AP 470

Lewandowski vota pela absolvição de João Paulo Cunha

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23 de agosto de 2012, 17h47

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, votou, nesta quinta-feira (23/8), pela absolvição do deputado federal João Paulo Cunha de crimes relacionados a supostas fraudes ocorridas durante a vigência de um contrato de prestação de serviços entre a agência de publicidade SMP&B e a Câmara dos Deputados em 2003.

Lewandowski, que é revisor da Ação Penal 470, o processo do mensalão, votou pela absolvição do parlamentar em relação a um crime de corrupção ativa, dois de peculato e um de lavagem de dinheiro. Após o intervalo, o ministro absolveu, ainda, os publicitários Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz dos crimes de corrrupção ativa e peculato.

Na primeira divergência aberta no julgamento da Ação Penal 470, o revisor do processo afirmou que  faltam provas que demonstrem que o parlamentar favoreceu, de modo ilícito, a SMP&B Propaganda no processo licitatório e durante a execução do contrato com a Câmara. O ministro disse ainda que “são robustas” as provas colhidas em juízo que atestam a regularidade com que  a prestação dos serviços ocorreu na época.

João Paulo Cunha é acusado de, na condição de presidente da Câmara dos Deputados, ter fraudado a licitação que escolheu a agência SMP&B para coordenar uma campanha institucional da casa. O Ministério Público acusa também João Paulo Cunha de ter permitido que recursos públicos fossem desviados por meio de sucessivas subcontratações operadas pela SMP&B durante os serviços prestados. Por fim, o parlamentar foi denunciado por receber R$ 50 mil em troca das vantagens indevidas que supostamente teria concedido a empresa dos então sócios Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach.

O ministro Lewandowski afirmou, contudo, que tanto perícias da Polícia Federal quanto do Tribunal de Contas da União, todas feitas sob o crivo do contraditório, afastaram qualquer suspeita de irregularidade que pudesse ter ocorrido durante a vigência do contrato e sob a gestão do deputado à frente da Câmara. O ministro distribuiu, no início da sessão, uma pasta com documentos, aos demais membros da corte, que serviram de base para que orientasse a primeira parte de seu voto.

Lewandowski começou falando sobre a imprescindibilidade de se apontar o ato funcional para caracterizar o delito de corrupção passiva. O ministro citou exemplos de sistemas penais de países europeus que reconhecem o crime de tráfico de função pública apenas frente à comprovação da prática do ato de ofício.

O ministro revisor observou que a licitação ora impugnada foi solicitada formalmente em 7 de maio de 2003 pelo secretário de Comunicação Social da Câmara dos Deputados, Márcio Marques de Araújo, e não pelo presidente da casa. Tratava-se de uma campanha institucional que foi entregue e veiculada em todo o país, a campanha “Conheça a Câmara”, explicou o ministro. Lewandowski citou também depoimentos colhidos em juízo tanto de agências que perderam a concorrência para a DNA quanto de membros da Comissão de Licitação da Câmara que atestaram a regularidade com que se deu o certame.

“O MP não logrou em produzir uma prova sequer, nem um mero indício de que João Paulo Cunha tenha interferido nos trabalhos da comissão ou favorecido a SMP&B. De fato, todas as provas atestam o contrário”, disse Lewandowski. O ministro também citou o acórdão resultante da perícia realizada pelo TCU que concluiu que o procedimento ocorreu de forma íntegra e lícita.

O ministro também se referiu ao relatório da auditoria da Secretaria de Controle Interno da Câmara, citado pelo relator ministro Joaquim Barbosa, que apontou irregularidades administrativas no processo. Ricardo Lewandowski observou contudo que  o próprio TCU rejeitou as conclusões do relatório por entender que “a auditoria estava maculada por vícios que nulificam todo procedimento de controle”. O TCU citou a “inimizade notória” de membros da Secretaria de Controle com o presidente da Secretaria de Comunicação à época, Márcio Marques de Araújo.

Sobre o recebimento de R$ 50 mil, o ministro revisor afirmou que também são "incontroversas" as provas que atestam que ocorreu o custeio de pesquisas eleitorais na região de Osasco, em municípios como Carapicuíba e Jandira, com o fim de verificar a viabilidade de o deputado se candidatar a prefeito do município. Lewandowski citou documentos que mostram que foram pagos, em espécie, profissionais como coletores de dados, digitadores e codificadores durante a realização da pesquisa política.

O ministro criticou a premissa trazida pelo Ministério Público e acolhida pelo ministro relator de que as subcontratações se deram quase na totalidade dos serviços prestados. Lewandowski citou novamente o acórdão do TCU que atesta que o percentual de subcontratação foi  88,8% , o que é considerado regular. O ministro lembrou que a lei que regulamenta o setor não fixa limites para terceirização, sob pena de inviabilizar certos tipos de ajuste, uma vez que subcontratações no mercado publicitário é prática comum.

O revisor observou, ainda, que dos cerca de R$ 10 milhões repassados à agência, R$ 7 milhões foram gastos com veiculação de inserções publicitárias em veículos de comunicação. O ministro citou depoimentos de publicitários, ouvidos em juízo, nos quais os profissionais esclareceram que não há porcentuais e limites para subcontratação no setor. Lewandowski mencionou também o laudo de número  1947/2009, fruto de perícia feita pela Polícia Federal, que confirma a porcentagem  destinada ao pagamento de veículos de comunicação.  

Ricardo Lewandowski rebateu, ainda, as afirmações do relator da ação, ministro Joaquim Barbosa, de que empresas de arquitetura foram subcontratadas para efetuar serviços de engenharia supostamente não previstas no contrato.  Novamente Lewandowski citou a decisão do TCU que concluiu que serviços de cenografia estavam previstos nas ações de publicidade expressas contratualmente.

Ao fim da primeira parte da sessão, o ministro Ricardo Lewandowski votou pela absolvição do deputado João Paulo Cunha dos crimes de corrupção passiva e peculato pela improcedência das imputações feitas nesta parte da ação penal.

Segunda parte
O ministro Ricardo Lewandowski absolveu o deputado João Paulo Cunha também pela segunda acusação de peculato que tratava de supostas irregularidades na contratação de um assesor de imprensa pelo então presidente da Câmara dos Deputados.

O Ministério Público acusa o parlamentar de ter se valido de sua condição de presidente da Câmara dos Deputados para contratar a empresa de comunicação Ideias, Fatos e Texto, de propriedade do jornalista Luiz Costa Pinto, para, na verdade, ser o único beneficiário dos serviços prestados. Ricardo Lewandowski, sem citar a defesa do réu, repetiu muitos dos argumentos feitos pelo advogado Alberto Zacharias Toron durante sua sustentação oral, de que todas as provas colhidas em juízo demonstram que Luiz Costa Pinto prestou, de fato, serviços à Câmara dos Deputados.

Ao também absolver o réu do crime de branqueamento de capitais, o ministro revisor lembrou que, sobre este item, três ministros rejeitaram a imputação na ocasião do recebimento da denúncia. Lewandowski observou que os ministros Eros Grau, Ayres Britto e Gilmar Mendes reconheceram que a conduta imputada ao réu era “atípica para caracterizar lavagem”. O ministro ainda qualificou de contradição por parte do Ministério Público o fato de ter acusado João Paulo Cunha do crime de formação de quadrilha”.

Citando o ministro Marco Aurélio, Lewandowski repetiu a frase atribuida ao colega: “O sistema não fecha.” "É o que diz o ministro quando este se depara com sequências ilógicas”, afirmou o revisor.

Pelas mesmas razões, o ministro revisor pediu a absolvição dos ex-sócios da SMP&B Propaganda, os publicitários Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz dos crimes de corrupção ativa e peculato. Ao contrário de João Paulo Cunha, os réus respondem por apenas um crime de peculato.

Réplica e tréplica
Ao final da sessão, o ministro Joaquim Barbosa avisou que, na segunda feira (27/8), quando o julgamento for retomado, irá responder às divergências colocadas pelo ministro revisor."Todas as respostas às duvidas trazidas pelo revisor encontram-se no meu voto. Deixo de adiantá-las dado o adiantado da hora. Me reservo para trazê-las na segunda-feira", disse Barbosa.

Ricardo Lewandowski, contudo, também solicitou a chance de se pronunciar sobre a "réplica"do relator, mas o presidente do STF, ministro Ayres Britto, observou que o artigo 21 do Regimento Interno concede ao relator a primazia de dirigir o processo. Lewandowski criticou o entendimento do presidente da corte, o qualificando como "leitura muito particular" daquele artigo.

"Então, peço que me reserve um espaço para responder às eventuais dúvidas. Se houver uma réplica deve haver uma tréplica", disse Lewandowski. "O regimento diz que cada ministro tem a oportunidade de se manifestar em pelo menos duas ocasiões", afirmou.

O ministro Ayres Britto explicou ao revisor que se o Plenário ficasse em um "vai e vem", o julgamento jamais seria concluído, mas Lewandowski não se deu por vencido. "Gostaria de sair daqui com a segurança de que numa eventual réplica eu teria uma tréplica", insistiu.

Lewandowski ainda questionou o presidente do STF sobre as prerrogativas do relator. "Então o relator tem preeminência sobre o revisor", disse. Ao que o ministro Ayres Britto respondeu: "O revisor tem um papel complementar, auxiliar".

"Se ficar assentado que não terei a tréplica, talvez, possa me ausentar do  Plenário quando vossa excelência for fazer as suas razões", disse Lewandowski ao relator ministro Joaquim Barbosa.

Ao final da sessão, um dos ministros presentes chegou a comentar que, por conta da objeção do revisor, os comentários do relator, que seriam feitos na segunda-feira "de forma improvisada", agora serão apresentados de "forma articulada" como forma "de esclarecer os demais ministros sobre as dúvidas colocadas pelo revisor".

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