AP 470

Falta de desmembramento violou tratado internacional

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3 de agosto de 2012, 18h00

Ao rejeitar o desmembramento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, o Supremo Tribunal Federal contrariou tratado internacional e julgados da própria corte por negar a réus sem foro privilegiado o direito de serem julgados em instâncias inferiores e poderem recorrer de possíveis condenações a diferentes julgadores. A avaliação é de especialistas ouvidos pela ConJur. Os ministros do STF não aceitam essa interpretação. Para eles, a dupla jurisdição só é aplicável quando é possível. Por isso, a menção ao Pacto de San José da Costa Rica, feita pelos advogados, seria indevida, uma vez que tratados figuram em nível inferior à Constituição. Para ilustrar a excepcionalidade, invoca-se o caso de crimes conexos, em que o julgamento não pode ser separado. Seria o caso da formação de quadrilha, por exemplo, que só se configura ao julgar o grupo acusado. Ou em casos de co-autoria.

ConJur antecipou a discussão em artigo publicado no dia 1º de agosto, assinado pelos advogados Fabricio de OliveiraCampos e Conceição Aparecida Giori, do escritório Oliveira Campos e Giori Advogados. "O duplo grau de jurisdição, explicitamente previsto como garantia mínima, fica num panorama ainda mais distante de plena aplicação no Brasil", afirmaram.

O principal ponto em questão é o princípio do duplo grau de jurisdição, previsto no Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil e signatário. Segundo a norma, toda pessoa tem “direito de recorrer de sentença a juiz ou tribunal superior”.

“O Tratado do Pacto de San José proclama direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior. Por tudo isso, no final, a Corte Interamericana terá que anular esse julgamento, sob pena do seu absoluto descrédito”, afirma Heleno Taveira Torres, advogado e professor de Direito da Universidade de São Paulo.

O argumento é semelhante ao do criminalista Fabio Tofic, do escritório Tofic e Fingerman Advogados. Ele defende que o tratado se sobrepõe ao Código de Processo de Penal, que permite o julgamento, pelo mesmo tribunal, de réus com e sem prerrogativa de foro.

Tofic diz que “a norma legal que prevê a conexão [o Código de Processo Penal] cede em favor de uma norma de status superior, que é o tratado”.

O advogado Paulo Iasz de Morais, do MDTG Advogdos Associados, concorda. "Ao manter todos no mesmo processo, ataca-se o princípio constitucional do duplo grau de jurisdição".

Para Tofic, o julgamento do mensalão colocou em lados opostos o princípio da unicidade das decisões e o duplo grau de jurisdição. “O conflito é entre o duplo grau de jurisdição, que se sobrepõe à regra da conexão no Código de Processo Penal, com o dever de unicidade das decisões judiciais”.

Porém, em artigo publicado pelo jornal Valor Econômico, o professor da Faculdade de Direito da USP Renato de Mello Jorge Silveira avaliou o dilema sob outro ponto de vista. “Parece bastante claro que é um direito básico do indivíduo a possibilidade de recorrer de uma condenação a uma instância superior”, afirmou de início, mas lembrou que “parece óbvio que a melhor resposta do ponto de vista da Justiça é que todos os envolvidos em determinada acusação venham a ser julgados pelos mesmos magistrados, até porque, com isso, se evitariam decisões eventualmente contraditórias”, diz. Ou seja, segundo ele, a unidade do processo, ao menos nesse caso, deve prevalecer.

Ele conclui o artigo explicitando o conflito, ao dizer que “a opção aqui é clara: ou se assegura um direito, e se dá primazia a tratados internacionais, ou se opta por uma dinâmica processual própria”.

Revisão criminal
Para Tofic, mesmo o artigo 263 do Regimento do STF, que prevê revisão de decisões da corte, não pode ser considerado um duplo grau de jurisdição. O regimento do STF foi citado pelo ministro Celso de Mello ao justificar a recusa ao desmembramento do processo.

“Uma revisão criminal tem hipóteses muito específicas de cabimento, como prova nova e injustiça flagrante. O STF vai dizer que houve injustiça flagrante?”, questiona.

Tofic lembra que a revisão é um recurso aplicável quando a decisão já transitou em julgado, o que, em caso de condenação, significa que teria efeito já com o cumprimento da pena. “Não consigo ver um duplo grau de jurisdição num instrumento em que você não consegue evitar a pena”, diz. “O duplo grau é antes do trânsito em julgado.”

Na avaliação de Tofic, embora as últimas decisões do STF tenham sido a favor do desmembramento, há decisões em sentido contrário, o que acaba evidenciando que a corte decide conforme o caso. “É temerário. O STF não pode ter entendimento baseado na casuística”, diz.

Jurisprudência
Nas ocasiões em que o desmembramento esteve em questão no STF, a corte não seguiu um padrão, mas decidiu conforme o caso.

Nos inquéritos que investigaram os deputados Jofran Frejat (PR-DF) e Nelson Roberto Bornier de Oliveira, o Supremo optou por desmembrar as acusações contra réus sem mandato. As decisões foram proferidas em dezembro de 2007 (Inq 2.548) e em junho de 2008 (Inq 2.555).

Já em outras situações, o STF rejeitou o desmembramento, como nos Inquéritos 2.555 e 2.455, de junho de 2008.

Clique aqui para assistir os vídeos do julgamento do mensalão.

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