Justiça falha

OAB deve reassumir seu papel de liderança institucional

Autor

  • Sergio Tostes

    é advogado integrante da Comissão Mista de Comunicação Institucional do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e sócio do Tostes e Associados.

20 de agosto de 2012, 15h36

O recém-iniciado julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Penal 470, conhecido nacionalmente como mensalão, está dando a toda a população brasileira a oportunidade de acompanhar ao vivo, em cores e em tempo real, o funcionamento do mais importante órgão do Judiciário. É uma vitória da democracia que uma questão tão crucial possa ser decidida com esse grau de transparência. Mais do que a eventual condenação de figuras importantes e sobejamente conhecidas, estão em discussão temas fundamentais para a República, pois serão, espera-se, proclamados, em alto e bom som, os direitos e os deveres daqueles que exercem funções públicas. É uma oportunidade para que os padrões de comportamento sejam passados a limpo. Esperamos todos que o julgamento do mensalão defina de forma correta a linha de conduta dos cidadãos pelos anos vindouros.

Mas o mensalão é apenas uma ação dentre os milhões de ações judiciais que tramitam a cada dia pelos tribunais do país. Ganhou notoriedade ímpar por sua conotação política e pelos nomes que compõem a relação dos réus. Perguntar-se-ia, pois, esta é a questão mais importante em julgamento no Poder Judiciário? A resposta é não, não e não.

Para cada cidadão brasileiro, de forma individualizada, a ação mais importante é aquela que lhe diga respeito. Uma nação é constituída de pessoas, todas iguais em suas diferenças, tais como mães que reclamam o pagamento de pensões alimentícias para seus filhos, pequenas ou grandes empresas que exigem o cumprimento de seus direitos, chefes de família que não suportam ser mal atendidos em serviços para os quais pagaram antecipadamente, donas de casa que não admitem que o sossego familiar seja perturbado por um vizinho que troque o dia pela noite, e inúmeras outras situações do cotidiano.

A procura, de forma civilizada, do reconhecimento dos direitos individuais encontra no Poder Judiciário seu único caminho. A cada dia estamos, cada um de nós, mais conscientes de nossos direitos, e mais dispostos a lutar por eles. Assim, a procura pela atuação do Judiciário não só é consequência natural do processo de desenvolvimento do país, como tende a aumentar progressiva e geometricamente. É hora de todos aqueles que atuam profissionalmente nas áreas do Direito unirem suas forças para solucionar os ingentes problemas que a Justiça do país está enfrentando e enfrentará, mais e mais, a cada dia.

Não é admissível que organismos criados para, em última análise, desenvolver e aprimorar as práticas da justiça se engalfinhem, interna ou externamente, por questões que não representam o cerne da questão, qual seja, um sistema que, pura e simplesmente, permita que os direitos legítimos sejam reconhecidos com a rapidez que os tempos modernos exigem. Uma conhecida parábola — a Justiça tarda, mas não falha — caiu em desuso. Nos dias de hoje, a Justiça que tarda, é uma Justiça que falha!!!

As responsabilidades têm que ser compartilhada por todos, membros de tribunais de justiça estaduais e federais, representantes das elites pensantes dos diversos setores da sociedade, academia, e, principalmente aqueles que representam o direito de terceiros, ou seja, advogados, integrantes de órgãos fiscalizadores da aplicação da lei, bem como funcionários dos organismos judiciais. É hora de todos trabalharem em harmonia. Vejo com grave preocupação os desentendimentos que grassam internamente em cada setor. E, muito pior, os antagonismos crescentes entre os diversos setores dos operadores do Direito.

Advogado militante há quase 50 anos, venho sentindo muita falta de atuação mais propositiva da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), instituição que teve um papel de preponderante destaque para o retorno do país a normalidade democrática, nos anos 1980. Nem todos se lembram, mas houve tempo em que a OAB não ocupava seu tempo com irrelevâncias, como, por exemplo, a concessão de auxílio alimentação para os magistrados, tampouco deixava de dar curso absolutamente preferencial a questões prementes como a da aprovação de eleições diretas para a composição de seu Conselho Federal. Ela sempre esteve — e assim era percebida e respeitada pela consciência do país — à frente da defesa dos grandes interesses nacionais. Sempre que os advogados se uniram em torno de uma ideia inovadora, essa ideia saiu-se vitoriosa. Mais do que representantes de seus constituintes em procedimentos judiciais ou extrajudiciais, os advogados são os legítimos defensores da cidadania.

É, pois, hora de a OAB reassumir seu papel de liderança institucional, como ocorreu quando, na vigência do arbítrio do regime militar, a Ordem lutou pela restauração plena do Habeas Corpus, pela supressão da censura à imprensa e pelo retorno da intangibilidade das garantias constitucionais da magistratura, sem o que não se estaria falando a sério no restabelecimento do Estado democrático de Direito.

Que venham propostas concretas para aprimoramento das práticas judiciais. Que essas propostas sejam apresentadas aos responsáveis por sua implantação. Que sua implantação seja cobrada dos responsáveis. Que ninguém se intimide de nominar quem quer que, independentemente de seu cargo ou função, não esteja agindo conforme os melhores princípios republicanos. O momento é de se ter coragem de construir um futuro mais justo.

Em junho de 1982, quando, na Argentina, a derrocada do governo ditatorial do general Leopoldo Galtieri já se mostrava inevitável,foi concebida uma tática suicida para desviar a atenção da população, a invasão das Ilhas Malvinas. A manobra militar inconsequente deslustrou a legitimidade do pleito e resultou em fragorosa derrota. Tenhamos essa lição histórica em mente e não nos percamos em irrelevâncias.

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    é advogado, integrante da Comissão Mista de Comunicação Institucional do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e sócio do Tostes e Associados.

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