Segunda Leitura

Greve de servidores públicos não se resolve no Judiciário

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

12 de agosto de 2012, 8h00

Spacca
A paralisação dos serviços, que é por todos conhecida como greve, está prevista no artigo 9º da Constituição. No parágrafo 1º está expresso que a lei disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. A CF não é explícita quanto ao direito de greve do servidor público, todavia, face à previsão do artigo 37, VII, conclui-se que ele é, sim possível, se exercido na forma da lei.

Esta posição foi referendada pelo Supremo Tribunal Federal quase 20 anos depois da vigência da Carta Magna. Porém, face à omissão legislativa em editar lei específica, decidiu a Corte Suprema que o assunto deve ser tratado com base na Lei 7.783/89, destinada ao setor privado (STF, Mandados de Injunção 670, 708 e 712, 25.10.2007).

O tempo passou e até agora se aguarda uma lei que regulamente o direito de greve no serviço público. Ninguém se anima a apresentar um projeto que limite direitos e que por isso mesmo pode gerar atritos, com desgaste político. Em outras palavras, pode significar derrota nas próximas eleições.

Enquanto a lei não vem, os movimentos paredistas se sucedem, porque a vida é dinâmica. Com greves justas e injustas, umas por servidores que recebem vencimentos aviltantes (v.g., policiais estaduais e professores do ensino médio), outras por servidores bem remunerados, mas que não recebem reajuste há muitos anos.

A política salarial é mais condescendente com as carreiras que possuem poder e são mais organizadas, as quais costumam ser atendidas após negociações ou paralisações que causam prejuízos à economia ou clamor popular, podendo gerar perda de apoio político. Os detentores de cargos de menor hierarquia não possuem poder de barganha e acabam sendo os mais prejudicados.

São muitas as situações de injustiça e só não são mais graves porque o artigo 37, XI, impõe como teto os vencimentos de ministro do STF. Não fosse isto, teríamos alguns funcionários públicos recebendo R$ 40 mil ou R$ 50 mil mensais, fruto de gratificações que se acumulam. Algo inimaginável em um país evoluído, como os nórdicos, onde, em princípio, a diferença entre o mínimo e o máximo deve ser de 1 a 10. Não por acaso, possuem um sistema de saúde e outros serviços públicos invejáveis.

Nesta complexa situação legal, os tribunais vão decidindo os casos que lhe são submetidos. Por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região deliberou em 25 de maio de 2011, no REOMS 4.602 SP 2005.61.03.004602-5, relator Leonel Ferreira, que a greve não pode impedir o contribuinte de obter certidões. Óbvio que decisões como esta resolvem o caso concreto, mas não a questão central, ou seja, o direito, a forma e os limites da greve no setor público.

Nos últimos dias a insatisfação dos servidores atingiu patamar inusitado. O Poder Executivo, no dia 27 de julho, editou o Decreto 7.777 que, em seu reduzido texto, permite que, em caso de paralisação, os serviços sejam compartilhados com funcionários dos estados ou municípios, adotados procedimentos simplificados e apurada a responsabilidade funcional em caso de descumprimento pelas chefias.

A insatisfação atingiu seu ponto máximo. Diversas categorias suspenderam suas atividades. No STF foi protocolada Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto 7.777 (O Estado de São Paulo, 10.8.2012, A-4).

Os resultados já se fazem sentir. Os que transitam nas rodovias federais sofrem os efeitos de congestionamentos causados pela “operação-padrão” da Polícia Rodoviária Federal. Os importadores sentem outro tipo de irritação, causada pelo prejuízo econômico decorrente de idêntica iniciativa tomada pelos trabalhadores da Anvisa, à qual aderiram os fiscais agropecuários e auditores da Receita Federal. Nos portos, centenas de containers aguardam liberação, sendo que no Rio de Janeiro nem mesmo liminar judicial foi cumprida (Valor Econômico, 10.8.2012, A-16). No aeroporto de Cumbica, operação-padrão da Polícia Federal gera filas enormes e atraso em dezenas de voos (Folha de S.Paulo, 10.8.2012, C1).

Estes efeitos são visíveis e passageiros. Mas, como avaliar a greve das Universidades Federais, que já duram três meses? Até que ponto influirão na formação dos estudantes universitários? Como todos sabem, a reposição de aulas é no mínimo incerta. Não substitui as aulas regulares, ocorre em períodos de férias, em clima pouco propício aos estudos. Será que isto, anos depois, pode gerar um atendimento médico deficiente? Impossível dimensionar. Mas ninguém tem dúvida de que o ensino fica prejudicado.

Neste caldeirão de conflitos, é preciso reconhecer que a solução não é fácil. Entre outras coisas, o aumento pode resultar em um pretendido corte de tributos que, por sua vez, pode resultar no aumento do PIB. Mas é preciso reconhecer também que tudo isto ocorre porque, por anos, o problema vem sendo adiado.

Fácil é ver que a solução das reivindicações salariais dos servidores é assunto político e não jurídico, muito embora possa ser judicializada a discussão. Ao Poder Executivo cumpre sustar ou atenuar os efeitos das greves, organizar a política salarial de seus servidores e, por fim, apresentar projeto de lei regulamentando o direito de greve. Em suma, o que vem sendo adiado por mais de 20 anos precisa ser enfrentado.

Transferir o problema para o Poder Judiciário (leia-se STF) pode significar uma solução episódica, paliativa, tomada com atenção exclusiva ao aspecto jurídico. Só que o problema vai muito além da hermenêutica constitucional. Tem aspectos e reflexos sociais, econômicos e políticos, algo próximo dos outros Poderes, ou seja, do Executivo e do Legislativo.

Por fim, se decisão judicial houver, ainda corre-se o risco de não ser cumprida. Isto porque é possível que os servidores da Justiça Federal também estejam em greve, pois, insatisfeitos, também reclamam contra a falta de reajuste nos últimos seis anos. Cabe aqui perguntar: haverá oficial de Justiça disponível?

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