AP 470

Relator vota pela condenação de Cunha e Valério

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16 de agosto de 2012, 21h28

O ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 470, o processo do mensalão, votou pela condenação do deputado federal João Paulo Cunha por crimes de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro e também dos publicitários Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach por corrrupção ativa e peculato. O voto fatiado do relator, concluído nesta quinta-feira (16/8), compreendeu apenas um item da denúncia apresentada pelo Ministério Público, com apenas parte dos crimes imputados ao grupo de Marcos Valério.

Ao fim da sessão, a discussão sobre a metodologia a ser adotada na fase de votação voltou ao Plenário com os protestos do ministro revisor, Ricardo Lewandowski, sobre a forma como o relator tem conduzido seu voto. Para Lewandowski, a votação dividida de acordo com os oito itens da denúncia, além de ser “antirregimental”, adota arbitrariamente o ponto de vista que o Ministério Público Federal tem do processo.

“Proponho que [seja votado] item a item, apenas condenar ou absolver, e a dosimetria fica pro final”, disse o relator em resposta ao ministro Marco Aurélio, que questionou aspectos do voto pela condenação no que tocava ao concurso material e continuidade delitiva ao se estabelecer a pena.

“Se deixarmos para fazer as proclamações agora, vamos prejudicar em muito a comprensão do caso e corremos o risco de não ter o relator até o final. Estou advertindo”, disse Barbosa. O ministro sofre de dores nas costas que o afastaram de diversas sessões da corte nos últimos anos. 

O ministro Ricardo Lewandowski observou que organizou seu voto em 38 decisões no esforço de identificar e individualizar a conduta de cada réu, “como versa a Constituição e o Código Penal”, disse. “A minha metodologia de abordagem ao processo é completamente distinta da do relator. Estamos num impasse, numa aporia metodológica praticamente insuperável”, disse Lewandowski, que salientou que a metodologia adotada por Barbosa ofende o devido processo legal, ao seguir ordem diferente da estabelecida pelo artigo 135 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que prevê o voto integral do relator, logo depois, o do revisor e, em seguida, os dos demais ministros em ordem inversa de antiguidade.

“O revisor não pode se tornar relator do relator”, disse o ministro Marco Aurélio ao também expressar sua preocupação com o caminho escolhido pelo relator.

“Não compareci à corte para simplesmente pronunciar-me em doses homeopáticas. Devo julgar da forma como ela [a ação] se apresenta, a partir do esgotamento do voto do relator quanto à ação penal”, havia dito Marco Aurélio ainda na primeira parte da sessão. “Não se atua dividindo o pronunciamento judicial. Precisamos de uma visão abrangente, pois atos e fatos saltam aos olhos entrelaçados. E o colegiado se sobrepõe a cada um de nós”, ponderou o ministro.

Voto pela condenação
Joaquim Barbosa votou pela condenação de João Paulo Cunha pelo crime de peculato, por conta do saque de R$ 50 mil feito por sua esposa em 4 de setembro de 2003 em agência do Banco Rural em Brasília. Para o relator, como o réu tinha consciência de que recebia a quantia por ter favorecido, de forma ilícita, a empresa de Marcos Valério em contrato com a Câmara dos Deputados, a conclusão é de que, ao sacar o dinheiro, o réu incorreu na prática de lavagem de valores.

O relator também votou pela condenação do parlamentar por dois crimes de peculato, ocorridos, segundo o ministro, por meio das sucessivas autorizações de subcontratações e pagamentos de honorários em favor da empresa SMP&B Progaganda durante a vigência do contrato com a Câmara. Para Barbosa, houve o desvio de recursos públicos em proveito dos sócios e em proveito do próprio deputado, que teria ainda desviado R$ 252 mil para pagar um assessor particular, o jornalista Luiz Costa Pinto, com a justificativa de o contratar para prestar serviços para a Câmara. Barbosa acolheu na íntegra a acusação do Ministério Público Federal de que os desvios na Câmara dos Deputados ultrapassaram R$ 1 milhão.

“O crime se consumou e permitiu a ocultação por quase dois anos. Os órgãos de fiscalização não registraram o nome da senhora Márcia [esposa de João Paulo Cunha], o que constava apenas de documentos informais do banco”, disse Joaquim Barbosa. “Ainda que o próprio João Paulo tivesse ido pessoalmente buscar o dinheiro, estaria configurado o crime de lavagem de dinheiro, considerando que nem o réu nem sua esposa configuram como os sacadores do dinheiro, e sim a SMP&B”, afirmou.

O ministro relator votou pela condenação dos ex-sócios de Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, por corrupção ativa ativa e peculato. A justificativa é que ao terem oferecido vantagem indevida ao presidente da Câmara à época, tinham em vista recíproca em seu favor. Dessa forma, de acordo com o relator, ocorreu o desvio de recursos públicos da Câmara dos Deputados para remunerar os réus por serviços prestados por terceiros.

O ministro Joaquim Barbosa disse também que o Banco Rural repassava aos órgãos de controle financeiro dados incompletos sobre os saques em espécie, que indicavam apenas a agência de Marcos Valério como sacadora. “Assim, está demonstrado que o réu utilizou sofisticado serviço de lavagem de dinheiro operacionalizado pelas agências de Marcos Valério” afirmou.

Sem se ater a detalhes dos argumentos apresentados durante as sustentações orais das defesas, Joaquim Barbosa negou algumas das afirmações feitas pelos advogados. Disse que as atividades de Ramon Hollerbach, por exemplo, não se resumiam à àrea critiva da empresa, uma vez que o réu foi interlocutor de João Paulo Cunha repetidas vezes em encontros ocorridos na Câmara dos Deputados, na residência oficial do presidente da Câmara e mesmo em um hotel em São Paulo. O relator também fez referência à justificativa de que a destinação dos R$ 50 mil recebidos por João Paulo Cunha eram para saldar dívidas de campanha. Para ele, a “eventual destinação dada aos 50 mil é irrelevante”, por se constituir em “mero exaurimento do crime de corrupção passiva, sendo indiferente para a tipificação da conduta”.

Ao votar pela condenação dos réus, o ministro citou a aproximação entre o grupo de Marcos Valério e a cúpula do PT mesmo antes da eleição de Lula. Para o ministro, a intenção dos sócios em manter boas relações com o partido que chegaria ao poder visava adquirir contratos com órgãos do governo e isso, por si, já constituía indício das fraudes.

Joaquim Barbosa observou que, dos R$ 10 milhões gastos pela Câmara no contrato de prestação de serviços com a empresa de Marcos Valério durante a gestão de João Paulo Cunha, apenas R$ 17.091 corresponderam a serviços prestados diretamente pela agência de publicidade.

Quanto ao poder que João Paulo Cunha teria para interferir nos resultados do procedimento licitatório em favor da empresa de Marcos Valério, o relator citou depoimentos de dois membros da Comissão de Licitação da Câmara, que disseram que a nota média recebida pela SMP&B estaria em descompasso com as informações fornecidas pela agência na ocasião da proposta apresentada. As notas relativas aos itens "capacidade operacional" e a "estratégia de mídia" estariam em desacordo com a média atingida, isto é superestimadas. Mesmo assim, segundo o ministro relator, o presidente autorizou a contratação.

Quanto à terceirização dos serviços, o ministro novamente não entrou nos argumentos contrapostos por advogados, sustentando que a proporção com que as subcontratações foram autorizadas era incompatível com o tipo de licitação por “melhor técnica”, adotada pela Câmara à época.

Clique aqui para ler íntegra da parte inicial do voto do ministro relator.
Clique aqui para assistir os vídeos do julgamento do mensalão.

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