Cacife jurídico

Juiz americano decide que jogo de pôquer não é ilegal

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23 de agosto de 2012, 9h56

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Pela primeira vez nos Estados Unidos, um juiz federal chegou a um entendimento que já prevalece no Brasil há tempos: o pôquer é um jogo de habilidade e não um jogo de azar. Portanto, não é ilegal. Mas o juiz Jack Weinstein, de Nova York, dobrou a aposta. Decidiu que operar um negócio de jogo de pôquer, em que há apostas em dinheiro, também não é ilegal, segundo o New York Law Journal e o New York Times

No Brasil, a principal questão colocada por juízes é que não há lei a respeito do pôquer, como existe em relação às diversas loterias, ou seja, trata-se tão somente de um jogo não proibido. Já as apostas são proibidas, ao contrário da recente decisão norte-americana. 

A aposta do juiz Weinstein foi considerável. Ele deixou o caso ir a julgamento, esperou o veredicto do júri, que foi pela condenação, e o anulou. Em sua decisão, declarou que o réu Lawrence Dicristina, que operava o negócio nos fundos de um depósito como meio de vida, não pode ser condenado com base na legislação federal que proíbe a operação de jogos ilegais, pela simples razão de que o pôquer não é ilegal. 

Além disso, considerou Weinstein, a legislação federal que trata de negócios baseados em jogos ilegais é ambígua, principalmente em sua tentativa de federalizar leis estaduais. Há estados em que mesmo jogos de azar são permitidos, como em Nevada. Por isso, o réu se beneficia da "regra da indulgência" (rule of lenity). De acordo com essa regra, leis criminais ambíguas devem ser interpretadas em favor do réu acusado de violá-las. De certa forma, ele aplicou o princípio in dubio pro reo, que via de regra se refere a um conjunto de provas, à ambiguidade da legislação. 

Na verdade, o autor da proeza de demonstrar que o pôquer, mais que um confronto entre a sorte e o azar, é um jogo de estratégias, de artimanhas, de psicologia comportamental foi o defensor público Kannan Sundaram, advogado do réu na ação judicial movida por promotores federais. Ele tinha um cacife respeitável: levou ao banco das testemunhas do tribunal um especialista no assunto, o economista, estatístico e participante de torneios nacionais de pôquer, Randal Heeb. O especialista se encarregou de detalhar o conhecimento e as habilidades envolvidas nesse jogo. 

O juiz estabeleceu que o pôquer se situa mais perto do jogo de xadrez, puro intelecto, do que a da roleta, pura sorte. E ofereceu seu próprio entendimento: não se trata de sorte quando o jogador vislumbra as intenções de seus oponentes e disfarça as suas, quando faz decisões calculadas sobre quando apostar, dobrar a aposta, pagar, passar ou desistir — e, principalmente, quando blefar e como fazê-lo. 

Nessa discussão sobre a legalidade do pôquer, sempre há a questão da aposta em dinheiro, quando o jogo é conduzido por organizações particulares. Mas, para o juiz, não há diferença entre as apostas no pôquer daquelas feitas em corridas de cavalo, em corridas de cachorro, em resultados de jogos de futebol, beisebol, basquete, etc. 

No caso da jogatina promovida por Dicristina todas as terças e quintas-feiras, havia apostas em dinheiro, naturalmente. E a casa cobrava US$ 300 para o jogador se sentar à mesa de pôquer e mais uma comissão de 5% sobre o pote. Garçonetes serviam comida e bebidas aos "convidados" e o jogo durava até a hora marcada, a do café da manhã. Mas, Dicristina escapou de uma condenação que poderia lhe render até dez anos de prisão. 

A Aliança dos Jogadores de Pôquer (Poker Player’s Alliance) celebrou a decisão, depois de lutar por anos com a descriminalização do jogo de pôquer que, afinal, não é crime (se mantida a decisão em tribunais superiores).

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