ConJur, Ano XV

Da internet discada à banda larga, criando notícia jurídica

Autor

2 de agosto de 2012, 7h32

Spacca
Comecei a trabalhar na ConJur em outubro de 1997, três meses depois de o site entrar no ar. Eu cursava o primeiro ano da faculdade de jornalismo na Universidade São Marcos e Márcio Chaer me admitiu como estagiário graças ao meu tio, Raul Haidar. Os dois eram amigos de longa data. Fui contemporâneo de um dos criadores do site, o João Ozorio, mas ele saiu logo em seguida à minha chegada. Hoje, Ozorio escreve de novo na ConJur, de Miami.

Quando cheguei, a jornalista Rosângela Sanches, que hoje é assessora de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo, era a única pessoa que trabalhava na ConJur, além do Márcio. Ela tinha outros ofícios e trabalhava apenas meio período no site, na parte da tarde e num pedaço da noite. A sede era na Rua Conselheiro Furtado, no Centro de São Paulo, quase ao lado do Fórum João Mendes. Ocupava três saletas.

No primeiro ano de existência, o site se mantinha muito mais com a publicação de artigos do que com notícias. A produção de reportagens ainda engatinhava. Além de uma grande quantidade de artigos sobre Direito e poucas notícias, passamos a reproduzir na ConJur a coluna Diário Judicial (clique aqui para ler uma das colunas), que o Márcio assinava no jornal Diário Popular (hoje, Diário de S.Paulo) e com a qual eu passei a colaborar.

A produção de reportagens para valer começou ali pelo meio de 1998. Estávamos prestes a nos mudar para a Rua Haddock Lobo, no prédio que abrigava o tradicional Cine Vitrine. O site crescia e houve espaço para começar a caçar notícias jurídicas. A essa altura, Rosângela tinha saído e o conteúdo noticioso da ConJur era produzido por mim e pelo Márcio Chaer.

Começamos a correr atrás de decisões interessantes, notícias, passei a sair mais da redação e a frequentar os fóruns em busca de novidades. Colhemos bons frutos da empreitada. Fizemos boas fontes e o trabalho passou a repercutir. O site era hospedado no UOL e a visibilidade do portal nos ajudou a crescer, junto com a responsabilidade de oferecer ao leitor jornalismo jurídico de qualidade, coisa ainda escassa àquela época.

Notícias que hoje parecem simplórias e não dão destaque, como a de dois alunos inadimplentes que conseguiram liminar que obrigava a escola a matriculá-los (clique aqui para ler), eram destaque na home page do UOL.

Hoje, provavelmente, uma decisão dessas nunca renderia a manchete principal do principal portal da internet. Mas a escassez de notícias sobre decisões judiciais era tanta que qualquer coisa era novidade e merecia destaque. Percebemos o nicho e investimos cada vez mais na produção das notícias. O retorno não só da parte de advogados, mas de outras pessoas na mesma situação, que nos chegava por e-mail, revelou o tino certeiro de Márcio e Ozorio quando decidiram criar o site. 

Um pouco antes disso, percebemos que publicar a íntegra de decisões e ações judiciais também trazia grande retorno. A internet ainda era uma grande novidade e, fora o pioneiro Jus Navigandi, não havia conteúdo jurídico disponível na rede mundial. Começamos ali a identificar bem nosso público.

A publicação de íntegras estava longe de ser algo usual, como hoje. As ações judiciais e decisões nos chegavam por fax e tínhamos de digitá-las para levá-las ao ar. Não foram poucas as vezes que fazíamos uma verdadeira força-tarefa: dividíamos as páginas de fax e cada um digitava um pedaço, que depois eram somados e publicados. Nem a secretária escapava da tarefa.

Lembro bem que na época era moda falar mal e processar o grande sucesso televisivo do momento, o Programa do Ratinho, veiculado pelo SBT. No dia 5 de novembro de 1998, por exemplo, noticiamos que o Ministério Público de São Paulo entrara com Ação Civil Pública contra o programa e a emissora. A notícia foi acompanhada da íntegra da ação, que tinha nada menos do que 50 páginas, que recebemos por fax e digitamos no sistema "força-tarefa".

Foi assim que a ConJur se tornou o que é: percebendo os espaços vazios que poderiam ser ocupados, porque havia um público sedento por notícias que não encontrava nos veículos tradicionais. E as barreiras foram sendo quebradas. Na verdade, funciona assim até hoje.

O fato pitoresco é que não havia banda larga. A internet era discada e a conta, calculada por minutos de acesso, costumava ser absurdamente alta. Pouco antes de 1999, lembro que, para continuar com o trabalho, nós acessávamos a internet para checar e-mails, publicar as notícias e, em seguida, desconectávamos. Era inviável economicamente para um site pequeno, mantido quase que num esforço pro bono, pagar o preço cobrado pela conexão ininterrupta.

Foi nessa época também que percebemos que havia um nicho de notícias sobre processos contra jornais e jornalistas. Um dos primeiros textos que produzimos a respeito foi o Judiciário muda a face do jornalismo brasileiro. O texto foi reproduzido pelo Observatório de Imprensa, do jornalista Alberto Dines, e também rendeu boa audiência.

O que mais fazia sucesso nos anos de 1999 e 2000 eram notícias de processos que envolviam celebridades, de serviço e discussões sobre reformas processuais — recorrentes até hoje. Textos sobre os processos movidos pelas filhas do jogador Garrincha contra livros ou filmes que citavam ou veiculavam a imagem de seu pai eram das mais acessadas. Ações de cidadãos contra o Estado por tratamento de saúde também rendiam bons destaques. 

O desafio era escrever jornalisticamente as decisões judiciais, tarefa que até hoje é árdua para a imprensa. Aprendemos a receita, começamos a fazer bom jornalismo jurídico e usamos a vantagem que tínhamos sobre os veículos tradicionais: a falta de limitação de espaço. Não tínhamos de contar linhas ou palavras para explicar ao leitor o impacto de determinada decisão sobre sua vida ou seu trabalho. 

Em 2000, a ConJur cresceu. Contratamos os repórteres Daniel Tannus e Maria Cristina Elias. Um acréscimo de 100% na força de trabalho. A partir daí, passamos a frequentar os destaques do UOL com assiduidade e o site começou a cristalizar a credibilidade que hoje tem no meio jurídico e jornalístico. 

Em junho de 2000, deixei a ConJur para voltar em 2004, já com uma equipe bem maior e com uma estrutura invejável, se comparada à dos primeiros passos. Com breves intervalos, passei os últimos seis anos aprimorando o trabalho do site que vi nascer. A tecnologia se aperfeiçoou, a equipe cresceu e a responsabilidade aumentou substancialmente. Mas o objetivo continua o mesmo: oferecer jornalismo jurídico de qualidade ao leitor.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!