Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 22 de julho de 2012, Antonio Anastasia, governador do estado de Minas Gerais, critica o baixo valor dos royalties cobrados pela União sobre a extração de minérios no Brasil, afirmando que “enquanto os royalties do petróleo chegam a até 10% do faturamento bruto, no caso dos minérios são de, no máximo, 3% do faturamento líquido”. Para efeito de comparação, refere-se ao valor dos royalties minerários cobrados na Austrália, cuja alíquota seria de “7,5% sobre o faturamento bruto no caso do minério de ferro”.
O curioso é que quando analisamos estudo realizado por Svetlana Baurens, feito em colaboração com a Universidade de Zurich e o Suisse Banking Institute, verificamos que a carga tributária global do Brasil incidente sobre as companhias mineradoras (incluindo os royalties) é maior do que a australiana, que vem imediatamente abaixo no ranking, sendo esta de 35% e aquela de cerca de 37%. Além disso, o estudo mostra que, em média, adota-se no mundo um royalty minerário que varia entre 2% e 4%.
Anastasia demonstra ainda perplexidade diante da diferença entre a arrecadação estatal por meio dos royalties petrolíferos e minerários. Já dizia John D. Rockfeller: "O melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada. O segundo melhor negócio é uma empresa de petróleo mal administrada." Ou seja, não há nada de estranho no fato de o setor petrolífero gerar uma maior arrecadação para o Estado, mesmo porque, para que uma empresa de petróleo e uma de minério tenham lucratividade equivalentes, aquela deverá suportar tributação superior.
O preço do petróleo gira em torno de 100 dólares por barril, enquanto o minério tem preços variáveis de acordo com sua espécie: uma tonelada de argila não custa o mesmo que uma de diamantes. Aqui, a diversidade de produtos joga contra a média de preços.
Não há uma alíquota padrão ideal que sirva para o petróleo e para os minérios. Na verdade, mesmo entre os diversos tipos de minério, há diferenças entre elas dado o valor agregado de cada um. Qualquer que seja a adotada, deverá ser calibrada de tal modo que dê ao estado uma apropriação adequada da riqueza mineral alienada, e permita atrair empresas a investir no país. Se não for desta forma, como mobilizar capital para extrair a riqueza do subsolo? Sem tal investimento, a riqueza mineral permanecerá no fundo do solo, inerte.
Aqui é importante considerar que, permanecendo inerte, estas substâncias podem se valorizar ou perder valor ao longo do tempo, uma vez que, com o avanço da tecnologia, seu uso pode se tornar mais ou menos importante na economia. Um exemplo significativo pode ser verificado com o minério caulim, que, dentre outras funções, serve para tornar o papel mais branco. Com o uso mais intensivo de papel reciclado e o incremento do texto eletrônico, ocorreu a queda na produção de papel “de impressão”, e a importância do caulim despencou. Com isso, as reservas existentes perderam valor e a eventual “estocagem” deste produto foi um mau negócio para quem assim procedeu. Logo, há uma certa álea nesse procedimento, pois deixar a riqueza mineral inerte pode ser uma aposta ariscada para as futuras gerações, seja pelo esgotamento de um produto hoje valorizado mas que no futuro pode vir a se sobrevalorizar, seja pelo procedimento contrário.
Nenhuma empresa no mundo decide produzir minério ou petróleo neste ou naquele país simplesmente com base na alíquota dos royalties cobrados. Este é apenas um, dentre os tantos aspectos que vão compor os custos da empresa. Veja-se o caso da Líbia, onde o royalty, juntamente com uma espécie de imposto de renda incidente apenas sobre a renda de companhias petrolíferas, confere ao Estado uma participação sobre a produção por volta de 90%, e, mesmo se tratando de um país com regime ditatorial e forte instabilidade política e econômica, havia grande número de empresas interessadas em operar no país (120 companhias manifestaram interesse no leilão realizado em 2004). Qual a razão disso? Por que na Líbia não se cobra outra espécie de tributo, praticamente não há risco na fase exploratória, a produção se dá em terra, há grandes reservatórios de petróleo de alta qualidade e suas jazidas estão próximas dos centros de refino europeus. Nem sempre maior alíquota revela menor atratividade para as empresas, assim como o inverso também é duvidoso.
No Brasil, além dos royalties (minerários ou petrolíferos) incidentes sobre a produção — que são, em tese, baixos, quando comparados ao exemplo líbio — há uma alta carga tributária sobre a sociedade em geral. No caso do petróleo, sua produção é predominantemente offshore, o que torna a extração extremamente mais cara do que em terra e há um grande risco exploratório envolvido, ou seja, a chance de insucesso é bastante significativa — temos o terceiro maior custo regulatório do mundo, dentre inúmeros problemas relacionados à infraestrutura, o que torna o Brasil menos atrativo para as companhias petrolíferas.
O problema está junto à sociedade, ao consumidor, que corre o risco de pagar mais caro por esta conta, já bastante salgada, pois aumentar o custo com maiores encargos fiscais e financeiros implicará em aumentar o preço cobrado pelos produtos. Assim, grande parte da atividade de construção civil terá seu custo majorado, pois insumos básicos como pedra, areia, ferro, cimento e argila, decorrem da exploração mineral. Dizer que tal ou qual tributo ou encargo é baixo é uma parte da análise. No caso, quem vier a explorar esta atividade terá que arcar com muitos outros custos que extrapolam a análise focada nos royalties da mineração ou em qualquer outro item específico.
Atacar uma parte do problema é o mesmo que querer esconder um elefante. Vladimir Safatle, em coluna na Folha de S.Paulo do dia 7 de agosto, menciona que “há várias maneiras de esconder um elefante. Uma delas é apresentando suas partes em separado. Em um dia, aparece a pata. No dia seguinte, você mostra a tromba. Passa um tempo e vem a cauda. No fim, não se mostra o elefante, mas uma sequência de partes desconectadas”. É o caso do governador Anastasia. Mostra a questão dos royalties da mineração, mas não menciona que seu estado cobra 30% de ICMS sobre a energia elétrica, 27% na gasolina e 25% na telefonia. Adotada esta lógica, a alíquota dos royalties, sejam os do petróleo ou na mineração, é muito baixa e deve ser aumentada. É a parte do elefante à mostra.
Enfim, não dá para olhar a questão dos royalties apenas sob um prisma. Trata-se de questão complexa envolvida no custo da tributação no Brasil.
Voltemos a Tiradentes, mártir da Inconfidência Mineira, revolta que liderou contra a derrama (cobrança e majoração de impostos) instalada por Portugal, na segunda metade do século XVIII. Sua luta foi contra esta cobrança injusta e majorada de tributos. A errônea apropriação simbólica dessa revolta contra os tributos pelo governador Anastasia é uma picardia com o bom povo das Minas Gerais e do Brasil, que pagam muito tributo e deve, isso sim, iniciar uma nova Conjuração em prol do melhor uso das verbas públicas, e não por sua majoração indiscriminada. Será que este poço não tem fundo?
* Colaborou a advogada Andressa Torquato, da Área de Energia, Petróleo e Gás do escritório Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados.