Prerrogativa dos defensores

Defensoria Pública não pode dar ordens à polícia

Autor

  • Andre Luis Alves de Melo

    é promotor em Minas Gerais doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP mestre em Direito pela Unifran e associado do Movimento do Ministério Público Democrático.

12 de agosto de 2012, 18h12

O Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente, em 2010, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 230) em que o governo do Rio de Janeiro questionava itens da Constituição estadual sobre prerrogativas dos defensores públicos cariocas, em especial no tocante ao poder de requisição. A ação foi proposta em 1990 e demorou quase 20 anos para ser julgada.

Em relação ao artigo 178, inciso IV, alínea a, que estabelecia como prerrogativa do defensor público poder requisitar administrativamente de autoridade pública e dos seus agentes ou de entidade particular certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos, providências necessárias ao exercício de suas atribuições, a ministra Cármen Lúcia encaminhou a votação no sentido de julgar procedente apenas a expressão ou de entidade particular e dar interpretação conforme ao que ficaria em relação à autoridade pública.

Seguiu-se um debate sobre a interpretação conforme, com a preocupação de não se criar um superadvogado, com superpoderes, o que quebraria a igualdade com outros advogados, que precisam ter certos pedidos deferidos pelo Judiciário. O ministro Carlos Ayres Britto lembrou que, pela Constituição Federal, o Ministério Público pode requisitar informações e documentos.  E após as ponderações, a ministra Cármen Lúcia reajustou seu voto para declarar integralmente inconstitucional o dispositivo.

Ocorre que este dispositivo também está previsto com redação similar na Lei Complementar da Defensoria (LC  80/94), a qual foi publicada em janeiro de 1994, nos artigos 128, inciso X; artigo 8º, incisos XVI e XIX; artigo 43, inciso X; artigo 56, inciso XVI; e artigo 89, inciso X, o que não foi abordado expressamente pelo STF.

Diante disso, surge importante debate sobre a possibilidade, ou não, do Defensor Público poder requisitar.

A redação dos artigos é praticamente idêntica, e apenas varia na Lei Orgânica por se referir à Defensoria da União, ou do estado, bem como do Distrito Federal e por economia transcreve-se apenas um artigo.

Artigo 127 da Lei Orgânica da Defensoria

X – requisitar de autoridade pública ou de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições.

Na linguagem jurídica requisitar é exigir com autoridade. Dessa forma, a requisição é a exigência legal, a ordem emanada da autoridade competente para que se cumpra, se preste ou se faça o que esta sendo ordenado.

No caso do Ministério Público o poder de requisição está expresso na Constituição Federal, pois é Instituição de Responsabilização e não apenas de assistência, assessoria. Nesse sentido, descumprir a requisição do Ministério Público caracteriza crime previsto no artigo 10 da Lei 7347/85, e eventualmente crime de desobediência (330 do CP), ou crime praticado por prefeito (DL 201/67), além de improbidade.

Constituição Federal de 1988

Artigo 129. São funções institucionais do Ministério Público:

     ……..

VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

Quanto á possibilidade de se estender os efeitos do julgado da ADI 230, a qual teve efeitos vinculantes, a outros textos legais semelhantes, esta situação já foi abordada pelo STF em caso semelhante.

O voto vista do ministro Eros Grau, STF, na Reclamação 4335-Acre é interessante. Ele analisa a possibilidade de se discutir sobre a proibição de uma nova lei similar a uma que já foi declarada inconstitucional. O ministro fala que em tais casos suas mãos podem tocar o céu.

RECLAMAÇÃO 4.335-5 ACRE (Eros Grau, com voto vista):

“A alusão ao texto de LOEWENSTEIN é porem, na hipótese, oportuna.  Diz ele: o Poder Legislativo pode exercer a faculdade de atuar como intérprete da Constituição, para discordar de decisão do Supremo Tribunal Federal, exclusivamente quando não se tratar de hipóteses nas quais esta Corte tenha decidido pela inconstitucionalidade de uma lei, seja porque o Congresso não tinha absolutamente competência para promulgá-la, seja porque há contradição entre a lei e um preceito constitucional. Neste caso, sim, o jogo termina com o último lance do Tribunal; nossos braços então alcançam o céu.

Logo, descumprir a requisição do defensor não caracteriza nem crime, nem ato de improbidade.  Além disso, não poderia a Defensoria ou o defensor público ajuizar a ação penal em caso de descumprimento, nem por improbidade, pois não tem legitimidade ativa para tal. Contudo, nada impede que seja atendida voluntariamente como solicitação.

Aproveitando a discussão sobre a questão do superadvogado, faz-se importante registrar nova inconstitucionalidade inserida pela Lei  Complementar 132-09 na Lei da Defensoria ao atribuir ao defensor geral possibilidade de requisitar força policial, ainda que para assegurar incolumidade física dos seus membros.

Artigo 8 º da Lei Orgânica da Defensoria

XIX – requisitar força policial para assegurar a incolumidade física dos membros da Defensoria Pública da União, quando estes se encontrarem ameaçados em razão do desempenho de suas atribuições institucionais; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

A Defensoria tem um papel importante na assistência jurídica, mas não pode dar ordens á polícia, pois a Defensoria é instituição de natureza assistencial e faz a defesa dos réus no processo penal, logo incompatível com o seu perfil constitucional esta possibilidade. Não se alega que os defensores não podem ter segurança, mas a forma tem que se dar através da solicitação e não requisição (ordem).

Nesse sentido, oportuno também destacar que o acesso da Defensoria ao Infoseg, banco de dados da segurança pública, gera uma confusão de papéis (entre defender e investigar), além da desigualdade com advogados privados, pois não têm esta prerrogativa. Assim, enquanto se faz lançamento de dados sigilosos no Infoseg, a instituição que tem papel predominante de defender o réu no processo penal teria acesso aos mesmos (Defensoria), ou então pode localizar endereço um foragido em execução de alimentos e pedir a prisão do  mesmo, o que passa a ser uma atribuição questionável e que precisa ser revista, pois não atende ao perfil da Defensoria e ainda gera desigualdade com a advocacia privada.

Ante o exposto, a pessoa que receber requisição da Defensoria/defensor público  e não cumprir a mesma, não pode ser responsabilizada, pois o STF já decidiu, ao julgar norma semelhante, que a pretensão de requisitar pelo Defensor é inconstitucional. Contudo, nada impede que o interessado ajuíze Reclamação no STF em face de descumprimento por parte do defensor do julgado na ADI 230, ou então, pleitear aos legitimados ajuizamento de nova ADIn específica para a lei federal ou apresentar  embargos de declaração na ADIn 230 para decidir se o julgado abrange também a lei federal (80-94). Em tese, não cabe Mandado de Segurança contra o defensor público, pois como exerce papel de assistente jurídico da parte (representação) não ocupa tecnicamente o papel de autoridade estatal.

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