Cooperação Internacional

Contradições do STF na prisão para extradição

Autor

  • Antenor Madruga

    é sócio do FeldensMadruga Advogados doutor em Direito Internacional pela USP especialista em Direito Empresarial pela PUC-SP e professor do Instituto Rio Branco.

2 de agosto de 2012, 8h00

Spacca
* No último dia 29 de junho, o Plenário do Supremo Tribunal Federal determinou, por unanimidade, a soltura do libanês Assaid Khalil Kiwan, preso em prisão preventiva para extradição (PPE 623) desde 27 de maio de 2009, portanto há mais de três anos. Conforme voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, não havia elementos suficientes para manter a prisão preventiva do extraditando, “pelo não atendimento das requisições do STF pelo Estado requerente, e pelo longo prazo de determinação da prisão”.

Em artigo anterior, nos manifestamos no sentido de que a prisão preventiva não representa requisito de procedibilidade para a extradição. Na ocasião, mencionamos precedente do próprio Supremo Tribunal Federal (HC 91.657), segundo o qual — nas palavras do relator ministro Gilmar Mendes — “em nosso Estado de Direito, a prisão é uma medida excepcional e, por essa razão, não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos”. Completou ainda o relator afirmando não haver qualquer razão para a não-aplicação do mesmo princípio aos casos de prisão preventiva para fins de extradição.

Dessa forma, concluiu em seu voto que “a prisão preventiva para fins de extradição há de ser analisada caso a caso e, ainda, que se lhe seja atribuído limite temporal, compatível com o princípio da proporcionalidade, quando seriam avaliadas a sua necesidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito”. Em outras palavras, a prisão — como violação do mais fundamental direito — deve ser medida excepcional, aplicada apenas nos casos em que se faça efetivamente necessária.

Em que pese o relevante precedente estabelecido pelo Plenário da Corte, a prisão preventiva para fins de extradição continua sendo aplicada pelo próprio Supremo Tribunal Federal como medida automática, sem qualquer consideração acerca de sua necessidade ou ainda de sua proporcionalidade. É o que acontece no presente caso. Sem tecer qualquer comentário a respeito das possibilidades de fuga ou ainda de interferência na instrução processual por parte do extraditando — ou seja, da própria necessidade da prisão processual — a ilustre ministra relatora Cármen Lúcia decretou a prisão preventiva de Assaid Khalil Kiwan. Além da ausência de motivação no decreto de prisão, a manutenção da privação de liberdade se mostrou absolutamente desproporcional, já que durou mais três anos sem que o Estado requerente sequer tenha providenciado a documentação necessária para o pedido de extradição.

Analisando os recentes processos de prisão preventiva para extradição, verificamos que a situação se repete em cada um deles. Apoiando-se nos dispositivos do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80, art. 81ss), os ministros, monocraticamente, têm decretado a prisão preventiva de forma automática e, muitas vezes, “como condição de procedibilidade da extradição”.

Em sintonia com o já julgado no HC 91.657, é mais do que hora que o Supremo Tribunal Federal interprete as disposições do Estatuto do Estrangeiro conforme a Constituição Federal no que diz respeito às PPEs, e, também por uma questão de isonomia, aplique nesses procedimentos os requisitos estabelecidos pelo artigo 312 do Código de Processo Penal.

É tempo de o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, passar a interpretar, também nos casos de PPE, a liberdade como regra e não como exceção.

* Colaborou Mariana Tumbiolo Tosi, advogada do Barbosa Müssnich & Aragão e integrante da Comissão de Cooperação Jurídica Internacional do IBCCRIM.

Autores

  • é advogado, sócio do Barbosa Müssnich e Aragão; doutor em Direito Internacional pela USP; especialista em Direito Empresarial pela PUC-SP; professor do Instituto Rio Branco.

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