Tentativas de retaliação

Deputados da bancada evangélica querem enfraquecer OAB

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11 de agosto de 2012, 16h28

Editorial originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo na terça-feira (7/8).

A exemplo do que ocorreu há alguns anos, quando deputados denunciados por promotores de Justiça apresentaram projetos de lei para esvaziar as prerrogativas do Ministério Público, parlamentares da bancada evangélica estão querendo adotar o mesmo expediente para enfraquecer a Ordem dos Advogados do Brasil.

A ofensiva contra a entidade decorre dos discursos moralizadores que o presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, vem fazendo desde sua posse. Ao assumir o cargo, em 2010, ele criticou a corrupção da classe política, comparou o Congresso a um "pântano" e pediu a senadores e deputados federais que tivessem "mais vergonha na cara". Também foi implacável quando foram divulgados vídeos mostrando deputados distritais evangélicos de Brasília fazendo orações depois de receber propina. E em 2011, quando foi instalada a comissão especial encarregada de analisar alterações no Código de Processo Civil, Cavalcante vetou o nome indicado pelo PMDB como relator, o do deputado fluminense Eduardo Cunha, por não ser vinculado ao "mundo do direito".

Por sua vez, Cunha, que é um dos articuladores da bancada evangélica, passou a lutar contra a reeleição de Cavalcante e lançou uma campanha contra a OAB. Entre outras tentativas de retaliação, os parlamentares evangélicos apresentaram dois projetos de lei — um prevendo a eleição direta para a presidência da OAB, outro extinguindo o chamado exame da Ordem, a prova de qualificação para obtenção de registro profissional. O relator do segundo projeto é o pastor Marco Feliciano (PSC-SP), que já deu parecer favorável.

A prova de habilitação profissional — que tem uma taxa média de reprovação de 75% – vem sendo aplicada há 40 anos pela OAB. A entidade alega que ela é decisiva para impedir a entrada de bacharéis sem qualificação no mercado de trabalho. A bancada evangélica acusa o exame da Ordem de ser uma "reserva de mercado". Para os deputados evangélicos, o alto índice de reprovações é a forma pela qual a entidade controla a entrada de novos advogados no mercado de trabalho, evitando assim que o aumento na oferta de serviços jurídicos reduza o nível salarial da categoria. Atualmente, há 1.259 faculdades de direito no país. Elas têm 700 mil alunos e formam 90 mil bacharéis por ano.

Como esses bacharéis têm de pagar para se submeter ao exame de qualificação profissional, a bancada evangélica também acusa a OAB de tê-lo convertido em fonte de lucro, assegurando o ingresso de R$ 70 milhões por ano aos cofres da entidade. E como ela tem o estatuto jurídico de autarquia especial, os parlamentares evangélicos alegam que sua contabilidade é "inacessível", na medida em que não precisa ser submetida ao Tribunal de Contas da União.

Alegando que esses recursos são gastos de modo perdulário, Cunha e Feliciano anunciaram que, na volta do recesso parlamentar, proporão a abertura de uma CPI para investigar as contas do Conselho Federal da OAB. Além disso, divulgaram que já estão negociando com o presidente da Câmara, Marco Maia, que o projeto de extinção do exame da Ordem passe a tramitar em regime de urgência. A ofensiva liderada por Cunha contra a entidade tem o apoio do ministro da Pesca, Marcelo Crivella. Ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, o ministro vem travando uma batalha contra a seccional fluminense da OAB, que tem se recusado a expedir carteiras de advogado para membros de seu grupo político, no Rio de Janeiro. Em nota, a OAB criticou a proposta de abertura da CPI, afirmando que vive de anuidades e que não recebe dinheiro público. Também classificou de "eleiçoeira" a ofensiva da bancada evangélica e anunciou que continuará cobrando seriedade e honestidade da classe política.

As críticas contra a OAB são antigas e ela nem sempre as refutou com suficiente clareza. Mas isso não dá aos membros da bancada evangélica o direito de usar as prerrogativas de seu mandato para defender projetos concebidos mais como vingança do que com base no interesse público.

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