palavras, muitas empresas começaram a demitir seus funcionários e contratá-los apenas e tão somente através de sociedades cooperativas, subtraindo-lhes todos os direitos trabalhistas de outrora.

Neste cenário, muitas vezes, vislumbrou-se um pseudocooperado laborando para um empresário sob os requisitos da norma celetista, ou seja, mediante subordinação jurídica, pagamento de salário, de forma não eventual e com pessoalidade, encerrando verdadeira relação empregatícia. Por isso, inicialmente dezenas, depois centenas e finalmente milhares de trabalhadores inauguraram reclamações trabalhistas em face das sociedades cooperativas e dos tomadores dos seus serviços, alçando-os ao status de verdadeiros empregadores.

Como o princípio da primazia da realidade dos fatos impera do Direito do Trabalho, em diversas atividades, o reconhecimento do vínculo de emprego passou a ser voz corrente no Poder Judiciário em virtude do aperfeiçoamento dos elementos descritos na norma na relação fática. A partir do transbordamento dos interesses individuais, o Ministério Público do Trabalho começou a investigar as relações de trabalho mantidas entre trabalhadores cooperados e tomadores dos serviços, implicando a instauração de um sem número de Procedimentos Preparatórios de Investigação, os chamados PPI´s e Inquéritos Civis Públicos.

Muitos dos procedimentos de investigação culminaram em Ações Civis Públicas com pedidos de abstenção de fornecimento de mão de obra através de cooperativas e ainda a fixação de indenização pelo dano moral coletivo causado pela má utilização do instituto cooperativista, castrando direitos de trabalhadores das mais diversas categorias econômicas.

Em razão disso, especialmente em virtude da forte conduta do Ministério Público do Trabalho em busca da cessação das fraudes perpetradas, as sociedades cooperativas de trabalho de serviços minguaram e se aproximaram da extinção, já que repudiadas pelos empresários, malvistas pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Poder Judiciário Trabalhista, o campo antes fértil tornou-se ácido, sepultando por completo o desiderato doutrinário e universal do sistema cooperativista, notadamente porque a simples menção ao termo cooperativa de trabalho, naquela época, emprestava certa marginalidade aos seus atores.

É verdade que houve e existem cooperativas de trabalho sérias, mas infelizmente são incapazes de abalar positivamente as estatísticas. Assim, ao invés do renascimento, a edição da Lei 12.690 pode ser considerada a gênese das cooperativas de trabalho na medida em que terão de se reinventar para adequar as novas exigências legais à realidade do mercado de trabalho e às necessidades empresariais.

Dentre as principais inovações da novatio legis, está a garantia de diversos direitos sociais, tais como recebimento do piso da categoria ou salário-mínimo, jornada de trabalho não superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais, descanso semanal remunerado, descanso anual remunerado, seguro acidente de trabalho, adicionais por horas noturnas e por atividades desempenhadas em ambiente insalubre ou perigoso. Todos os direitos deverão ser garantidos aos sócios das cooperativas de trabalho, que poderão definir a constituição de fundos de custeio em Assembleias Gerais.

O número mínimo de sócios foi alterado, passando a ser exigido pelo menos 7 (sete) sócios para a constituição, enquanto a Lei 5764/1971 exige o mínimo de 20 (vinte) cooperados. A Lei também privilegia a não precarização do trabalho, a preservação dos interesses sociais e a efetiva participação dos sócios cooperados em todos os níveis de gestão da cooperativa de acordo com o previsto em lei e no estatuto social.

No artigo 4º da nova Lei, consta a definição das cooperativas de trabalho de serviços, a qual deverá ser constituída por sócios para a prestação de serviços especializados a terceiros sem os pressupostos da relação de emprego, o que legitimamente espanca e obsta a criação das malfadadas cooperativas multiprofissionais que muito contribuíram para a formação da alcunha que ora se pretende desconstruir. A proibição para que as cooperativas de trabalho sejam usadas como veículo para intermediação de mão de obra subordinada está expressamente prevista no novo texto legal.

A eleição de um coordenador eleito pelos próprios cooperados para organizar e coordenar as atividades dos demais sócios é um avanço e legaliza a prática das sociedades cooperativas constituídas antes do marco legal, cujos coordenadores já laboravam sob as mais diversas nomenclaturas, como, por exemplo, líderes, gestores ou mesmo coordenadores. No entanto, com a nova lei, além de exigir a eleição de um cooperado para o mandato de até um ano, ainda impõe que a reunião de sócios definirá os requisitos para a consecução do trabalho, os valores contratados e a retribuição de cada partícipe, ou seja, exigir-se-á extrema maturidade dos profissionais envolvidos para que o conhecimento dos valores pagos a cada um dos sócios cooperados não seja elemento comparativo e fonte de atrito entre os personagens. A não eleição do coordenador já implicará a presunção de fraude à legislação trabalhista, razão pela qual o exercício do espírito democrático não se limita apenas ao campo abstrato, haja vista que sua violação provoca efeito negativo, prático e imediato. Aliás, tanto a majoração do quorum para a instalação das Assembleias Gerais Ordinárias e Extraordinárias em terceira convocação de 10 (dez) cooperados para 50 (cinquenta) cooperados ou 20% (vinte por cento) do número de sócios para cooperativas com mais de 19 (dezenove) cooperados, como a criação de mais uma Assembleia Geral Especial anual convergem no sentido de garantir aos cooperados a autogestão do negócio cooperativista sob o espírito democrático e participativo.

Para evitar o renascimento do modelo desvirtuado das cooperativas de trabalho de serviços, o legislador incluiu a multa no valor de R$ 500 por trabalhador prejudicado, podendo ser dobrada na hipótese de reincidência, que deverá ser cobrada da cooperativa de trabalho e dos tomadores dos serviços. O destino das multas será o FAT, exatamente como já ocorre atualmente com as indenizações exigidas pelo Ministério Público do Trabalho nas ações civis públicas. Por fim, a Lei institui o Pronacfoop (Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho), com o objetivo de promover o desenvolvimento e a melhoria do desempenho econômico e social das cooperativas de trabalho. Entre as finalidades do Pronacoop estão o apoio à viabilização de linhas de crédito, acompanhamento técnico, o acesso a mercados e à comercialização da produção. O programa será gerido por um Conselho Gestor que terá composição paritária entre o governo e representantes das entidades de representação das cooperativas de trabalho.

Finalmente, as cooperativas de trabalho constituídas antes da vigência da Lei 12.690 terão o prazo de 12 meses para se adequar. Portanto, as novas cooperativas de trabalho de serviços terão um estimulante desafio pela frente. Deverão aglutinar trabalhadores de atividades específicas, encontrar empresários dispostos a contratá-los, organizar os trabalhos, divulgar entre os sócios os resultados financeiros e as participações individuais, tudo sem intermediar a mão de obra subordinada e sem permitir a presença dos demais elementos do vínculo empregatício. No entanto, cumpridos os requisitos legais, poderão proliferar e garantir renda e trabalho aos obreiros dispostos a exercer o empreendedorismo a partir da mútua-ajuda e do cooperativismo, resultando em ganhos extraordinários não apenas para os cooperados, mas também para toda a sociedade.

O marco legal das cooperativas de trabalho está lançado! Mas a sua consolidação como verdadeira alternativa para melhor geração de renda e trabalho dependerá da postura dos cooperativistas e, por isso, compete-lhes a responsabilidade de afastar qualquer indício de conduta repreensível, pois somente assim o sistema emergirá austero, sério e, principalmente, confiável!

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    é economista e advogado, sócio do escritório Godoy Teixeira Advogados Associado, vice-presidente da Comissão do Cooperativismo da OAB-SP, presidente da Comissão OAB vai à Faculdade da OAB-SP e professor de Direito Cooperativo da Escola Superior da Advocacia (ESA).

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