Foro privilegiado

Ministros do STF rejeitam desmembramento do mensalão

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2 de agosto de 2012, 18h08

Nelson Jr./SCO/STF

Por nove votos a dois, os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram, nesta quinta-feira (2/8), rejeitar a preliminar levantada pelo advogado Márcio Thomaz Bastos e manter no tribunal o julgamento integral da Ação Penal 470, o chamado processo do mensalão. A discussão sobre apenas essa preliminar levou todo o primeiro dia da sessão.

Márcio Thomaz Bastos defende o ex-executivo do Banco Rural José Roberto Salgado e defendia que o processo deveria ser desmembrado em relação aos 35 réus que não têm foro por prerrogativa de função. Ou seja, não têm a prerrogativa de ser julgados pelo Supremo. Hoje, apenas os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP) têm prerrogativa de foro.

O que Bastos pedia não era o simples desmembramento do processo. Claro, essa seria a consequência de uma decisão favorável ao seu pedido. Mas ele pediu que o Supremo enfrentasse a questão do ponto de vista constitucional, não apenas com o foco na oportunidade e conveniência de se manter a ação íntegra ou desmembrá-la.

O advogado sustentou que o fato de réus sem prerrogativa serem julgados pelo Supremo fere ao menos dois princípios fundamentais: o do juiz natural e o direito ao duplo grau de jurisdição — ou seja, de recorrer de uma possível decisão condenatória. Contra as decisões do STF, como se sabe, não há recurso senão ao próprio tribunal.

Mas o advogado encontrou ressonância para o seu pleito apenas nos votos dos ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. O clima da Corte esquentou quando o ministro Lewandowski votou em favor do pedido de Márcio Thomaz Bastos. O relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, o acusou de deslealdade por acolher essa questão na última hora.

“Por que Vossa Excelência não trouxe a questão antes, durante a revisão? Me causa espécie sua posição”, disse Barbosa. O relator subiu o tom quando disse que Lewandowski colocava em xeque a decisão do Supremo porque estaria questionando a legitimidade do tribunal para julgar o caso.

Lewandowski reagiu: “Vossa Excelência se atenha aos fatos e não à minha pessoa. Traga argumentos jurídicos, não pessoais”. Coube ao ministro Marco Aurélio tentar acalmar os ânimos e ao presidente do STF, ministro Ayres Britto, colocar um pouco de ordem às discussões.

O ministro Joaquim Barbosa lembrou que o debate sobre a questão de ordem já havia sido feito provocado por ele mesmo: “Gastamos quase uma tarde inteira debatendo o desmembramento. Fiquei vencido, mas primo pelo princípio da colegialidade. Toquei a ação. Agora, a instrução chega ao fim, aguarda-se única e exclusivamente o julgamento e, subitamente um dos réus se vê no direito de ver essa questão rediscutida. Precisamos ter rigor no fazer as coisas nesse país”.

Fato é que coube ao ministro Ricardo Lewandowski protagonizar o primeiro desvio de rumo no cronograma do processo do mensalão, transformando a sessão em um amplo debate sobre hipóteses de prerrogativa de foro. Lewandowski apresentou um longo voto em que defendeu que o desmembramento do processo, agora, sob o enfoque da constitucionalidade.

O ministro disse ainda estar à vontade para acolher o pedido de desmembramento, citando decisão do dia anterior em que determinou a remessa do inquérito contra o ex-senador Demóstenes Torres ao Tribunal da 1ª Região, em razão justamente da cassação do mandato do político goiano. Citando juristas como Carlos Maximiliano e Eugênio Pacelli, Lewandowski começou se referindo à jurisprudência que assentaria a incompetência da corte para julgar réus sem prerrogativa de foro.

Foi acompanhado pelo ministro Marco Aurélio, para quem a incompetência do Supremo para julgar os demais réus seria absoluta. “Falou-se muito que estaria a matéria preclusa. Não há preclusão da matéria, sob pena de os colegas me condenarem a voltar aos bancos da minha querida Nacional de Direito”, ironizou o ministro.

“A única justificativa, em parte socialmente aceitável, para agasalhar-se o foro por prerrogativa de função é a proteção do próprio cargo”, disse. O que não acontece no caso. “O desmembramento não implicará retrocesso. Implicará a baixa do processo para a primeira instância, que é mais veloz do que o colegiado”, completou.

O ministro Marco Aurélio, assim como Ricardo Lewandowski, fez referências ao chamado mensalão mineiro, que se originou das mesmas investigações, mas foi desmembrado. “Não cabe variar adotando o dito popular de dar uma no cravo e outra na ferradura”, afirmou Marco.

Processo inteiro
Os dois, contudo, foram vencidos. A ministra Rosa Weber disse que, em processo, a regra é andar para frente. Não retroceder. E que a matéria já estaria preclusa, por já ter sido discutida em outras ocasiões pelo Supremo. “Por mais relevantes que sejam as indagações, a marcha é para frente”, afirmou.

O ministro Luiz Fux lembrou que a competência originária do Supremo não impede a atração de causas conexas. Dias Toffoli, que disse ter voto preparado para julgar o processo em que abordava essa questão preliminar, acompanhou os colegas. Além deles, votaram contra o desmembramento os ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Ayres Britto.

Peluso alertou para riscos reais de decisões contraditórias com juízes de grau inferior tomando soluções diversificadas do que se decidisse no Supremo. Também criticou a ideia de que remeter o processo pronto ao juízo de grau inferior será mais rápido. O ministro Gilmar Mendes frisou que quando o STF decidiu, sob aspectos infraconstitucionais, questões de desdobramento, sempre levou em conta o mérito das competências implícitas do ponto de vista constitucional.

“Temos que pôr fim a lendas urbanas sobre prerrogativa de foro. Imagina o que se veria em termos de impugnação, manobras e Habeas Corpus se enviássemos o processo a primeira instância. Se estivesse espalhado por aí, o seu destino seria a prescrição com todo o tipo de manobra e artifício que pudesse ser feito”, afirmou Mendes.

Jurisprudência indecisa
O Supremo nunca fixou jurisprudência sobre a extensão da prerrogativa de foro por função. Em alguns casos, admite o desmembramento da ação. Há vários exemplos. Um dos mais recentes foi a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, que determinou o desmembramento das investigações em relação ao grupo do empresário de jogos ilegais Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.

As investigações sobre as ligações do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, com o grupo de Cachoeira seguiram para o Superior Tribunal de Justiça. Já a parte dos autos que investiga Cláudio Abreu, Enio Andrade Branco, Norberto Rech, Geovani Pereira da Silva e Gleyb Ferreira da Cruz foram para a primeira instância da Justiça Federal de Goiás. Os cinco são citados nas investigações da Polícia Federal como integrantes da suposta quadrilha chefiada por Cachoeira.

A defesa de José Roberto Salgado citou outros vários exemplos de decisões em que o STF julgou ilegal manter no tribunal ações contra pessoas que não têm prerrogativa de foro, antes e depois da decisão de manter o processo do mensalão inteiramente sob a guarda do tribunal.

Os ministros que formaram a maioria por manter a Ação Penal 470 no Supremo citaram outros casos, em que o tribunal também julgou integralmente denúncias contra réus que tinham e outros que não tinham prerrogativa de foro. Um dos casos citados foi o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), em que outros membros de sua família foram acusados no processo e nçao tinham prerrogativa de foro.

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