Caravana da Anistia

Mãe vai a julgamento de processo de filho desaparecido

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17 de agosto de 2012, 10h01

Nascida, criada e residente na histórica cidade de Olinda, em Pernambuco, Elzita Santos de Santa Cruz Oliveira, de 99 anos, acompanhará nesta sexta-feira (17/8) o julgamento, na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, do processo de seu filho, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, desaparecido político durante a ditadura militar. O julgamento ocorrerá durante a 61ª Caravana da Anistia na sede da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro sob a condução do presidente da Comissão, Paulo Abraão. O presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, fará a sustentação oral no processo em nome da famíl ia Santa Cruz.

Elzita é avó de Felipe Santa Cruz, atual presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro, cujo pai, então com 26 anos e estudante de Direito na Universidade Federal Fluminense, foi preso e torturado por agentes do DOI-CODI em fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro, juntamente com outros integrantes da Ação Popular Marxista-Leninista (APML). Também assistirá a Caravana da Cidadania a mãe de Felipe, Ana Santa Cruz que desde a prisão e desaparecimento do marido vem lutando junto aos governos para obter informações do que aconteceu com ele. A família sabe que foi morto pela repressão, mas seu corpo nunca foi encontrado. Seu nome foi dado ao Centro Acadêmico de Direito da Faculdade Católica de Pernambuco e da Universidade Federal Fluminense.

Para o presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, será uma honra representar a família de Fernando Santa Cruz no processo em que se pede a sua anistia. "Fernando foi mais um dos muitos jovens brasileiros que tiveram a vida ceifada pelos sicários da ditadura". No entanto, segundo ele, a anistia não basta. "Todos queremos saber o que aconteceu com Fernando, até hoje desaparecido. Onde está enterrado e quem são os seus assassinos. São perguntas que, até que sejam respondidas, jamais calarão".

Na expectativa do presidente da Caarj, esse será um momento histórico para a sociedade civil do Rio de Janeiro e um dia importante na reparação dos danos causados pelo arbítrio a várias famílias fluminenses. “Para mim será um dia especialmente emocionante porque, além do julgamento do processo de meu pai, sou cria da PUC. Fiz Direito nessa Universidade, presidi seu Centro Acadêmico, o Diretório Central dos Estudantes, e todos sabemos que a PUC foi um lugar emblemático na resistência contra o regime militar”, afirmou Felipe Santa Cruz. No final da década de 70, a PUC acolheu vários professores perseguidos e era considerado território livre para as reuniões dos estudantes.

Segundo Felipe Santa Cruz, com a cerimônia desta sexta na PUC ele dá por encerrado este ciclo de quase 40 anos em busca de informações do que aconteceu com o seu pai e de quem era filho único. "Meus quatro filhos não vão crescer na angústia da busca. Vou aceitar um pedido de desculpas da Comissão da Anistia. Aguardo apenas que a Comissão da Verdade confirme se efetivamente o corpo do meu pai foi incinerado em Campos e as circunstâncias dos acontecimentos possam ser esclarecidas. De resto é a historia de bravura de um jovem como tantos, uma doce lembrança ouvida pelas vozes do parentes. Não busco prisões, punições, apenas paz e verdade".

Recentemente, o ex-delegado da Polícia Civil do Espírito Santo, Claudio Guerra, revelou em seu livro, "Memórias de uma guerra suja", que o corpo de Fernando Santa Cruz teria sido um dos incinerados por ele em uma usina de açúcar na cidade fluminense de Campos, no ano de 1974.

A história de Fernando Santa Cruz

Fernando Santa Cruz era o quinto filho do médico sanitarista Lincoln Santa Cruz Oliveira e Elzita Santos de Santa Cruz Oliveira. Nascido na cidade de Olinda, desde jovem já participava do movimento estudantil secundarista. No ano de 1967, foi preso durante uma passeata em Recife contra o acordo MEC-Usaid, que moldaria o ensino brasileiro segundo os moldes norte-americanos prejudicando a qualidade do ensino nacional. Preso por uma semana no Juizado de Menores de Pernambuco, junto com o seu amigo Ramirez Maranhão do Valle, Fernando Santa Cruz experimentou a dura realidade dos menores que são marginalizados pela sociedade.

Após sair da prisão, passou a atuar mais na política, voltando sua luta para o Movimento Estudantil. Dessa forma, Fernando Santa Cruz um dos articuladores do movimento estudantil em Pernambuco, sendo um dos reestruturadores da Associação Recifense dos Estudantes Secundaristas (ARES). Nesta época foi assinado o AI-5. Ele, então, mudou de Recife não podendo mais atuar nas lutas políticas na capital pernambucana. Fernando Santa Cruz foi morar no Rio de Janeiro.

No Rio, foi aprovado no vestibular para o curso de Direito da Universidade Federal Fluminense. Na UFF, recomeçou sua luta política inicialmente por meio do diretório acadêmico do curso, e mais tarde por meio do Diretório Central dos Estudantes. Tendo casado com Ana Lúcia, em 1972 nasceu o seu filho Felipe, hoje com 40 anos e advogado no Rio de Janeiro. No mesmo ano, Fernando foi admitido por concurso público na Companhia de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo. Deixou o Rio e mudou-se para a capital paulista.

Em 1974, Fernando junto com a sua mulher, decidiram passar o carnaval na cidade do Rio de Janeiro. Nesta passagem pelo Rio, Fernando decidiu visitar amigos que faziam parte da resistência política contra a ditadura militar. No dia 23 de fevereiro, por volta das 16 horas, Fernando saiu da casa do seu irmão Marcelo, em Copacabana, para o encontro com os amigos naquele sábado de carnaval. A volta estava marcada para as 18 horas. Entretanto, Fernando Santa Cruz nunca mais foi visto. Ninguém sabia onde Fernando estava. Entretanto quando o apartamento de um de seus amigo, Eduardo Collier, foi invadido por agentes de segurança do governo, ficou claro que Fernando havia sido levado pelos agentes do DOI-CODI-RJ.

"Dona Elzita, pode voltar para casa tranquila. Seu filho Fernando vai voltar para casa são e salvo". A promessa foi feita pelo general Golbery do Couto e Silva a mãe de Fernando Santa Cruz, Elzita Santos de Santa Cruz Oliveira, durante encontro logo após seu filho ser preso no Rio de Janeiro por agentes do DOI-CODI. Ela voltou para casa mas a promessa de Golbery, no entanto, nunca foi cumprida.

Os familiares, amigos e advogados de Fernando apelaram a várias autoridades nacionais e internacionais como a OEA e a Anistia Internacional para obterem informação do paradeiro dele, entretanto foi em vão. Até que foi divulgado um relatório do Ministério da Marinha que constava que Fernando Santa Cruz estava desaparecido desde 23 de março daquele ano. Um ano mais tarde, a mãe de Fernando enviou uma carta ao Ministério da Justiça pedindo informações sobre o filho. Entretanto, esta carta nunca foi respondida.

Após o seu desaparecimento, Fernando Santa Cruz tornou-se um ícone da luta e da resistência nos movimentos sociais e principalmente no movimento estudantil de modo que posteriormente, o Diretório Central dos Estudantes da UFF e o Diretório Acadêmico de Direito da Unicap foram batizados com o seu nome.

No segundo semestre de 2009, o governo federal lançou vários vídeos da campanha Memórias Reveladas, cujo objetivo era colher informações sobre os desaparecidos políticos brasileiros na época da ditadura para ajudar a traçar seus paradeiros. Em um desses vídeos é mostrado o depoimento de sua mãe falando sobre o desaparecimento do seu filho.

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