Quitação questionada

Gestora de rodoviária no Rio responde a ação por dívida

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24 de agosto de 2012, 21h22

A empresa que controla hoje 80% do Terminal Garagem Menezes Côrtes, no Rio de Janeiro, está sendo cobrada na Justiça por uma dívida de R$ 8,7 milhões. A Mercator, que tem sede nas Ilhas Cayman, é alvo de processo em que a companhia Panutri, registrada no Rio de Janeiro, afirma ter emprestado a quantia milionária para que a Mercator participasse do leilão que privatizou o terminal, em 1998.

Desde 2007, a Panutri tenta, na Justiça, cobrar a dívida que, segundo a defesa da companhia, foi exigida diversas vezes extrajudicialmente, mas nunca foi paga. A Panutri, quando ainda se chamava Brasal, fez o empréstimo de R$ 8,7 milhões em cotas do Fundo de Privatização do Estado do Rio de Janeiro, que foram usados no leilão. O terminal, que possui lojas e terminais rodoviários, foi vendido por R$ 80 milhões para um consórcio do qual 80% pertencem à Mercator.

A Mercator confirma ter tomado o empréstimo, mas afirma que ele já foi pago em dezembro de 2000. A empresa apresentou, no processo, um termo de quitação em que a Brasal outorga à Mercator “a mais ampla, rasa e geral quitação” à divida de 8.779.204 cotas do Fundo de Privatização. O termo é assinado pelo advogado Carlos Roberto Siqueira Castro — conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil —, que afirma representar a Brasal. O documento diz que o advogado foi constituído pela empresa em 7 de novembro de 2000.

A veracidade do documento, porém, é contestada na Justiça pela Panutri. Segundo a companhia, ela “jamais autorizou e tampouco tinha conhecimento da existência do termo de quitação”. A defesa da empresa, feita pelo escritório Marlan Marinho Jr. Advogados, afirma que o documento foi pós-datado, ou seja, forjado para simular que a dívida cobrada já teria sido paga.

Para provar a irregularidade do documento, a Panutri anexou uma proposta de honorários na qual o mesmo advogado, Siqueira Castro, se propõe a assessorar uma transferência de participação societária da Mercator para a Panutri, para pagar a dívida agora cobrada. A proposta de honorários, porém, é datada de 20 de dezembro de 2000, ou seja, praticamente um mês depois da assinatura do contestado termo de quitação.

No documento, o advogado afirma que, para a assessoria na alienação de participação societária, o escritório fará jus a uma parcela correspondente a 10% do valor total da participação societária. Os valores, diz o documento, são devidos “somente por ocasião do efetivo recebimento (…) dos aludidos valores”. Os valores, ainda segundo a proposta, poderão ser recebidos “diretamente da fonte pagadora”.

“Como se explica o fato de, cerca de um mês depois de assinar um termo de quitação, o mesmo advogado ter feito uma proposta de honorários à autora, atinente a uma transação que levaria, finalmente, à satisfação de seu crédito pela ré?”, questiona a defesa da Panutri.

A empresa afirma que não foi assinado nenhum termo de quitação. Ainda que Siqueira Castro tivesse assinado o documento sem cientificar a Panutri, não faria sentido que ele se prontificasse a assessorar a empresa no mesmo assunto, consentindo que seus honorários fossem pagos pelo devedor, diz a ação.

Os advogados da Panutri afirmam que o termo de quitação foi redigido e assinado na tentativa de induzir o juízo a erro. “Eis uma medida desesperada, de quem sabe não ter qualquer argumento”, acusam.

Acusação estapafúrdia
A acusação de que o documento é falso é “estapafúrdia”, segundo a defesa da Mercator, feita pelo escritório Basílio Advogados. Segundo a companhia, a obrigação de pagar a dívida já estaria extinta desde 2000, quando teria sido assinado o termo de quitação.

A Mercator questiona também a demora da Panutri para cobrar a dívida judicialmente, uma vez que a própria empresa disse ter sofrido sérias dificuldades por conta do não pagamento da dívida.

Ao contestar a validade do documento, diz a Mercator, a Panutri “tenta ocultar que suas três sócias nunca tiveram qualquer ingerência sobre os negócios da Brasal, enquanto foi vivo o controlador de fato Jair Coelho, do qual elas não passavam de ‘meras laranjas’”. No processo, a companhia cola diversas reportagens que apontam Jair Coelho como o “Rei das Quentinhas”, parte de um esquema de monopólio no fornecimento de comida para presídios, por meio de licitações fraudadas.

Siqueira Castro “era advogado de confiança da Brasal e de seu controlador de fato”, acusam os advogados da Mercator.

A venda do Terminal Garagem Menezes Côrtes é colocada sob suspeita pela CPI das Privatizações da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Documentos analisados pela CPI apontam que teriam sido usados R$ 35 milhões em moedas podres na transação.

Censura prévia
Procurado pela Consultor Jurídico para explicar o caso, o escritório de Siqueira Castro enviou, por e-mail, uma notificação extrajudicial, na qual diz que a publicação desta reportagem importaria em “imediata responsabilização civil e criminal” contra os responsáveis. O escritório é o segundo maior do Brasil pelo ranking da publicação Análise 500.

Segundo a notificação, qualquer veiculação de reportagem que vincule Siqueira Castro aos fatos apontados no processo “fruto é de inventiva e maledicente propaganda com o único intuito de macular a ilibada imagem do renomado Advogado acima referido”.

Essa não é a primeira vez que a atuação de Siqueira Castro é questionada. Em junho deste ano, o Superior Tribunal de Justiça encaminhou ofício à OAB para que apure “eventuais irregularidades” na atuação do advogado na expropriação do terreno do Aeroporto Internacional do Rio, o Galeão, caso em que Castro atuou entre 2004 e 2010.

Leia a notificação:

São Paulo, 23 de agosto de 2012.

Prezados senhores redatores e editores da revista Consultor Jurídico

Servimo-nos da presente notificação extrajudicial para requerer a V. Sas. que se abstenham de publicar qualquer matéria veiculando o nome do Dr. Carlos Roberto Siqueira Castro, ora notificante, que tenha por base informações concernentes ao processo n. 2007.205.015227-1, em curso perante a 1 Vara Cível da Comarca de Campo Grande, Rio de Janeiro.

Isto porque, o notificante não figura como patrocinador ou parte nesses autos, sendo qualquer a veiculação deste causídico com este feito fruto é de inventiva e maledicente propaganda com o único intuito de macular a ilibada imagem do renomado Advogado acima referido.

A inobservância desta notificação importara em imediata responsabilização civil e criminal contra os responsáveis desse periódico.

Processo 2007.205.015227-1

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