AP 470

"Autor é quem tem domínio final do fato", diz Gurgel

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3 de agosto de 2012, 17h17

Ao abrir a sustentação oral na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal nesta sexta-feira (3/2), o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, deixou claro que pretende fazer do julgamento da Ação Penal 470 — o processo do mensalão — um símbolo exemplar e histórico de correção do "caráter anômalo da política nacional", em suas palavras.

Gurgel criticou a visão da defesa de que não houve esquema de corrupção articulado na escala apregoada pela acusação. “A robustez da prova colhida faz, com todas as vênias devidas, que tal afirmação seja reduzida ao ridículo”, disse em sua sustentação.

Na primeira parte de sua fala, o procurador-geral detalhou as acusações que pesam contra o chamado núcleo político do esquema de compra de parlamentares. Durante a leitura da peça de acusação, o procurador serviu-se dos depoimentos, na sua maioria, dos próprios réus. Ele remeteu a origem da “quadrilha criminosa” a um período ainda anterior à chegada do PT ao poder. Segundo ele, a iminência da eleição do futuro presidente Lula fez com que o secretário de finanças do partido, Delúbio Soares, sob orientação e colaboração do então presidente do partido, José Dirceu, e de seu sucessor no cargo, José Genoíno, procurasse um operador com ampla experiência no financiamento de partidos políticos. Com a entrada de Marcos Valério e de seus sócios, publicitários de Belo Horizonte, no arranjo, a capital mineira passou a ser a caixa central do diretório nacional do PT, segundo o procurador.

Gurgel narrou as condições sob as quais Marcos Valério e seus sócios travaram os primeiros contatos com dirigentes do PT, mais especificamente com a corrente ideológica nomeada de Campo Majoritário, da qual eram figuras expoentes como José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares.

“A coincidência de interesses fez com que se produzisse resultados imediatos” disse o procurador ao explicar que Marcos Valério também tentava se aproximar dos dirigentes do PT, tão logo o partido saiu vitorioso das eleições de 2002.

Ainda de acordo com o procurador, o cruzamento das informações colhidas deixa claro que o então chefe da Casa Civil era o mentor da ação do grupo, “seu grande idealizador, articulando e comandando a ação dos demais acusados para a consecução dos objetivos”, afirmou.

“Não discuto a licitude de se articular o apoio de parlamentares ao governo. A questão é que essa base de apoio não poderia ser paga por meios ilícitos”, disse.

Ao falar do ex-ministro José Dirceu, Gurgel chamou a atenção para a necessidade de se conceituar a própria ideia de “autoria” frente ao fenômeno dos crimes modernos”. “Autor é aquele que tem controle do domínio final do fato”, repetiu Gurgel, citando o jurista Heleno Fragoso. 

“A prova que instruiu os autos dessa ação penal é contundente. Marcos Valério relatou muitas vezes que José Dirceu tinha controle e ciência de tudo. Nada, absolutamente nada acontecia sem o conhecimento de José Dirceu”, disse o procurador, ao se referir aos depoimentos do publicitário mineiro. Para Gurgel, é fundamental se atentar para o que chamou de “valoração da prova no âmbito do fenômeno da criminalidade moderna”, onde a “atuação da criminalidade organizada é definida pela ausência de vítimas individuais, o emprego de profissionalismo, estabelecimento de divisão de tarefas e a corrupção de servidores”.

Base probatória
Ao passar a descrever a atuação dos núcleos operacional e financeiro, Roberto Gurgel enumerou, além do cruzamento de depoimentos, provas como a destruição de notas fiscais e falsificação de documentos, como contratos — no caso das empresas de Marcos Valério — e a contratação de policiais civis e a utilização de carros fortes na efetivação dos saques de grandes somas de dinheiro, no caso do dito núcleo financeiro. O procurador mencionou também laudos do Instituto Nacional de Criminalística que atestam a anormalidade dos saques, frutos de empréstimos fraudados pelo Banco Rural.

O grupo de Marcos Valério, de acordo com o procurador, atuava na “mesclagem de atividades lícitas próprias da área da publicidade com a atuação ilícita substanciada no desvio de recursos e na compra de parlamentares.”

“José Dirceu era o mentor do esquema enquanto Marcos Valério era seu principal operador”, afirmou o procurador, ao sustentar que a "articulação do esquema ilegal tinha como fim viabilizar a compra de apoio político, o custeio de gastos partidários e o pagamento de dívidas de campanha". Para o procurador, foi estabelecido um acordo político associado a uma acordo financeiro para o cometimento de crimes.

A primeira parte da sustentação oral do procurador-geral da República se estendeu até pouco antes das cinco horas da tarde. Ao fim da leitura da primeira parte, advogados dos réus presentes na sessão criticaram o que entenderam como  a “ausência de nexo causal” nas alegações do procurador. Para muitos dos advogados, “a acusação apenas sustentou uma tese, mas não a validou tecnicamente".

Público e privado
Sem se preocupar em abordar logo de início a matéria em julgamento, o procurador começou falando sobre a natureza da ética e da estrutura político-social do Brasil. Citando Raymundo Faoro, Gurgel falou sobre o modelo de “patronato brasileiro”, onde, “desde a fundação do país, prevalece a confusão entre negócios públicos e privados, que repercutem em projetos políticos personalizados”, disse.

Roberto Gurgel deteve-se ainda, antes de apresentar as acusações, em reflexões sobre o Estado patrimonial brasileiro, imobilizado, segundo ele, por “uma camada dirigente que atua em nome próprio”. Para o procurador, desde o período colonial, passando pela Era Vargas até o presente, há uma “resistência nada gloriosa de um modelo de relações de poder” ao tempo e à modernidade. Segundo a acusação, isso faz com que o país siga organizado dentro do mesmo modelo de concentração de riqueza e poder. “As classes servem ao padrão de domínio e o sistema compatibiliza-se para imobilizá-las”, formulou.

Clique aqui para assistir os vídeos do julgamento do mensalão.

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